O secretário nacional de telecomunicações do Ministério das Comunicações, Hermano Tercius, reforçou a postura de mediação entre operadoras de telefonia e big techs a respeito da cobrança por investimento em infraestrutura de rede durante o evento “Internet Summit: Conectividade e Inclusão para o Futuro Digital“, nesta quarta-feira, 13. A posição faz eco àquela do presidente da Anatel, Carlos Baigorri, que na semana passada sugeriu uma “relação de simbiose” entre os dois lados que discutem o fair share.
“Sabemos que o debate atual sobre a taxa de uso de rede gerou um certo embate entre essas diferentes áreas de telecomunicações e empresas de Internet. Mas entendemos que isso tem que ser superado da forma mais breve possível, de maneira que esses diferentes players possam atuar com um propósito único de fortalecer e crescer o ecossistema digital. Evoluímos muito nossa proposta inicial com base nesse diálogo. Sabemos das preocupações sobre a taxa de uso da rede e estamos acompanhando a discussão internacional”, disse.
Segundo ele, o aumento do custo de rede a partir do tráfego não foi confirmado em análises do órgão e, por enquanto, a posição ainda é contrária à cobrança de taxa sobre as big techs. “Hoje, nosso entendimento é que ele não está comprovado e o ministro [Juscelino Filho] já deu, pelo menos, um depoimento público de que nossa posição atual é contra o fair share”, resumiu.
A discussão que passa pelo Brasil e América Latina propõe que grandes plataformas digitais geradoras de tráfego, como as plataformas das big techs, contribuam na manutenção das estruturas de telecomunicações das operadoras. Porém, a proposta encontra impasses em análises de especialistas, que defendem a neutralidade da rede, e das próprias plataformas. A questão também foi levantada no Internet Summit, organizado pela Aliança para Internet Aberta, cujo diretor-executivo, Alessandro Molon, é contrário ao fair share.
E o tema segue na pauta: no ano passado, ocorreu um manifesto internacional contra a cobrança; em janeiro deste ano, a Anatel procurou escutar contribuições da sociedade sobre o fair share através de uma tomada de subsídios; no mês seguinte, a GSMA e 22 operadoras móveis da América Latina e do Caribe — incluindo as brasileiras Algar, Claro, Vivo e TIM — foram na direção oposta e se manifestaram em favor do fair share. O tema também foi abordado no Andicom 2024, na Colômbia.
Tercius garante que o ministério das Comunicações segue atento aos novos argumentos do setor de telecomunicações e que eles foram ouvidos. “Não só essa premissa de aumento de custo da rede — que estamos analisando ainda com todo cuidado com a parte técnica. Mas esse é o nosso posicionamento atual, foi o que a gente já divulgou e estamos ouvindo vocês e estamos abertos a esse diálogo”.
Na sua avaliação, as duas áreas integram o ecossistema digital e podem avançar na discussão de uma maneira consensual. Para ilustrar, usou uma metáfora para pregar uma união entre os setores. “A gente espera vocês e tragam não só as preocupações, mas também possam trazer propostas mais objetivas, o que a gente pode colocar nessa construção. Contamos com a colaboração para construir um caminho para maior inclusão digital no nosso país. Nunca se esqueçam que as asas de uma mesma ave não podem voar separadas e que juntas elas podem alcançar o céu”.
Em junho, Baigorri propôs que o caminho de solução fosse uma saída focada apenas na América Latina a partir dos órgãos reguladores da região.
Quais as saídas internacionais para evitar o fair share?
Durante o primeiro painel, “Fireside Chat: Experiências Internacionais: um panorama global da conectividade”, o jornalista Nikhil Pahwa descreveu que a saída da Índia foi proporcionar uma maior competição entre as empresas para ocorrer, de fato, uma melhora nas ofertas de serviços.
“Avaliem se os operadores dos seus países estão fazendo isso como cartel. Na Índia, todos falavam a mesma coisa, mesmo sem ter falha no mercado. [Isso] Deveria se basear se tinha uma falha [de mercado] ou não. Dada a competição do mercado, operadores deveriam investir no futuro porque isso é que vai mudar o mercado. Lá na Índia, tínhamos a prova de que teve um cartel operando e que a competição mudou o mercado. Podemos lidar com a escassez por meio da competição. Mas acabar com a neutralidade não é a solução, só vai atrasar uma solução que ajude os usuários”, analisou.
O lado do streaming na discussão
Pelo lado das plataformas, Thomas Volmer, chefe global de distribuição de conteúdo da Netflix, disse que o streaming ajuda o ecossistema de telecomunicação a partir do usuário e da perspectiva de negócio. “Os operadores criam uma rede, as pessoas acessam essa rede porque veem conteúdo, eles querem ter acesso a serviços que eles se importam. A Netflix produz, a gente faz com que as pessoas queiram ter melhores conexões e a gente meio que retroalimenta esse círculo. Também trabalhamos na parte da infraestrutura porque é muito importante que a gente entregue o nosso conteúdo de um modo que ele não seja comprometido. Queremos que esse conteúdo chegue e seja o mais eficiente possível.”.
Para Thomas, o aumento no tráfego gera, para as operadoras, um maior lucro dos seus serviços. Ele também relembrou casos de regulação na União Europeia e, em especial, na Coreia do Sul.
A Netflix firmou em 2023 um acordo para pagar o fair share em solo sul coreano com a empresa provedora de serviços de Internet SK Broadband. O acordo veio após uma batalha judicial envolvendo o aumento de tráfego pelo lançamento de séries, como “Squid Game”. A proposta de regulação adotada em 2016, porém, foi criticada pelo head.
“Vemos que desde 2016 os consumidores estão piores, as páginas de internet são mais devagar, até mesmo do que a Finlândia, onde todos usam 5G. É muito difícil passar por um mercado que é muito fechado. Não é bom para os reguladores. O exemplo coreano de regular a internet e a interconexão não foi bem sucedido. Lá é um mercado-chave, investimos em conteúdo lá. Mas reconhecendo com nosso parceiro ISP, é mais inteligente concordar com uma solução sensível do que pedir pagamentos dessas cotas”, concluiu.
*Arte de Nik Neves para o Mobile Time