“O sertanejo é, antes de tudo, um forte”, escreveu Euclides da Cunha, mais de um século atrás. O que o escritor de “Os Sertões” não poderia imaginar à época é que a sua frase valeria também, 100 anos mais tarde, para descrever a pujança empreendedora de alguns dos habitantes da região no setor de tecnologia, como Roberto Nogueira, fundador da Brisanet, a primeira operadora quadplay do semiárido brasileiro. Depois de levar Internet em fibra óptica para dentro das casas do sertão nordestino, junto com telefonia fixa e TV por assinatura, a Brisanet acaba de virar uma operadora móvel virtual (MVNO, na sigla em inglês), completando o leque de serviços convergentes de telecomunicações que nem todos os gigantes do setor possuem.
Nogueira é a antítese do estereótipo de empreendedor de startups dos dias de hoje. Não estudou em escolas particulares, não fez faculdade no exterior, não recebeu investimento de familiares e amigos ricos. Na verdade, passou seus primeiros 20 anos de vida trabalhando na roça, em agricultura de subsistência, na cidade cearense de Pereiro.
“Fui à escola pela primeira vez aos 10 anos de idade. Aos 13 anos tive o primeiro contato com um equipamento eletrônico: um rádio a pilha, o que despertou meu interesse em seguir essa área. Aos 16 anos chegou a energia elétrica na minha comunidade. E ao 17 anos conheci a televisão”, relatou Nogueira a Mobile Time, em entrevista durante o mais recente seminário da NeoTV, em São Paulo, na semana passada.
Ainda jovem, Nogueira migrou para São José dos Campos/SP, onde trabalhou com manutenção de equipamentos de PABX e aprendeu a instalar antenas parabólicas. Em 1997, teve a ideia de construir antenas de Internet a rádio, mesclando a estrutura das parabólicas com placas Wi-Fi, cujos primeiros modelos estavam chegando ao Brasil. Voltou para Pereiro e fundou a Brisanet, como uma provedora de Internet a rádio em uma rede ponto-multiponto. As antenas eram adaptadas pelo próprio empreendedor e alcançavam até 80 Km de distância.
Naquela época, as cidades do semiárido tinham poucos computadores, geralmente localizados nas prefeituras, nos cartórios ou na casa de algum despachante. Esses eram seus primeiros clientes. Em 2000 a Brisanet estava presente em 15 cidades do interior nordestino, totalizando algumas poucas centenas de assinantes.
Nogueira seguiu reinvestindo na operação cada centavo que ganhava, expandindo a Brisanet continuamente. Em 2010 atendia 150 cidades em três estados: Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Foi então que percebeu que não dava mais para trabalhar na frequência não licenciada de 2,4 GHz e com o padrão Wi-Fi, pois a faixa estava demasiadamente poluída. A saída que escolheu foi apostar em fibra óptica.
“Assim, em 2011, implementamos a primeira cidade do Brasil com rede de fibra em toda a área urbana: Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte, um município com 30 mil habitantes. Foi a primeira cidade com FTTH no País”, lembra.
Depois da fibra, veio a TV por assinatura, com uma solução de IPTV, em 2013. E, em seguida, a telefonia fixa.
Até então Nogueira enfrentava dificuldades para conseguir financiamento, porque os bancos não aceitavam a sua rede como garantia. Isso o obrigava a buscar recursos de giro rápido, a 3% ao mês, botando seus próprios bens como garantia.
Em 2015, a Brisanet contava com 40 mil assinantes e uma rede de fibra em 15 cidades do Ceará e Rio Grande do Norte, sendo Juazeiro/CE, com 200 mil habitantes, a maior delas. O sucesso abriu as portas do BNDES para a empresa, que conseguiu um empréstimo com melhores condições, o que lhe permitiu acelerar sua expansão.
Agora, em 2018, a Brisanet está com fibra óptica na área urbana de 80 cidades e soma 240 mil usuários. A meta é fechar o ano com 260 mil e crescer 50% em 2019. Sua rede tem 12 mil Km de backbone, sempre com abordagem dupla ou tripla, e 20 mil Km de cabos ópticos urbanos. “Hoje a nossa rede deve ser a segunda maior de FTTH do Brasil, atrás apenas da Telefônica. Só que estamos encravados no centro do semiárido, na área mais desfavorável economicamente do País”, compara.
A Brisanet vende acesso à Internet em pacotes que variam de 10 Mbps a 1 Gbps, e preços entre R$ 73 e R$ 499. Perguntado como uma população com baixa renda mensal consegue pagar por esses serviços, Nogueira responde: “Nas cidades onde atuamos, as pessoas não têm acesso a cinema, nem shopping, nem viajam. A Internet é o seu lazer. É o principal investimento da casa em serviço”.
MVNO
A mais nova aposta da Brisanet é em telefonia móvel. A empresa virou há poucos meses uma MVNO credenciada que usa a rede da Vivo, vendendo somente linhas pré-pagas. Sem muito esforço de marketing já conquistou 10 mil assinantes em poucos meses. A meta para 2019 é superar a marca de 70 mil.
Estratégia verticalizada
Chama a atenção a estratégia de verticalização. A Brisanet tem 2,4 mil funcionários que dão conta de tudo, ou quase tudo, que a empresa precisa. Do planejamento até a manutenção da rede, passando pela sua implementação e operação: tudo está nas mãos da própria Brisanet. Até mesmo os postes que levam os cabos de fibra óptica são produzidos pela companhia. O call center também é dela. A operadora tem sua própria equipe de marketing. E conta também com um time de programadores que desenvolvem praticamente todos os softwares que necessita, inclusive o de gestão de equipes de campo, presente nos celulares dos técnicos que vão para as ruas. A única exceção é a parte contábil e financeira, que usa uma solução da SAP.
Volta às origens
A sede da Brisanet, em Pereiro/CE, fica a 1 Km da roça onde Nogueira trabalhava na adolescência. E está a apenas 1,5 Km da sua casa atual. O sertanejo não é apenas um forte, mas uma pessoa que tem orgulho e amor por suas origens.