Em um cenário de taxação de rede (conhecido como fair share ou network fee), os mais prejudicados serão os mais pobres. E construir políticas públicas é o que vai definir a restrição ou o fortalecimento de direitos dessas pessoas. Com essas ideias em mente, Paloma Rocillo, diretora do IRIS (Instituto de Referência em Internet e Sociedade), abriu sua fala durante o Internet Summit, evento organizado em Brasília pela AIA (Associação pela Internet Aberta), nesta quarta-feira, 13. A ativista afirmou que taxar as plataformas digitais vai prejudicar os consumidores com menor poder econômico e de decisão.
“Não dependo de nenhuma política de conectividade no Brasil. Se, amanhã, a gente tiver um novo modelo de infraestrutura no Brasil e a gente tiver um aumento substancial nos preços cobrados aos consumidores, eu vou conseguir pagar”, iniciou sua fala. “Qualquer modelo de política pública que onere um ator econômico vai gerar um autoajuste do mercado. E ele vai desaguar no bolso do consumidor necessariamente. Empresa nenhuma vai bancar os custos”, afirmou.
A diretora do IRIS acredita que este modelo é equivocado e que o debate deveria ser sobre a finalidade dessa discussão.
“Porque em um contexto de um país que tem menos de 20% da população brasileira com conectividade significativa, se ficarmos apenas na camada do problema da proposta atual e não avançarmos para a camada de quais são as propostas necessárias, a gente também está dizendo que esses 20% (de pessoas com conectividade significativa) são suficientes. Mas para 80% do Brasil não é”, resumiu.
Taxação para as escolas
Rocillo deu como exemplo a conectividade nas escolas. Ela lembrou que um dos argumentos para a aplicação da taxação das redes é a importância desse montante ser direcionado à política pública de conectividade nas escolas. Porém, a diretora do IRIS lembrou que já existe a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas, que é robusta, foi construída no início do governo Lula, envolve cinco fontes de financiamento e cuja meta é conectar todas as escolas até o final do seu mandato.
“O que a gente precisa é garantir que o modelo gestado dois anos atrás seja implementado de forma efetiva e coerente”, resumiu.
Saúde
Especialistas de diferentes áreas apresentaram argumentos para que não se faça a taxação das redes.
Carlos Pedrotti, presidente do Saúde Digital, mostrou números relacionados à telessaúde para defender o ponto de vista. E apresentou quatro perspectivas sobre a saúde digital e a importância da rede para o seu avanço.
A primeira delas é que 30% de todos os dados produzidos no mundo são de saúde. “É um número gigantesco e tem crescimento anual de 35%”, disse.
De acordo com o especialista, o mundo saiu de 2,3 zetabytes, em 2020, de produção de dados em saúde, para 10 zetabytes de dados produzidos em 2025, ou seja cinco vezes mais.
A segunda perspectiva é que há 30 anos existe uma digitalização da saúde. Ou seja, o raio-x vai para a nuvem e para as estruturas que permitem que radiologistas deem laudos a distância. “Isso vem ganhando notoriedade e a maioria do serviço de radiologia, um dos maiores produtores de dados em saúde (imagens de radiografias, ultrassonografias, ressonâncias etc) trafega a distância usando banda de Internet. E isso traz eficiência e sustentabilidade para um setor que é um cobertor curto”, explicou.
A terceira perspectiva é que há também a digitalização de prontuários eletrônicos, prestação de serviços de saúde a distância como a telemedicina, em que médicos e pacientes estão em localidades diferentes e essa videoconsulta requer banda larga.
Um exemplo dado por Pedrotti foi sobre as consultas de telepsicologia. Somente a Saúde Digital presta 45 mil atendimentos por dia. No Brasil, são 100 mil consultas diárias somente no sistema privado. “Sâo milhões de consultas todos os meses. E é videoconferência, é tráfego de dados massivos. Imagina uma taxa extra nesse serviço”, questionou. “Vai encarecer e impactar na ponta, ou seja, no paciente”, concluiu.
O quarto paradigma apresentado pelo presidente da Saúde Digital é que existe um grande incentivo do próprio Sistema Público de Saúde para a adoção de tecnologia, até porque 75% da população depende do SUS. “É uma das maiores bases unificadas do mundo. Isso é valiosíssimo”, disse. E, para que tudo funcione harmonicamente, setores privados e públicos precisam da interoperabilidade. Os sistemas precisam conversar para evitar redundância, repetição de exames e, no fim das contas, o paciente ganha autonomia e gestão da sua saúde.
Educação e pesquisa
A terceira visão apresentada contra o fair share foi de Inês Maciel, professora e pesquisadora da pós-graduação em Mídias Criativas da Escola de Comunicação da UFRJ, que estuda as tecnologias como realidade virtual, mista e aumentada. Seu projeto Metaversidade procura levar essas tecnologias a escolas e comunidades.
“Estamos falando de web 3.0 e 4.0 que é onde está a capacitação do futuro dos trabalhadores”, explicou. Por web 3.0 a pesquisadora define aquela Internet do metaverso, e onde o produtor de conteúdo passa a ser empreendedor, com modelo de negócio dentro da web, uso de blockchain, criptomoeda, entre outras tecnologias. E a web 4.0 é a Internet da inteligência artificial.
Para a apresentação dessas soluções nas escolas, Maciel conta que precisa de uma conexão dedicada de 20 Mbps. Porém, ela encontra 0,28 mbps.
“Se não experimentar, a pessoa não entende o que são essas realidades. Temos cerca de 7 milhões de usuários classe A de Internet e 23 milhões estão sem Internet. No meio, 150 milhões vão ficar a reboque da web 1.0 e 2.0. Que custo é este para um país? Estamos nos candidatando ao Plano Brasileiro de IA (PBIA) com investimento de bilhões em infraestrutura e capacitação. Mas e o acesso? Onde fica?”, questionou.
Também na educação, Juliano Griebeler, vice-presidente da Anup (Associação Nacional das Universidades Particulares) e diretor de relações e sustentabilidade da Cogna, explicou que dos cerca 10 milhões de alunos do ensino superior, 7,9 milhões estão em universidades particulares, sendo 5 milhões no presencial e 4,9 milhões no ensino a distância.
Presente em 3 mil municípios, o EAD permite a democratização e interiorização do acesso aos estudos enquanto o presencial está em cerca de 700 municípios, argumentou.
No Brasil, 90% dos alunos das redes particulares são das classes CDE. “É o aluno que vem da rede pública e vai estudar na faculdade privada porque não teve vaga suficiente para ele no ensino superior público”, contou. “Quem será afetado pela taxação de rede é quem mais precisa. É a mesma discussão da reforma tributária sobre consumo. Se eu aumentar o custo do acesso à educação, quem eu vou prejudicar? O estudante que não consegue se beneficiar do pagamento de seus impostos para ocupar uma vaga no setor público. E (geralmente) é ele quem paga para se capacitar e eu vou puni-lo com mais custos?”, questiona. “Vamos elevar mais uma barreira para quem já ultrapassou várias para conseguir se capacitar”, resumiu.
Imagem principal: Paloma Rocillo, diretora do IRIS durante o Internet Summit. Crédito: reprodução de vídeo