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Falta estratégia à Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA). Essa é a opinião de Eduardo Magrani, affiliate na Universidade de Harvard e sócio do Demarest Advogados. Para ele, o documento publicado pelo governo federal chegou atrasado, carece de detalhamento e ficou muito aquém de outros planos nacionais de IA. “Nossa estratégia não entende a complexidade do próprio conceito de IA. Como vamos desenhar a estratégia para algo que nem entendemos o que é?”, critica. Uma das falhas mais graves da EBIA, no seu entendimento, é não ter apontado um caminho de desenvolvimento de IA no Brasil que explore os diferenciais competitivos do País. 

Magrani, que é doutor em Direito, pós-doutor pela Universidade Técnica de Munique (TUM) e presidente do Instituto Nacional de Proteção de Dados no Brasil, concedeu entrevista a Mobile Time sobre o assunto.

Mobile Time – Qual a sua avaliação da Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial?

Eduardo Magrani – O Brasil chega atrasado em sua estratégia nacional. Está longe de ter o pioneirismo que teve em outras estratégias, como o Plano Nacional de IoT e a estratégia de transformação digital ou mesmo a regulação de proteção de dados, outro pilar importante. Há várias outras estratégias de IA no mundo prontas. O Brasil poderia ter aproveitado o estágio de maturação internacional para criar um plano mais robusto. O resultado foi muito aquém do esperado porque o Brasil não fez o dever de casa. Ficou muito abaixo dos outros planos internacionais, mesmo dentro de parâmetros mínimos esperados.

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Eduardo Magrani: “Nossa estratégia não entende a complexidade do próprio conceito de IA. Como vamos desenhar a estratégia para algo que nem entendemos o que é?”

O que achou do conceito de IA adotado na EBIA?

Planos internacionais, como o alemão ou colombiano, começam com uma conceituação complexa de IA. Nossa estratégia não entende a complexidade do próprio conceito de IA. Como vamos desenhar a estratégia para algo que nem entendemos o que é? E isso já estava pronto em outros planos internacionais.

Ha críticas também pelo fato de a EBIA não ter explorado os potenciais específicos do Brasil em IA. Concorda?

Quando um estado desenha o seu plano estratégico de IA, faz o mapeamento do estado da arte disso e analisa como o seu país, com os recursos que dispõe, com a cultura que tem, pode se beneficiar ao máximo dessa nova tecnologia, reduzindo o riscos. Cada país dá o seu tom sobre a sua estratégia de IA, dentro do seu contexto sócio-econômico e político. A China, por exemplo, quer ser líder de IA no mundo. A Índia, entendendo seu papel industrial e mercadológico, aposta no desenvolvimento de hardware. A França foca em regulações robustas para proteger direitos humanos, alinhada à matriz regulatória europeia em busca de uma IA humanocêntrica. Enquanto isso, o plano brasileiro é uma estratégia que não tem uma estratégia brasileira. É uma estratégia sem estratégia. O que foi publicado é uma colagem de análises e temas internacionais sobre IA e muito pouco de estratégia brasileira. Quais são os nossos gaps? Quais são os diferenciais competitivos do Brasil para serem explorados em IA?

E quais são esses diferenciais competitivos do Brasil?

Temos boas pistas no nosso plano estratégico de IoT. O Brasil tem desenvolvimento de ponta na área rural, com alta tecnologia. Também somos fortes em smart cities, onde temos investido cada vez mais. Como IA poderia se alinhar às estratégias estaduais e municipais de smart cities? Esses planos são citados na EBIA, mas não existe um alinhamento claro.

Faltou detalhamento de propostas e mais concretude à EBIA?

Um problema grave é que nosso plano foi construído com o desejo que no Brasil as empresas, a academia e outros stakeholders tomem a dianteira e façam as coisas interessantes em IA. Muito conveniente, mas cadê o papel do governo? Faltou o governo esclarecer qual vai ser o seu comportamento pró-ativo em complemento a esses stakeholders.

O governo diz que vai implementar IA em 12 serviços públicos federais até 2022, mas não informou quais.

Pois é! Não disse quais órgãos vão ser responsáveis e nem o orçamento. É um plano extremamente superficial. E por ser superficial passa a ser um plano estratégico leviano, porque não pode ser baseado em achismo. Tem que se fundamentar em dados.

O que achou da forma como foi conduzida a consulta pública?

Foi uma consulta pública conduzida de maneira muito ineficiente. Foi lançada no fim de 2019, em período de festas. Se você quer ter contribuições substanciais, precisa levar isso em consideração. Foi feita de maneira atrapalhada. O processo não foi bem estruturado. A consulta recebeu algumas contribuições relevantes, mas não houve comunicação clara sobre os outputs das contribuições. Uma consulta pública online não pode ser feita só por conveniência política. É preciso dar feedback sobre as contribuições depois de elaborado o documento final. Tem que apresentar justificativas. No Brasil, as consultas públicas têm sido usadas como instrumento de conveniência política: quando as contribuições se alinham, tudo bem, senão, são descartadas.

Acredita que a EBIA foi publicada com o mero propósito de contribuir para a entrada do Brasil na OCDE?

Isso está muito claro no documento, com diversas menções à OCDE. Mas a OCDE é apenas um dos vários sistemas de IA. O governo se comunicou pouco com outros sistemas internacionais que tratam de IA. Se a ideia é passar um bom recado para entidades internacionais de que a gente está entendendo o fenômeno de IA e que estamos preparando o país para esse contexto, fizemos um trabalho aquém do esperado.

Nem o fato de a EBIA incluir preocupações éticas quanto ao desenvolvimento de IA seria um ponto positivo?

Há vários outros frameworks éticos disponíveis e que não estão na EBIA. Existe um consenso na maioria desses frameworks sobre princípios éticos mínimos, o que não aparece no plano brasileiro. A EBIA não informa como vai implementar cuidados éticos. O que está na EBIA poderia ser feito assistindo a um documentário do Netflix.

 

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