O MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e o Ministério da Fazenda avaliaram não haver necessidade de se criar a taxação da Internet, ou o fair share (ou network fee), voltado para as grandes plataformas digitais. Depois de ouvir perspectivas de diferentes áreas contra – sociedade civil, educação e saúde –, o Internet Summit, evento que aconteceu nesta quarta-feira, 13, em Brasília, apresentou perspectivas de representantes do governo sobre o tema.
Mariana Picolli, coordenadora-geral de saúde e comunicações do Ministério da Fazenda, disse que o entendimento construído a partir da consulta pública realizada pela pasta mostra que o desempenho financeiro econômico em diferentes setores não deram “casualidades que justifique medidas compensatórias de um setor para o outro”, ou seja, que se institua o fair share como maneira de compensar as empresas de telecom.
“Quando se observa economicamente, vender Internet ainda vale a pena no País. E não existe nenhuma indicação que os atores deste mercado não sejam capazes de manter a sustentabilidade do setor”, explicou a coordenadora sobre o parecer apresentado pelo ministério.
Picolli enfatizou que produtores de conteúdo devem se concentrar em produzir conteúdo e devem competir com empresas que também produzem conteúdo. Ao ganhar consumidores pelo conteúdo que possuem, eles geram mais tráfego de dados. Mas isso eles requerem nas empresas de telecom. E com esse aumento de demanda, os provedores têm aumento de receita. E essa receita financia a infraestrutura da rede. “A nossa conclusão foi no sentido de que esse ciclo se retroalimenta. E os atores são capazes de manter o ecossistema digital de uma forma sustentável”, resumiu.
Andréa Macera, a secretária de competitividade e política regulatória do MDIC, corroborou e complementou dizendo que o uso massivo das plataformas digitais por parte do consumidor final impulsiona as receitas das prestadoras de serviços de telecomunicações. A demanda do público por conteúdo digital traz a demanda de tráfego ampliado e isso acaba sendo remunerado pelo consumidor.
Picolli enfatizou que uma intervenção estatal, com a criação de novos deveres e obrigações de contribuição de cunho pecuniário de um setor para outro poderia gerar “subsídios cruzados artificiais que não mostram benefícios. Não temos evidências significativas de que precisa de uma intervenção desse tipo no mercado. O fair share não seria tão fair”, resumiu.
Macera, por sua vez, lembrou do caso da Coreia do Sul. “Temos ainda evidências empíricas. O único país que adotou a cobrança da taxa foi a Coreia do Sul e o resultado não foi muito satisfatório”, opinou. “Houve queda de qualidade no serviço oferecido, queda de investimento na infraestrutura e aumento de preços para o consumidor”, resumiu.
Necessidade regulatória?
A representante do MDIC também apontou que não há provas de haver uma necessidade regulatória sobre o tema.
“Alguns países colocam a pergunta ‘qual seria a falha de mercado que essa regulação iria endereçar’. Mas não haveria garantias de que a transferência de renda para as empresas de telecom vindas dessas plataformas se traduziria em mais eficiência desse mercado”, contou. Colocamos os dois lados da questão”, disse a secretária.
Macera explicou que a taxação deveria endereçar falhas de mercado – e aí se faz a regulação – ou para a construção de políticas públicas – e, neste caso, o fair share seria um imposto. “Não haveria garantias de que a transferência de renda para as empresas de telecom vindas dessas plataformas se traduziria em mais eficiência desse mercado”, explicou.
Investimentos das plataformas digitais
A secretária lembrou que as plataformas digitais fazem investimentos em infraestrutura. São cabos submarinos, data centers e CDNs, essenciais para deixar o conteúdo acessado pela Internet mais perto dos seus usuários.
O uso crescente de IA e de outras tecnologias exigem poder de computação, armazenamento e segurança de dados. O Brasil corresponde por 50% dos data centers de toda a América Latina. Eles impulsionam e agregam outros serviços para trazer melhoria na conectividade ampliada. “O MDIC tem olhado a questão do data center e acionamos a AIA (Aliança da Internet Aberta) para desburocratizar a instalação de data centers no Brasil”, disse. Vale lembrar que a AIA é a realizadora do Internet Summit e que conta com uma série de associações, além das grandes plataformas digitais como suas associadas.
No entanto, Carlos Baigorri, presidente da Anatel, ressaltou que a cooperação entre plataformas digitais e empresas de telecomunicações deve envolver as melhores práticas de uso das redes e isso deveria garantir que todos os agentes tenham políticas adequadas, inclusive de CDNs, por exemplo. “Essas políticas não são públicas. Qual a política de CDN?”, questionou. “Temos que entender como potencializar essa cooperação entre os dois segmentos. Ela pode surgir para aumentar a eficiência”, disse.
Estudos da AIA sobre fair share
Alessandro Molon, presidente da AIA, disse que os estudos apresentados pela associação mostram que não existe o risco de haver uma “explosão na demanda de tráfego de dados no Brasil”. As análises foram feitas a partir de dados públicos e mostram que há um crescimento, mas ele está perdendo velocidade.
Sobre outro estudo feito pela AIA, Molon apontou que o retorno das empresas de telecom é compatível com o setor em que elas participam, é robusto e estável e vai ao encontro das falas de Macera e Picollo Ou seja, não são empresas com dificuldades financeiras. E, sobre a alegação de que as receitas estão caindo, o presidente da associação diz que as receitas em queda são de TV por assinatura e telefonia fixa. “São serviços que nada têm a ver com Internet. Essas empresas misturam os números e dizem ter problemas. Mas não tem nada a ver com conexão”, afirmou.
Molon reforçou a importância da cooperação entre os setores, mas ela não deve passar pelo fair share. “Queremos aprofundar e qualificar o debate. O que temos certeza é que a taxa de rede não é uma boa ideia. Mas estamos abertos ao diálogo com outras coisas que podem ser feitas para melhorar o diálogo”, disse.
A visão da Anatel
Baigorri salientou que a consulta pública aberta pela Anatel não era somente sobre o fair share, mas justamente sobre melhores práticas dos usuários de rede. Ou seja, usuários de telecom devem usar de maneira adequada as redes. “Mas precisamos discutir o que é adequado. E por que isso? Por que é um bem comum. Todos os agentes compartilham desse bem. Se um ou mais agentes usam de forma inadequada, começa a cercear aquele bem”, argumentou.
“É que nem um estacionamento. Se eu chego e ocupo três vagas, como a gente garante definir o que é adequado? É importante criar mecanismos para que todos usem o estacionamento de forma adequada e garantir que quem não usa, tenha incentivos – de preço, ou desenho de mecanismos de incentivo para que o que seja considerado adequado depois desse processo seja regra de mercado”, explicou.
Baigorri disse ainda que antes de mais nada é preciso definir e desenhar o problema. “O que não pode fazer é achar que não existe um problema e bloquear o debate”.
O presidente da Anatel lembrou que a tomada de subsídios nasceu com o debate sobre o uso adequado pelas empresas de call center que se utilizam de robot calls (ligações que duram menos de três segundos) para telemarketing. Assim, a medida cautelar tomada para coibir esse tipo de ação, começa a ser desenhada como regulação, passando pelos trâmites legais. E um dos debates sobre o uso adequado das redes passa também pelo fair share. Mas, reforçou, não é o único tema.
Imagem principal: Integrantes do painel do Internet Summit: da esquerda para a direita: Marcelo Guaranys (moderador), da AIA; Andrea Macera, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; Mariana Piccoli, Ministério da Fazenda; Carlos Baigorri, Anatel; e Alessandro Molon, da AIA/reprodução de vídeo.