A união faz a força. Esse deve ser o lema dos veículos jornalísticos nos países emergentes (ou Sul Global) se quiserem sair vencedores da queda de braço política no pleito por serem remunerados pelas grandes plataformas digitais, como Google e Meta. Essa foi uma das mensagens transmitidas por especialistas no assunto em mesa de debate no Festival 3i, organizado pela Ajor, nesta sexta-feira, 14, no Rio de Janeiro.
“É difícil lidar com empresas que têm receitas maiores que países inteiros. A atuação coletiva é importante, porque as big techs vão trabalhar para nos dividir em nível regional, nacional e continental”, comentou Michael Markovitz, head do GIBS Media Leadership Think Tank, da África do Sul.
A professora Anya Schffrin, da Universidade de Columbia, entende que onde há lei ou regulamentação taxando as big techs para financiar o jornalismo a remuneração dos jornalistas aumenta. Mas alertou que as big techs não estão interessadas em fazer acordos no Sul Global, a julgar pela resistência que tiveram em países desenvolvidos, como Austrália e no Canadá, onde leis nacionais exigiram a negociação com os veículos jornalísticos.
“As plataformas odeiam essas leis e agem como qualquer grande companhia americana: gastam dinheiro com lobistas, atacam as publicações, procuram dividir a classe, tal como fizeram as indústrias do tabaco e do combustível fóssil”, criticou Schffrin.
Críticas ao modelo canadense
No Canadá, o governo aprovou uma lei que obrigou o Google a se comprometer com US$ 100 milhões para o jornalismo por ano. No entanto, a experiência canadense foi criticada no painel.
Uma das consequências negativas do embate entre big techs e mídia no Canadá foi a retirada dos links de notícias de dentro do Facebook e do Instagram, por decisão unilateral da Meta. Isso reduziu drasticamente o tráfego para sites de notícias. As pessoas, em vez de publicarem links, passaram a publicar prints das notícias dentro das redes sociais, o que não gera engajamento para os veículos de mídia. De início, se acreditava que a Meta estaria blefando quando ameaçou remover os links. Mas a medida já dura um ano, sem perspectiva de que a empresa volte atrás.
Até mesmo os US$ 100 milhões do Google foram criticados. Uma das maiores dificuldades é estabelecer critérios justos e transparentes para a distribuição desse dinheiro. Segundo o professor Michael Geist, da Universidade de Ottawa, alguns veículos hoje recebem menos dinheiro do Google do que recebiam antes, e outros seguem sem receber nada. E há também aqueles que dependem 100% dessa verba, o que gera uma dependência perigosa da mídia em relação ao governo que criou a lei. “A lei (canadense) foi desastrosa. E era previsível que seria”, criticou Geist.
Seu colega Taylor Owen, da Universidade McGill, concorda: “Cria-se uma dependência não sustentável de governo e plataformas. Isso não é sustentável para o jornalismo”.
Bia Barbosa, do Repórteres Sem Fronteiras, ponderou que a realidade canadense é muito distinta da brasileira, pois no Canadá existe uma mídia pública forte e o governo já apoiava o jornalismo em diversas frentes. No seu entender, o Brasil e outros países do Sul Global devem, sim, seguir com o debate sobre uma regulamentação para que as big techs remunerem o jornalismo.