Há pouco mais de um mês foi editada a Medida Provisória nº 615/13, que lançou as bases para a futura regulamentação do pagamento eletrônico por meio de dispositivos móveis no Brasil – o chamado pagamento móvel ou mobile payment.

A medida veio em boa hora: em um mundo no qual quase dois terços da população possuem telefones celulares e tais telefones apropriam-se de mais e mais funções antes reservadas a aparelhos específicos (calculadora, relógio, agenda, câmera fotográfica e até mesmo lanterna, para nos resumirmos a algumas), não chega a surpreender que os celulares estejam em vias de aposentar também o cartão de crédito e o talão de cheques, novidade que evidentemente trará implicações do ponto de vista jurídico e regulatório.

A mais evidente implicação é que a aceitação potencialmente ampla do pagamento móvel maximizará o risco sistêmico no setor financeiro, sobretudo quando se lembra de que a inclusão financeira é um dos objetivos políticos declarados da Medida Provisória nº 615/13, de acordo com seus artigos 7º, VII, e 8º.

Assim, a eventual quebra de uma empresa que preste serviços de mobile payment e que é definida por essa Medida Provisória como instituição de pagamento – que bem pode ser uma operadora de telefonia celular, por exemplo – passa a embutir risco assemelhado ao da liquidação de uma seguradora ou de um banco, com consequências drásticas para a economia em geral.

Não é por outra razão que a MP reserva à Anatel um importante papel, ainda que o protagonismo seja mantido com o Banco Central, a quem caberá a gestão do sistema. Pelo mesmo motivo, o texto da citada medida não esconde a preocupação com as operações "capazes de oferecer risco à economia popular e ao normal funcionamento das transações de pagamentos de varejo".

Do ponto de vista do consumidor, os desafios jurídicos não são menores. De fato, em um cenário de popularização do pagamento móvel (o secretário de telecomunicações fala em 130 milhões de linhas em dois anos), questões relativas à privacidade vão se tornar ainda mais relevantes, dado o crescimento exponencial da quantidade de informações sobre hábitos de consumo que passarão a estar ao alcance das instituições de pagamento. Sem dúvida, trata-se de um ativo valiosíssimo nas mãos de profissionais que desejam vender ou produzir para as classes menos favorecidas, cuja inclusão financeira é um dos objetivos da Medida Provisória nº 615/13.

Outro ponto sensível é a regulamentação das tarifas que serão cobradas como contrapartida pelo pagamento móvel. A política tarifária a ser implementada dependerá, em grande medida, da consolidação do serviço e também da competição entre os participantes tradicionais desse mercado (administradoras de cartão de crédito e instituições financeiras) e os novos players (operadoras de telefonia celular e outros).

Essas e outras questões deverão ser resolvidas pelo marco regulatório do setor, aguardado para novembro deste ano, conforme a própria MP estabelece. Enquanto isso, o leitor ainda pode – parafraseando James Gleick, em ensaio publicado há quase 20 anos – puxar algumas cédulas de real do bolso no meio da rua e aproveitar aquilo que talvez venha a ser o seu último cachorro quente que não virá com o CPF e o nome registrados.

 

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