O professor da ISCTE e fellow economist da Comissão da União Europeia, Sandro Mendonça afirmou que o Brasil tem potencial e capacidade para juntar os temas de debate da regulação das big techs e se colocar no mapa dos principais reguladores, uma vez que as grandes potenciais do Ocidente não têm resposta para tudo. Disse também, durante o Encontro Nacional da Abrint, que o Brasil pode fazer as coisas à sua maneira e não precisa seguir o modelo de Europa (mais regulado e focado nos direitos humanos), Estados Unidos (autorregulado e liberal) ou China (estritamente regulada pelo Estado).
“Se o Brasil tem que aprender alguma coisa, é que pode fazer também as coisas à sua maneira. Não há um modelo único (de regulação). É preciso fazer de acordo com as necessidades de sua população”, disse Mendonça, ao afirmar que o Brasil pode definir se terá um regulador único ou multissetorial, por exemplo, e não ficar preso aos modelos do exterior.
“Portanto, é possível adaptar esse futuro e o Brasil precisa de um ‘gladiador digital’ para ter forças para se opor a poderes que não são democráticos, uma vez que essas empresas são orientadas pelo lucro, têm negócios com forças armadas dos países que as sediam, usam propagandas para convencimento das massas e com capacidade de parametrizar as nossas preferências. Tentam nos convencer que temos liberdade e democracia, mas, na prática, nós temos um sistema operativo que é favorável a essas empresas digitais”, completou o economista da UE.
Octávio Pieranti, assessor na Secretaria de Políticas Digitais da Secom, frisou que tratar da relação das big techs com o governo e a população passa por uma regulação e olhar do Estado, pois o ambiente digital é um problema complexo. Disse ainda que atualmente o cenário brasileiro é de autorregulação, mas o Brasil está caminhando para um cenário de mudança. Deu como exemplo, a criação do recente grupo de trabalho da Câmara dos Deputados sobre a PL 2630/2023. Mas se preocupa com os possíveis entraves que podem surgir.
“Precisamos avançar. Ano passado foi criado uma série de obstáculos para evitar e barrar o debate. Espero que o cenário não se repita agora”, disse, antes de reforçar que o Brasil não precisa reproduzir o estrangeiro, mas “criar o próprio modelo” garantido direitos dos brasileiros e que seja qualificável.
A líder do conselho da Abrint, Cristiane Sanches, afirmou que o Brasil “não pode deixar acontecer que outros decidam por nós” sobre a regulação das big techs e que tampouco que “o poder judiciário que imponha uma decisão no âmbito mais amplo”: “Precisamos discutir o tema e se movimentar ou vai dar ruim”, relatou. Sanches enfatizou ainda que esta não é a discussão de uma única lei, mas do “futuro da Internet”. Além do PL 2630, a representante da associação das ISPs lembrou que há um debate sobre a interpretação do Artigo 19 do Marco Civil da Internet que interessa diretamente aos pequenos provedores, uma vez que se o ISP tem um conteúdo ilícito ele não é o responsável, mas que, se não cumpre a ordem judicial, se torna responsável.
Elaini da Silva, professora de relações internacionais da PUC-SP, afirmou ainda que o Brasil precisa de “alternativas sobre fragmentação e disputa sobre o modelo a ser seguido”. Disse ainda que precisamos acompanhar como compatibilizar um modelo que tenha um formato multilateral, com padrões mínimos, que todos se comuniquem e que não dá para regulamentar só o Brasil.
Imagem principal da direita para esquerda: Cristiane Sanches, Abrint; Nathalia Foditsch, Connect Humanity; Elaini Silva, PUC-SP; Sandro Mendonça, Comissão da UE