O PIX está aberto para ser integrado ao WhatsApp, informa o Banco Central. Mas a autarquia demonstra preocupação com o risco de que o Facebook queira construir um serviço fechado de pagamentos instantâneos, o que geraria uma fragmentação do mercado. O BC se pronunciou sobre o assunto em nota encaminhada ao Mobile Time. Leia abaixo a íntegra do comunicado:
“O BC está acompanhando a iniciativa do WhatsApp e avalia que há grande potencial para sua integração ao PIX. Entretanto, o BC considera prematura qualquer iniciativa que possa gerar fragmentação de mercado e concentração em agentes específicos. O BC vai ser vigilante a qualquer desenvolvimento fechado ou que tenha componentes que inibam a interoperabilidade e limite seu objetivo de ter um sistema rápido, seguro, transparente, aberto e barato”.
Análise
Ao longo dos últimos dois anos, o Banco Central realizou um trabalho hercúleo para construir uma plataforma nacional de pagamentos instantâneos. O processo foi feito de forma democrática, com reuniões abertas a players de todos os portes e de todos os elos da cadeia de pagamentos e do sistema bancário brasileiros. Especificações técnicas, de segurança e de negócios foram construídas ao longo desse período, por meio de reuniões de grupos de trabalho com representantes do BC e do mercado, no âmbito do Fórum de Pagamentos Instantâneos. O objetivo foi o de criar um serviço de pagamento instantâneo que fosse efetivamente rápido, mas também aberto, seguro e barato, de forma a acelerar a digitalização dos pagamentos no Brasil, reduzindo a circulação de papel moeda, cujo custo de impressão, transporte e armazenamento é considerado alto.
O PIX é um projeto de estado, não de governo. Tanto é que sobreviveu à troca de ocupantes do Palácio do Planalto em 2019 e segue a todo vapor. Pode-se dizer que sua semente foi plantada inclusive há mais tempo, sendo um desdobramento da modernização da regulamentação de serviços financeiros no Brasil que vem sendo promovida pelo Banco Central desde 2013 e que viabilizou o surgimento de inúmeras fintechs no País.
A bem da verdade, já existem muitos outros serviços de pagamentos instantâneos em arranjos fechados no Brasil, criados por fintechs e grandes bancos muito antes do PIX. O que diferencia o PIX de todos eles é a sua interoperabilidade. A princípio, portanto, a chegada de mais um serviço com características de pagamento instantâneo criado pela iniciativa privada não deveria preocupar o BC… a não ser que este serviço seja capitaneado justamente pelo WhatsApp. Neste caso, sim, cabe a preocupação em razão da hegemonia do WhatsApp enquanto aplicativo de mensageria no Brasil. De acordo com dados das pesquisas Panorama Mobile Time/Opinion Box, o WhatsApp está instalado em 99% dos smartphones brasileiros e 98% dos seus usuários o acessam todo dia ou quase todo dia. É o aplicativo mais popular do País, presente na tela inicial de 57% dos smartphones nacionais. Se só pudesse ter um aplicativo em seu telefone, metade dos brasileiros escolheria o WhatsApp, revela a mesma pesquisa. A força do WhatsApp em mensageria móvel não tem paralelo nos outros elos da cadeia necessária para pagamentos instantâneos, como bancos, fintechs, carteiras digitais, gateways de pagamento etc. Em suma, se um player privado tem cacife para concorrer com o PIX, este player é o WhatsApp.
Ainda não está claro se o WhatsApp quer concorrer diretamente com o PIX ou se vai aderir a ele. Oficialmente, a empresa diz estar avaliando essa possível integração. Um fator que será considerado é o financeiro: as empresas que receberem pagamentos pelo Facebook Pay terão um custo de 3,99%, pagos à Cielo, responsável pelo processamento das transações. A taxa vale tanto para pagamentos no débito quanto no crédito. Não foi informado se o WhatsApp fica com uma participação dessa tarifa, mas é natural que tenha uma fatia. Por sua vez as transferências entre pessoas físicas (P2P) no WhatsApp são gratuitas… ao menos por ora.
Uma saída para a integração pode estar na separação entre pagamentos por crédito e por débito. O PIX não envolve pagamento por crédito: trata-se de uma transferência de valores diretamente entre contas correntes, como um pagamento por cartão de débito. O WhatsApp poderia aderir ao PIX para transação de débito e manter a cobrança de 3,99% para os pagamentos por crédito.
Resta ver qual será a escolha estratégica do WhatsApp: competir ou aderir ao PIX?