Em apenas 48 horas, o Projeto de Lei 2338/23, que regula a inteligência artificial, recebeu 29 emendas. Ele deve ser votado na próxima terça-feira, 18, na Comissão Temporária de Inteligência Artificial, do Senado. Quatro delas são sugestões repetidas, feitas por dois senadores. Algumas trazem pontos de atenção que são relevantes. E muitas das emendas tentam consertar inconsistências da lei que ficaram na redação.

“A legislação não para de crescer”, diz Patricia Peck advogada especialista em direito digital e sócia e CEO do escritório Peck Advogados. “Ela começou principiológica, de vinte e poucos artigos; passou para 45 e como continua adotando sugestões poderá facilmente beirar 90 artigos com um grau de complexidade bem elevado e que afeta o ecossistema de inovação”, completa.

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Tainá Junquilho. Foto: divulgação

Tainá Junquilho, coordenadora do LIA IDP (Laboratório de governança e regulação de Inteligência Artificial), diz que as muitas emendas que chegaram é um processo normal, ainda mais em se tratando de um projeto de lei tão importante como este. E o adiamento de sua votação – a reunião na CTIA seria na quarta-feira, 12, e passou para o dia 18 – acontece justamente para receber sugestões complementares. “É comum um assunto tão complexo receber tantas emendas. Considero o PL da IA com um dos mais importantes do ano para o Congresso Nacional, junto com o de hidrogênio verde”, opinou.

Vale lembrar que no fim de abril, o senador e relator da matéria, Eduardo Gomes (PL-SE), havia enviado o relatório preliminar do PL. Entre os destaques daquela versão, foi a inserção pela primeira vez da IA generativa.

Peck sugere que se dê um passo atrás para reavaliar o peso da legislação e voltar para aquilo que realmente importa para a regulação da inteligência artificial. A ideia é repensar a lei de modo que ela possa ser cumprida desde o seu início, inclusive por conta de adaptações que precisam acontecer ainda nas fábricas de dispositivos, com deveres de transparência, de etiquetagem, de segurança. A especialista acredita que, com o tempo, sejam feitas complementações pelas autoridades de cada setor, enriquecendo a regulação.

Luís Fernando Prado, advogado especialista em IA, privacidade e proteção de dados e também conselheiro da Associação Brasileira de Inteligência Artificial (ABRIA), acredita que outras emendas deverão aparecer. “A expectativa é de que as emendas melhorem o texto, no sentido de aprimorar sua redação e tornar factíveis alguns trechos que hoje desafiariam a aplicação prática da Lei”, explica.

Debate deve continuar

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Luís Fernando Prado. Foto: divulgação

Para o especialista, o importante é que o tema seja exaustivamente debatido – o que não aconteceu ainda – e que se tenha ouvido e acatado pleitos dos diferentes agentes envolvidos – como sociedade civil e indústria. Porém, o advogado considera que não há espaço para debates relevantes e há uma urgência exagerada para a aprovação do texto.

“Atualmente, há várias críticas, tanto da sociedade civil como da indústria, quanto à ausência de espaço de debates relevantes, bem como sobre a urgência que vem sendo dada ao tema, como se fosse o caso de atropelar a construção ampla, colaborativa e transparente do texto. Na construção do Marco Civil da Internet, por exemplo, foram anos de debates e amadurecimento do texto legal, com participação ampla, colaborativa e transparente de todos os setores interessados”, compara.

Riscos de ausência de um debate amplo

Prado acredita que existe um risco de se criar “uma lei insuficiente para os pleitos da sociedade e inadequada do ponto de vista da tecnologia que se pretende regular”. Com isso, existe um risco de frear a inovação – em especial em startups e pequenas empresas – que terão que enfrentar um “cenário regulatório impossível ou muito difícil de ser cumprido”, completa.

Peck vai na mesma linha de raciocínio e chama o PL da IA e UtopIA. A advogada teme que o aumento do número de emendas crie uma lei complexa, densa.

Destaque das novas sugestões

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Patricia Peck. Foto: divulgação

Seguem algumas emendas adicionais que foram feitas nas últimas 48 horas:

Emenda sete, do senador Alessandro Vieira (MDB-SE): inclusão da “proteção integral de crianças e adolescentes” (emenda sete) no que tange a condição de pessoas em desenvolvimento, levando em consideração os riscos potenciais associados aos sistemas de IA.

Emenda 24, do senador Laércio Oliveira (PP-SE): pede a supressão do artigo 59 e de trecho do artigo 60, sobre direitos autorais. No caso, o artigo 59 exige que se informe quais conteúdos protegidos por direitos autorais foram utilizados e o inciso II do artigo 60 trata da restrição de uso comercial. O senador justifica que os trechos “impõem barreiras significativas para desenvolvedores, dificultando o acesso a dados essenciais”. Na prática, a emenda permite que a IA seja treinada com dados sem que o desenvolvedor peça o consentimento para tal uso.

Emenda 27, do senador Fabiano Contarato (PT/ES): o texto restringe o uso da IA na segurança pública por acreditar que a tecnologia ainda comete muitos erros e representa “riscos  substanciais à privacidade e aos direitos fundamentais dos cidadãos, devido a possíveis abusos, discriminação, vigilância em massa e erros de identificação, especialmente contra grupos vulneráveis”, escreve na justificativa.

Autoridade de IA em dois anos

Outra crítica de Peck é a instituição em somente dois anos da autoridade reguladora da IA, chamada aqui de Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial. A advogada acha que o prazo é “muito curto. “Se pensar que para o assunto de privacidade e proteção de dados, cujo assunto havia uma cultura maior, até hoje não conseguimos implementar completamente a legislação e ainda estamos engatinhando a respeito da própria atuação da ANPD, imagina em um prazo de dois anos implementar tudo o que traz a IA e que vai afetar requisitos de fábrica”, alerta. “Estamos falando de devices que vão envolver também questões de desenvolvimento técnico não só no Brasil, mas fora do Brasil. Apesar de a sua abrangência se aplicar a território nacional, eu posso fabricar em outro país, mas se for ofertado no Brasil será alcançado pela legislação”, completa.