Com o objetivo de suprir a demanda de conectividade nas estradas do país deixada pela renúncia da Winity à faixa de 700 MHz, a Anatel e a ANTT acabaram despachando medidas com o mesmo objetivo: o de garantir o 4G em rodovias. Ao longo dos últimos 30 dias, decisões de ambas agências resultaram em iniciativas paralelas que agora até podem ser complementares, mas que, a princípio, não vigorariam juntas.
A ANTT foi quem deliberou primeiro, quando em 17 de março deste ano determinou às concessionárias que já possuíam previsão de implementar rede sem fio que passassem a considerar como obrigação a garantia da rede 4G no percurso administrado por elas. A medida também autoriza aquelas que ainda não possuem tal previsão a elaborarem projeto executivo de conectividade.
A decisão se deu no âmbito do processo da ANTT de definição de diretrizes sobre conectividade para adequação dos modelos contratuais das concessões. A discussão ocorria desde 2023, quando a agência chegou a analisar a exclusão da obrigatoriedade a ser imposta às concessionárias para arcarem com a internet em rodovias, levando em conta o edital do 5G, que atrelou o compromisso de cobertura móvel das estradas à tele vencedora da faixa de 700 MHz, como indica ofício do Ministério dos Transportes à época. Contudo, a Portaria com diretrizes dos contratos para administração das estradas acabou sendo publicada em outubro de 2023, em meio às indefinições acerca do cumprimento das metas pela Winity, incluindo no texto a previsão de conectividade por parte das concessionárias.
Diante da renúncia da operadora em dezembro daquele ano, a ANTT procurou a Anatel, informando que identificou a oportunidade de ampliar, ainda em 2024, a implementação da tecnologia 4G no âmbito das políticas vinculadas ao Ministério dos Transportes mas que “somente poderia adotar essa iniciativa após ter conhecimento do status do Contrato de Concessão do Edital [do 5G] e seus desdobramentos”, questionando se haveria óbice em incluir a demanda nos contratos de concessão.
Em março do ano passado, então, a Anatel respondeu à autarquia que “não há óbices à previsão da tecnologia 4G nos contratos de concessão pela ANTT”, pois “tal medida, inclusive, vai ao encontro do objetivo da Anatel de ampliação da cobertura”. Contudo, considerou “importante ressalvar” que, naquele momento, não havia qualquer obrigação de cobertura de estradas e rodovias vigente para nenhuma das vencedoras do edital do 5G, “de modo que a efetividade de tal disposição dependerá de acordo com uma das atuais prestadoras de serviços de telecomunicações”.
Diante do retorno, a agência de transportes ratificou a inclusão da conectividade em 100% dos trechos concedidos em novas etapas de concessões, em decisão assinada em agosto do ano passado pelo diretor-geral da ANTT, Rafael Vitale. No despacho, ele cita que houve consulta à Anatel e conclui que “existe a necessidade de que haja algum meio de comunicação efetivo e confiável entre o usuário e a concessionária, para comunicação em situações de emergência, com vistas a garantir um atendimento eficiente e a aumentar a segurança dos usuários”, mas que a rede também é necessária para a prestação do serviço nas estradas.
“[…] a conectividade deixará de ser necessária somente para a comunicação dos usuários e se tornará imperativa para que as concessionárias tragam maior eficiência operacional, tais como: monitoramento e controle de tráfego; detecção automática de incidentes (DAI); sistemas de informação ao usuário; assistência em tempo real; ampliação das tecnologias de free flow; e veículos autônomos, por exemplo”, consta no documento.
Desde então, a ANTT preparou o trâmite para acelerar o processo de inclusão da conectividade móvel nos trechos concedidos, levando à deliberação firmada no mês passado, que orienta migração das obrigações de rede sem fio para o 4G.
Na última semana, no dia 7 de abril, a área técnica da ANTT informou à Superintendência de Infraestrutura Rodoviária, para fins de acompanhamento da decisão, que já emitiu despachos a 16 concessionárias para substituição da obrigação de conectividade wireless por 4G. Entre as mais recentes, estão as encaminhamentos para Via Araucária e Ecovias Rio Minas.
Mas por que o 4G?
A Portaria do Ministério dos Transportes para novas concessões chegou a prever a tecnologia 5G nas estradas, considerando que seria a melhor dentre as disponíveis. No entanto, antes de bater o martelo quanto aos requisitos técnicos na adaptação dos contratos, a ANTT promoveu uma análise comparativa entre o 5G e o 4G para definir qual seria a melhor opção a ser recomendada.
Nota técnica da Gerência de Gestão de Investimentos Rodoviários da ANTT partiu do diagnóstico de que “o cenário atual das rodovias federais concedidas no que tange a cobertura de telefonia móvel é deficitário especialmente nos trechos eminentemente rurais, ou seja, afastados dos centros mais povoados”.
Ao avaliar o 5G, concluiu-se que “a necessidade de uma infraestrutura mais densa de estações base, combinada com custos operacionais mais elevados, torna, por ora, a adoção do 5G financeiramente inviável para as concessionárias de rodovias, especialmente aquelas com recursos limitados”.
Já para a tecnologia 4G, a visão foi que “se mostrou mais adequada e viável para rodovias no que diz respeito aos aspectos técnicos nesse momento, ofertando de maneira satisfatória os serviços que serão efetivamente utilizados pelos usuários da rodovia, como navegação, comunicação de voz e transmissão de dados básicos, principalmente nas áreas rurais e remotas, onde a conectividade é deficiente”.
O preço também pesou. “O investimento em tecnologia 4G é cerca de 4 vezes menor quando comparado ao investimento em tecnologia 5G, além de atender satisfatoriamente a demanda dos seus usuários com relação aos aspectos de conexão”, consta na nota.
Como exemplo, orçamento apresentado por uma das concessionárias, a Nova Rota do Oeste, para rodovia no Mato Grosso, pontuou que o sinal móvel só está presente em cerca de 45% do trecho sob sua responsabilidade. Para chegar à totalidade, o custo ficou estimado em R$ 96 milhões com 4G e R$ 410 milhões com 5G, aproximadamente.
Na proposta apresentada pela Nova Rota do Oeste para fins de levantamento, o projeto técnico seria de responsabilidade da concessionária. A operadora ficaria com a implantação de novos sites (torres) dentro da faixa de domínio das rodovias, incluindo o contrato com a torreira, além da manutenção da rede durante a vigência da concessão. Aos usuários de operadoras concorrentes, seria disponibilizado acesso gratuito a uma página da internet da equipe de operações da concessionária para caso de emergências.
Compromissos das teles
Do lado da Anatel, no final de março, dia 31, a agência sugeriu que a Claro forneça rede móvel 4G ou superior em algumas rodovias, com uso da faixa de 700 MHz, como obrigação de fazer, em alternativa à multa de R$ 83,7 milhões por infrações, cobrança que é alvo de recursos da empresa em processo que tramita há mais de dez anos.
A cobertura de rodovias seguiu orientação do Ministério das Comunicações, a partir do novo fluxo instaurado no ano passado em decreto que exigiu consultar o governo sobre as obrigações a serem sugeridas às operadoras. O ofício do órgão foi protocolado na Anatel poucos dias antes da sugestão de obrigação de fazer à Claro, no dia 25 de março.
Já neste mês de abril, o Conselho Diretor da Anatel também aprovou a possibilidade de atender rodovias nos leilões reversos realizados pela EAD (entidade Administradora responsável pelos recursos para cumprimento das metas do leilão de 4G).
A possibilidade de abarcar rodovias nos compromissos das teles ainda pode ser ampliada a depender da recepção das contribuições encaminhadas para o novo edital da faixa de 700 MHz. A incorporação das metas nas estradas foi defendida tanto por parte das operadoras quanto pelo próprio Ministério das Comunicações.