Um dos debates recorrentes sobre a regulação das grandes plataformas é se a Anatel está à altura do desafio de monitorar as plataformas digitais e os conteúdos que circulam pela Internet. Em debate no segundo dia do Painel Telebrasil Summit 2023, que aconteceu nesta quarta-feira, 13, a maioria concordou que a agência tem essa capacidade. Mas alguns acham que ela precisaria sofrer adaptações. A voz divergente partiu do professor de Direito Público da USP, advogado e novo ministro do TSE, Floriano de Azevedo Marques Neto: ele é contra por achar que seriam necessárias muitas adaptações no órgão para acolher tal tarefa.
A defesa
Um dos defensores da Anatel como órgão regulador é o deputado João Maia (PL-RN), autor do PL 2768/2022, que dispõe sobre o tema.
“A Anatel tem experiência, vivência e competência. Tenho muito medo de ficarmos criando órgãos acessórios. É muito mais fácil, mais barato e mais eficiente criar uma diretoria na Anatel para regular e acompanhar esse processo (de regulação das plataformas digitais) do que inventar um órgão novo, muito embora essa questão da Anatel é que tem levantado muitas questões sobre o PL 2768”, defendeu Maia.
A moderadora Renata Mielli, coordenadora do CGI.Br, lembrou que o projeto de lei escrito por Maia tem um viés econômico no que tange a regulação, porém, existem outros, como o PL 2630/2020, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que impacta na regulação de conteúdos. “O que é bastante estranho à natureza do debate da Anatel”, comentou.
O conselheiro da agência, Alexandre Freire, foi categórico em sua resposta: sim, a agência está preparada para esses novos desafios.
“A Anatel não exerce mais o papel que foi pensado para ela 26 anos atrás. A agência desenvolve outras atribuições e possui outras competências entre as quais a de regular temas relacionados às plataformas digitais, inteligência artificial e temas desafiadores como cibersegurança, ou seja, uma agenda muito diversa daquela pensada anos atrás”, argumentou.
Freire também lembrou do centro de altos estudos em inovação da Anatel, além das superintendências que hoje desenvolvem trabalhos de altas performances sobre temas relacionados à comunicação digital e Internet. “Temos espaço na Anatel para uma modelagem diferente, temos um conselho consultivo que pode ser remodelado para permitir representação multissetorial. E podemos desenvolver uma nova superintendência que possa desenvolver projetos com competências para esse novo desafio do mundo virtualizado. A comunicação de 26 anos atrás era uma, a de hoje é outra”, disse.
O conselheiro reforçou que, a partir do momento em que a agência receba essas novas atribuições, precisará se remodelar e repensar uma política para essa nova missão.
Para Mario Girasole, VP de assuntos regulatórios, institucionais e relações com a imprensa da TIM, a Internet deve sair da época romântica e entrar no positivismo, ou seja, precisamos ver a Internet tal como ela é, sem seus ideais originais.
“Na medida em que chamamos de ecossistema, a regulação deve olhar de modo fim a fim. Na medida em que o mundo gera grandes oportunidades, também (gera) novos poderes de mercado e falhas de mercado que derivam desse novo modelo e que precisam fazer parte da agenda regulatória. Mas isso sempre foi assim e não vejo por que, nesta fase da tecnologia, não ser assim. É uma agenda fundamental, livrada dos ideologismos românticos. E talvez tenhamos a uma solução pragmática muito mais simples do que a gente possa imaginar.
A oposição
Em contrapartida, o professor de Direito Público da USP e advogado, Floriano de Azevedo Marques Neto, rechaçou a ideia de Girasole de que a regulação tem exclusivamente o escopo de coibir poder de mercado e falhas de mercado. E, brincando, disse que se o executivo da TIM era um positivista, ele era o último romântico.
“A regulação faz isso (coibir), mas a partir de um enfoque regulatório, que, no caso da Anatel, era regular as redes e os serviços de telecomunicações. Isso foi se descaracterizando e se pensarmos em teoria de regulação com a lente mais ampla, essa é a única indústria de redes em que o detentor das redes não explora o conteúdo. Quando se fala de transporte de gás, tem-se a commodity gás e a rede; quando se fala de energia elétrica, existe a comercialização de energia e a rede. No setor telecomunicações, nós temos essa peculiaridade pela forma que ela foi desenvolvida. Então, há uma série de questões que precisam ser enfrentadas e eu discordo do Alexandre (Freire): precisam ter enfrentamentos legais. No marco que nós concedemos lá nos anos 90, esses temas não foram concebidos.”
Neto explicou que para abraçar regulação de conteúdo, seria necessário revisitar os artigos 19 e 60 da agência por se tratarem de definições de telecom e que estipulam a comunicação como de ponto a ponto, o que não é mais o que acontece. O novo ministro do TSE explicou que a Anatel foi concebida para regular um problema: redes e serviços em redes. “E hoje temos problemas muito mais amplos. Se a Anatel pode vir a ser um repositório dessas competências, essa é uma boa discussão. Mas teríamos que reconfigurar seu escopo e sua estrutura”, completou.
O advogado também lembrou que, quando a Anatel foi concebida, havia uma ideia de que ela se transformaria em Anacom, uma agência mais abrangente de comunicações, e incorporaria, inclusive, os Correios. No entanto, essa ideia não foi para frente, e, no início deste século, criou-se a Ancine, para conteúdo audiovisual. Ou seja, inserir o conteúdo no arcabouço regulatório da agência passa por questões deixadas de fora há anos, como o crivo e a qualidade de conteúdo. “E isso vai trazer questões que vão muito além do que a Anatel está habilitada. O que temos que enfrentar aqui é como revisitar essa estrutura – não porque existem players com poder de mercado – mas porque existem interesses públicos que merecem ser tratados”, resumiu.