Em dezembro, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) abriu uma consulta pública para a elaboração de uma estratégia nacional de inteligência artificial. Dividida em três eixos transversais e seis verticais, o documento traz uma série de perguntas em busca de respostas que ajudem o governo a construir uma política pública para a área. A população tem até 31 de janeiro para enviar contribuições, mas especialistas ouvidos por Mobile Time temem que a participação popular seja pequena.
Alexandre Del Rey, presidente no Brasil da associação I2AI (International Association of Artificial Intelligence), elogia a iniciativa do governo brasileiro de ouvir a população, mas pondera que o começo do ano não seria o período mais apropriado. “A participação popular até agora está tímida. Isso preocupa: é uma consulta pública em que o público não participa”, comenta.
A divisão em nove eixos também pode atrapalhar, por ser demasiadamente complexa, na opinião de Jhonata Emerick, presidente da Abria (Associação Brasileira de Inteligência Artificial) e sócio da DataRisk. Ele entende que a discussão deveria começar com menos pontos, de maneira mais simplificada. “Nove eixos é demais. Vai restringir a participação a especialistas e acadêmicos. São poucas as pessoas no Brasil capazes de contribuir”, diz.
A opção de estruturar a consulta pública em uma lista de perguntas, em vez de um documento que já trouxesse diretrizes para serem debatidas, é criticada por Flávia Lefèvre, representante do coletivo Intervozes: “A sociedade em geral desconhece a amplitude e a complexidade técnica implicadas pelo uso de IA; e esta falta de conhecimento limita a possibilidade de contribuições consistentes. Há uma clara assimetria de conhecimento e capacidade de contribuir entre os cidadãos comuns e os grandes grupos econômicos e políticos.” Ela demonstra preocupação com o risco de o debate não abranger toda a sociedade: “É fundamental que os processos regulatórios para IA sejam realmente multissetoriais e multidisciplinares, pois as diversas vertentes de consequências do uso dessa tecnologia não podem ser tratadas exclusivamente pelo foco comercial”.
Freio à inovação
Outro ponto que preocupa alguns dos especialistas entrevistados é de que seria prematuro criar leis sobre IA no momento, devido ao risco de freiar a inovação.
“Em todo o mundo as iniciativas de regulação de aplicações de IA ou falharam fantasticamente ou foram deixadas de lado pela imprevisibilidade dos usos e aplicações possíveis. É necessário cautela para não travar o ritmo da inovação no setor, coibindo apenas os usos abusivos. Vale lembrar ainda que a LGPD já prevê algumas limitações ao uso massivo de dados para subsidiar sistemas de IA. Diante disso o momento me parece ser de estudo e observação, não de imposição de regras”, comenta Rafael Pellon, advogado especializado em direito digital e sócio do escritório Pellon de Lima.
Del Rey, da I2AI, concorda: “é preciso tomar cuidado na discussão sobre legislação e regulamentação no momento em que estamos para que não sirva como um freio mais do que como um propulsionador da tecnologia.”
Vale lembrar que paralelamente à iniciativa do governo federal há um projeto de lei em tramitação no Senado para impor regras para IA, de autoria do senador Styvenson Valentim (Podemos/RN).
Governo
Por fim, Lefèvre, do Intervozes, teme pelos rumos de uma estratégia nacional de IA construída no atual momento político brasileiro, marcado pela “baixa valorização de direitos sociais e de organizações da sociedade civil, cujo envolvimento nos processos regulatórios é fundamental num tema com os potenciais impactos como é o caso de IA”, diz. Ela critica a atuação do governo federal em outras projetos importantes em direito digital: “Veja-se, por exemplo, o descompromisso do atual governo com a garantia de que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais vai de fato ser implementada de forma democrática e o teor do Decreto 10.046/2019, que trata da transferência de dados no âmbito dos órgãos que integram a administração pública federal, e que já afronta diversas garantias conquistadas no processo de construção da LGPD.”
A consulta pública está disponível para a participação da população neste link.