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Ilustração: Cecília Marins

Na última década, o Brasil viveu uma revolução das maquininhas de cartão. Abertura regulatória e avanços tecnológicos levaram a um aumento significativo do número de redes de adquirência no País. Como consequência, as maquininhas se popularizaram, chegando às mãos de pequenos comerciantes, profissionais autônomos e ambulantes. A competição acirrada levou a uma redução das taxas cobradas nos pagamentos com cartão de crédito e de débito, espremendo as margens das credenciadoras. O cenário é ainda mais desafiador para as redes de adquirência diante do sucesso do Pix, o serviço de pagamento instantâneo interbancário que não depende das maquininhas. Neste contexto, as credenciadoras adotam diferentes caminhos para se diferenciar, seja procurando aumentar sua eficiência operacional, agregando novos meios de pagamento (como o próprio Pix), desenvolvendo serviços de valor adicionado para os varejistas ou apostando na desmaterialização da maquininha, através da tecnologia de tap on phone. Mobile Time conversou com representantes do setor para entender as diferentes estratégias. Em comum, todos apontam para um futuro no qual deixam de ser meras redes de adquirência e passam a ser fornecedoras de soluções que vão além do pagamento. 

“Saímos da guerra das maquininhas para a guerra da diferenciação, da inovação, da tecnologia”, resume Angelo Russomanno Fernandes, diretor de negócios da Rede. 

Angelo Rede

“Saímos da guerra das maquininhas para a guerra da diferenciação, da inovação, da tecnologia”, diz Angelo Russomanno Fernandes, diretor de negócios da Rede (Crédito da imagem: divulgação)

A oferta de serviços de valor adicionado (SVAs) para os varejistas é um dos caminhos que as credenciadoras estão encontrando para se diferenciarem competitivamente, fidelizarem seus clientes e, ao mesmo tempo, gerarem novas linhas de receita para não dependerem tanto da taxa de MDR (merchant discount rate). Em geral são softwares para facilitar a gestão dos negócios, desde o gerenciamento financeiro e a conciliação de vendas, até o controle de estoque, passando por segurança antifraude e soluções para vendas digitais, como templates de lojas virtuais e envio de links de pagamento.

“O jogo se inverteu. Em vez de a credenciadora empurrar um produto que o varejista tenha que usar (a maquininha), ela procura entender as necessidades dele. A credenciadora deixa de ser uma mera fornecedora e passa a ser uma parceira integrada e comprometida com a geração de valor para o varejista, ajudando a aumentar suas vendas ou a melhorar a satisfação do consumidor final. É uma mudança de mindset grande”, diz o consultor Boanerges Freire, da Boanerges & Cia Consultoria, que tratou desse tema em uma vídeo-coluna publicada recentemente no Mobile Time.

Boanerges

Boanerges Freire: “A credenciadora deixa de ser uma mera fornecedora e passa a ser uma parceira integrada e comprometida com a geração de valor para o varejista” (Crédito da imagem: divulgação)

As estratégias para a oferta de SVAs variam caso a caso. Algumas credenciadoras desenvolvem soluções com suas próprias equipes de TI. Outras buscam parceiros externos. E há também as que optam por adquirir fornecedores de softwares de gestão. As estratégias não são excludentes. Na verdade, em geral, são combinadas. Servem de exemplo de aquisições com esse propósito a compra da Linx pela Stone por R$ 6,7 bilhões, em novembro de 2020, e a da Eyemobile pela Getnet, em maio de 2021.

“Quero ajudar meu cliente a gerir melhor seu negócio, com ERP, frente de caixa, programa de fidelidade, gestão de fornecedores. Quero ser o seu one stop shop”, afirma o presidente da Stone, Augusto Lins.

O modelo de negócios para os SVAs também varia. Alguns são disponibilizados sem custo adicional, com o objetivo de fidelizar o cliente. Outros são cobrados à parte. A Getnet passou os últimos três anos construindo seu portfólio de SVAs e espera começar a colher os frutos em 2023. Hoje, os serviços de valor adicionado são a área que mais cresce em receita na empresa. “Com máquinas sendo oferecidas de graça e taxas cada vez menores, todo mundo está olhando para novas linhas de receita”, justifica a vice-presidente de negócios da Getnet, Mayra Borges.

Mayra Borges Getnet

“Todo mundo está olhando para novas linhas de receita”, diz Mayra Borges, vice-presidente da Getnet (Crédito da imagem: Divulgação)

Para dar conta das diferentes necessidades dos varejistas, os SVAs são cada vez mais segmentados. A Getnet divide seu portfólio de SVAs de acordo com o tamanho das empresas. Por sua vez, a Stone aposta na segmentação por vertical, levando em conta as particularidades de cada uma. Ela oferece, por exemplo, softwares de conciliação diferentes para postos de gasolina, restaurantes e lojas de roupas.

As próprias maquininhas podem servir como canais de distribuição de SVAs, especialmente aquelas mais modernas, que se assemelham a smartphones e usam sistema operacional Android. Assim, algumas redes de adquirência decidiram criar lojas de aplicativos próprias, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de um ecossistema de SVAs em torno de sua base de maquininhas. A pioneira no Brasil foi a Cielo, lançando a Cielo Store em 2018, acessível através da sua maquininha top de linha, a Lio. Em junho deste ano foi a vez de a Rede lançar sua loja de apps, que já conta com mais 120 títulos e registra uma média de 4 mil downloads por mês, volume que vem crescendo 35% mensalmente.

Com uma loja de aplicativos, startups são atraídas para dentro do ecossistema da credenciadora, ampliando sua oferta de SVAs e trazendo ideias novas. Na loja da Rede, merecem destaque dois apps: Cupom Verde, uma carteira para gerenciamento de cupons fiscais digitais, em substituição aos comprovantes impressos; e Rede Cinco Estrelas, para medir a satisfação do cliente, solicitando que ele dê uma nota de um a cinco, na própria maquininha, depois do pagamento.

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Augusto Lins, presidente da Stone: “Quero ajudar meu cliente a gerir melhor seu negócio, com ERP, frente de caixa, programa de fidelidade, gestão de fornecedores. Quero ser o seu one stop shop”. (Crédito da imagem: divulgação)

Tap on phone

Outra novidade em curso no setor é o chamado “tap on phone”, que consiste na transformação do smartphone em uma máquina de POS, através de um aplicativo, para recebimento de pagamentos por aproximação.

O tap on phone é visto como um produto ideal para ser ofertado para os pequenos comerciantes e profissionais autônomos, resolvendo o problema do custo da maquininha para esses clientes.

“Hoje em dia a maquininha é praticamente subsidiada. É difícil chegar a um equilíbrio com MDR e antecipação de recebíveis que compense o investimento no equipamento. O tap on phone ajuda muito porque tira o custo do hardware, e assim conseguimos ter uma proposta de valor competitiva para o long tail”, argumenta Borges, da Getnet, que está realizando um teste piloto com a tecnologia.

Entre as grandes redes de adquirência no Brasil, a Stone foi a que saiu na frente com tap on phone, inclusive permitindo transações acima de R$ 200, para as quais o consumidor precisa digitar a senha na tela do smartphone do lojista. O TapTon, seu app de tap on phone, aceita pagamentos com cartões Visa, Mastercard e American Express. Além do MDR, a Stone optou por cobrar do lojista uma taxa fixa de R$ 0,40 por cada transação feita pelo app. A empresa não abre números da operação, mas afirma que a base de usuários vem crescendo rapidamente.

O tap on phone não vai decretar a morte das maquininhas. Talvez impacte as vendas dos modelos mais simples, que ainda dependem do smartphone para operar. As maquininhas mais modernas continuarão sendo preferidas por lojas de médio e grande porte, preveem as fontes ouvidas por Mobile Time. “Acredito que o tap on phone chegue para ampliar o leque de opções de meios de pagamento, mas não enxergo que vá substituir as outras máquinas”, diz Gabriela Szprinc, head de pagamentos do Mercado Pago.

O sucesso do tap on phone, contudo, depende ainda de um processo de educação do mercado, para vencer a resistência do brasileiro em digitar sua senha na tela de um smartphone de terceiros, alertam as fontes. Para Borges, da Getnet, é preciso haver um trabalho conjunto de toda a indústria na promoção dessa tecnologia.

Qualidade

Na busca por diferenciação, o aprimoramento do serviço core também não pode ser esquecido pelas credenciadoras. Ciente que qualquer minuto fora do ar resulta em prejuízos significativos para os lojistas, a Rede investiu nos últimos anos em infraestrutura para aumentar a disponibilidade do seu serviço, que agora é de 99,999%.

Além disso, durante a pandemia, diante do incremento de vendas por canais digitais, cuja participação em seu faturamento subiu de 15% para 25%, a Rede percebeu que muitos varejistas sofriam com uma baixa taxa de aprovação de compras, decorrente de sistemas antifraude rigorosos demais. Em média, no mercado brasileiro, cerca de 30% das transações no e-commerce são negadas por serem fraudulentas, “incertas”, ou estourarem o limite do cartão. Com uma análise inteligente de dados, a Rede chegou a uma taxa de aprovação média de 91%. A empresa está há 13 meses consecutivos com uma taxa acima da média do mercado, afirma Russomanno.

Passado e futuro

Mas nem todas as credenciadoras estão se movendo com a velocidade que a atual conjuntura exige, acreditam as fontes. A demora na construção de alternativas de receita acontece por ainda estarem presas a um passado saudosista, argumenta Freire, da consultoria Boanerges & Cia: “É preciso entender que em um passado não muito distante essas empresas ganharam muito dinheiro pois eram quase um canal exclusivo para pagamentos com cartão. Era na época em que havia máquinas exclusivas para o mundo Visa e Mastercard. Elas estavam acomodadas em um papel em que eram indispensáveis. Mas depois de tantas mudanças regulatórias, comportamentais e tecnológicas, sendo o Pix e o open finance algumas das mais importantes, o varejista agora tem outras opções para receber seus pagamentos”. 

Neste novo cenário, a mudança é irremediável. Junto com a expansão da sua atuação para além dos pagamentos, acredita-se que há espaço para inovação no modelo de negócios. Uma das possibilidades seria atrelar a remuneração ao sucesso dos clientes, ou mesmo cobrar uma assinatura pelo uso dos serviços, em vez de um percentual sobre pagamentos – mas isso dependeria de um acerto com bandeiras e emissores.

Por fim, talvez até mesmo os termos “credenciadora” e “rede de adquirência” precisem ser revistos, sugere Freire, pois estão ficando obsoletos e não são suficientes para descrever o que fazem essas empresas. Hoje elas não se restringem mais ao pagamento com cartão, e nem mesmo a pagamentos somente. É preciso criar um novo nome que não limite a sua atuação, cada vez mais aberta para além dos pagamentos e das próprias maquininhas.

MobiFinance

No dia 18 de outubro acontecerá a 5ª edição do MobiFinance, seminário sobre inovação em serviços financeiros, organizado por Mobile Time, no WTC, em São Paulo. O presidente da Stone, Augusto Lins, e a vice-presidente de negócios da Getnet, Mayra Borges, estão entre os palestrantes confirmados, assim como executivos de Itaú, PicPay, RecargaPay, Banco Original, PayPal, Superdigital, Brasilseg, Icatu, Youse, Pier, Bango, DialMyApp e Veritran. A programação completa e mais informações estão disponíveis em www.mobifinance.com.br

 

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