[Matéria atualizada às 17h do dia 15/10/2021 com informações mais recentes da Vivo] O Brasil terminou o primeiro trimestre de 2021 com aproximadamente 70% das famílias endividadas, segundo pesquisa da Confederação Nacional de Bens, Serviço e Turismo (CNC). Neste cenário, a busca por ofertas de crédito pela população tem crescido mais entre bancos médios, carteiras de pagamento e outras instituições, como operadoras e varejistas.

“Os grandes bancos ficam voltados mais para alta renda. Como o Itaú buscando 50% do share de receita no digital. Na composição deles, 70% a 80% são clientes A ou AA. Já as carteiras digitais, como PagSeguro, PicPay e Mercado Pago, têm uma estratégia mais massificada de clientes”, explica Mariana Oreng, professora de pós-graduação na Saint Paul Escola.

De acordo com a Zetta, a entrada das fintechs possibilita a oferta de serviços financeiros mais acessíveis (ou mesmo com taxa zero), além de aumentar a penetração entre a população desbancarizada. Em nota enviada ao Mobile Time, a associação das carteiras lembra um dado do estudo da IDWALL que revela que, em 2020, 14 milhões de pessoas foram bancarizadas e que, em uma pesquisa do SPC Brasil, 41% dos clientes de fintechs afirmam que a aprovação de crédito através das empresas de tecnologia é mais rápida e menos burocrática.

“Isso também significa que, ao oferecer crédito a taxas mais baixas, as fintechs permitem que mais pessoas possam usufruir do serviço”, diz trecho da nota. “Além disso, quase 50% dos municípios brasileiros não possuem uma agência bancária — o que dificulta o acesso ao sistema bancário de pessoas longe de grandes centros. Isso mostra, mais uma vez, a importância do papel das fintechs, presentes em 100% dos municípios brasileiros, democratizando o acesso do brasileiro ao universo financeiro”, conclui.

Como funciona

No mobile, as ofertas de crédito são similares àquelas dos grandes bancos, como empréstimo pessoal, consignado, com garantia em imóvel, cheque especial, rotativo do cartão de crédito, entre vários outros. Mas também tem surgido opções de usar o próprio celular como garantia: é o caso da Digital Reef, uma parceira da fintech Juno.

“Temos uma ferramenta de cobrança através de mensagem. O cliente que não paga dá o celular como garantia. Isso funciona também para bancos e fintechs. Vemos que reduz risco e custos. Já estamos conversando com operadores e fintechs. Juno fez uma parceria com a Mastercard e terá um app que fará empréstimos locais com a nossa ferramenta de bloqueio do celular”, explicou Chris Stier, CCO da DigitalReef.

Outro exemplo é a Vivo. Com a oferta do Vivo Money completando um ano no próximo dia 19 de outubro, a operadora tem potencial de alcance de 20 milhões de usuários (CPFs, desde que não estejam negativados) do app Meu Vivo, como revelou Sandro Sinhorigno, diretor de soluções financeiras digitais da Vivo: “O Meu Vivo é um dos principais canais, seja para o cliente pós ou controle. Nós oferecemos empréstimo pessoal para os nossos clientes. Usamos o pré-conhecimento do cliente (dos dados). Começamos com R$ 500 a R$ 50 mil com taxas baixas (a partir de 1,49% mês, 0,99% em outubro)”, disse.

Além do Vivo Money, a operadora também tem o Vivo Crédito Antecipado, mais antigo, modalidade que oferece créditos de R$ 10 a R$ 30 para clientes do pré-pago fazerem recarga.

Também oriundo do universo de telecomunicações com oferta de recarga de celular, a RecargaPay trabalha com microcrédito, empréstimo pessoal e empréstimo para o lojista. Segundo Gustavo Victorica, cofundador e COO da wallet, a oferta pessoal é a que mais cresce na empresa hoje, e representa perto de 50% do total – o microcrédito começou antes – e será em breve a principal forma de receita neste segmento, tendo um papel importante na empresa.

“Nós conseguimos ser bem mais assertivos que esses outros veículos de crédito. Oferecemos [o empréstimo] no momento que ele precisa. A melhor oferta é a que resolve naquele momento. Mas o nosso tíquete é baixo, pois o microcrédito ainda é o principal meio crédito”, explicou Victorica.

Com 16 anos de atuação, o Mercado Pago/Mercado Crédito é um exemplo da evolução do setor. Começou como carteira para o ecossistema do Mercado Livre, lançou o serviço de empréstimo em 2017 com antecipação de vendas para o lojista associado ao marketplace, depois avançou para amortização flexível (o cliente oferece um percentual das vendas como forma de pagamento), empréstimo pessoal, ‘buy now, pay later’ (crediário eletrônico) e microcrédito.

“O Mercado Pago é mobile apenas para uma parte dos vendedores (foi mobile desde o day zero). Os vendedores pequenos usam mobile e os consumidores também”, diz Renato Burin, head do Mercado Crédito. “Existe uma demanda reprimida muito grande do crédito. Nós vemos um crescimento em todos os lados. O empréstimo pessoal tem crescido muito, mas o uso da wallet (para parcelamento de compras, por exemplo) vem muito forte também”, completou.

Aqui, vale dizer que uma recente pesquisa da WorldPay sobre operações financeiras no mundo indicou que as opções de financiamento no ponto de venda atingiram um patamar confortável entre os consumidores latino-americanos nos planos parcelados, incluindo soluções de marketplace, serviços “compre agora, pague depois” (buy now, pay later) e ofertas de financiamento pelos comerciantes. Os pagamentos por buy now, pay later devem responder por 0,5% das vendas no comércio eletrônico da América Latina até 2024, segundo a processadora global de pagamentos.

Estrutura financeira

Para montar esse tipo de operação, as fintechs e as novas entrantes utilizam ferramentas para angariar investimentos no mercado de capitais, como notas de crédito, debêntures e fundos de direitos creditórios (FIDC). Oreng, da Saint Paul, indica que esse tipo de acessório financeiro é essencial para não aumentar o endividamento de uma empresa, além de dar acesso ao financiamento.

“Temos migrado para o modelo via mercado de capitais. De acordo com número que saiu na última semana, do ponto de vista de representação, o Brasil está próximo de uma série histórica em FIDCs. O primeiro trimestre de 2021 já ultrapassou 2020 e 2019. Debêntures também vêm forte, mas não é o grosso do crédito”, completou a professora, ao dizer que FIDC é mais indicado para empresas que não são sociedade por ação.

No relatório da Anbima, as debêntures emitidas saltaram de US$ 121 bilhões no primeiro semestre de 2020 para US$ 155 bilhões no acumulado semestral de 2021. Mais da metade é usada para capital de giro e investimento em infraestrutura. Quem utilizou esse mecanismo no mês de agosto foi o RecargaPay, que obteve R$ 40 milhões para sua oferta de microcrédito.

“Usar o mercado de capitais é crítico, pois é um mercado mais sofisticado que o de renda fixa. Você consegue escalar alavancado o braço financeiro. Tem muita instituição buscando esse produto, mesmo com a Selic subindo. Muitas vezes você não tem a profundidade de capital, como um grande banco. Mas depende de cada um. Nós escolhemos debênture por ser um produto de curto-prazo”, afirmou Victorica.

Por sua vez, a Vivo escolheu um FIDC, mas usou seu caixa para ser o único investidor. O Mercado Crédito obteve dinheiro  por meio de um follow-on (investimento) capitaneado pelo PayPal e Dragoneer em 2019, mas migrou para o modelo de fundo, sendo o mais recente no começo deste ano avaliado em R$ 1,07 bilhão.

Na Anbima, as FIDCs do primeiro semestre de 2021 registraram um volume de R$ 42,4 bilhões ante R$ 34 bilhões no mesmo período em 2020.

Regulação

Embora a dinâmica seja de oceano azul para essas empresas no setor de crédito, pois os grandes bancos focam nos clientes de alta renda, um dos problemas para os novos entrantes e fintechs pode ser a regulação. A professora da Saint Paul acredita que do ponto de visto regulatório atual, as pequenas são vistas como mais simples (nível S5 na classificação do BC). Mas o porte dessas instituições não é simples pelo arcabouço tecnológico. Com isso, o Banco Central pode colocá-las como instituição S2 ou S3, ou seja, mais robustos e com mais entraves regulatórios – em razão da quantidade de dinheiro em caixa.

Se alteradas as regras, o atual modelo de empréstimos com carteiras e players de fora do mercado financeiro pode não ser mais sustentável para essas empresas e um caminho de sobrevivência pode ser a consolidação.

“Se aumentar a regulação, você pode diminuir a inovação e a desconcentração bancária. Possivelmente, nós veremos uma consolidação segmentada, ainda em ambientes parecidos. Mas, do ponto de vista macro, veremos instituições de crédito imobiliário, usando analytics e podendo se juntar à grande”, completou.

Por outro lado, o COO do RecargaPay afirmou que a agenda do Banco Central nos últimos anos tem sido em prol da competição. Cita como exemplo os avanços em Pix e Open Banking e que o Brasil tem muito espaço. Segundo um estudo de abril deste ano do Instituto Locomotiva, há 34 milhões de desbancarizados no País: “O próprio Pix traz uma nova dinâmica para o mercado, mas ele não resolveu a questão do crédito. Há muito espaço para avançarmos”, concluiu.

Caixa

Outra mudança que pode alterar o jogo é a entrada da Caixa no segmento de empréstimo via mobile. Puxada pelo crescimento do Caixa TEM via auxílio emergencial para 38 milhões de invisíveis (brasileiros desbancarizados e sem renda fixa), a estatal lançou na última semana a oferta Crédito Caixa Tem. Nela, o banco oferece empréstimos de R$ 300 a R$ 1 mil, com pagamento em até 24 parcelas e juros de 3,99% ao mês.

Contudo, os especialistas veem com ressalvas e não como ameaça a entrada da Caixa. Burin, do Mercado Crédito, afirmou que a estatal tem histórico de boas e de más experiências bancárias para os consumidores. Victorica observa que o Auxílio Emergencial que a Caixa funciona como uma ponte aos desbancarizados, que começam a usar o banco estatal e depois procuram outros serviços, como aconteceu com o RecargaPay.

Por sua vez, Oreng atenta que é preciso confirmar se a estatal será capaz de manter seus clientes: “A Caixa não é consenso no mercado. Muitos analistas dizem que o auxílio emergencial foi o principal movimento de bancarização. Uma coisa é se cadastrar, mas outra coisa é mantê-lo. A dúvida é se gera engajamento ou é uma ponte para outros serviços”, pondera.

MobiFinance

O uso do celular como veículo de acesso a crédito no Brasil será tema de painel de debate no evento online MobiFinance, que acontecerá nos dias 19 e 20 de outubro, com organização do Mobile Time. Estão confirmados no painel: Adriano Duarte, CEO da 123Qred; Caio Borges, diretor de vendas Brasil da Infobip; Gustavo Victorica, cofundador e COO da RecargaPay; Renato Burin, country head do Mercado Crédito do Mercado Pago; e Sandro Sinhorigno, diretor de soluções financeiras digitais da Vivo. A agenda atualizada e mais informações estão disponíveis em www.mobifinance.com.br

 

 

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