No início de setembro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou com vetos a Medida Provisória 1.108/22, convertida na Lei 14.442/22. O texto, no entanto, não tem consenso nem entre empresas nem entre trabalhadores. Somente o segmento de startups parece ter saído satisfeito.
Entre as principais mudanças estabelecidas pela nova lei, que alteram a reforma trabalhista (lei 13.467/17) está a dispensa de controle das horas trabalhadas dos seus empregados pelas empresas.
Controle remoto
O texto estabelece que o trabalhador poderá definir seus horários, caso não seja necessário haver controle da jornada. A contratação por jornada prevê que poderá haver controle remoto, por meio de tecnologia e, assim, viabilizar o pagamento de horas extras caso ultrapassada a jornada regular.
No caso do contrato por produção, este também está isento do controle da jornada de trabalho. Para atividades em que o monitoramento não é essencial, o trabalhador terá liberdade para exercer suas tarefas na hora que desejar.
O conceito de teletrabalho também mudou. Se, na CLT, o trabalho remoto era aquele realizado de forma preponderantemente fora do estabelecimento do empregador, com a nova lei, é chamada de teletrabalho a prestação de serviços fora das dependências da empresa, mas que pode ser realizada de forma híbrida ou totalmente online. Porém, não pode ser caracterizada como trabalho externo e a prestação deve constar no contrato de trabalho.
Sai acordo coletivo, entra acordo individual
Um ponto que desagradou os sindicatos foi que o teletrabalho será negociado via acordo individual e não coletivo, por meio dos sindicatos.
Para Antonio Neto, presidente licenciado do Sindpd (Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e TI do Estado de São Paulo), a lei é inconstitucional no que tange a questão da negociação entre patrões e empregados. O sindicalista lembra ainda que a Constituição, no seu artigo 8°, diz que a negociação deve ser coletiva entre os entes sindicato patronal/empresa e sindicato dos trabalhadores. “Além de ser inconvencional por não respeitar as convenções internas da OIT”, complementa.
“O teletrabalho deveria ser acordado via negociação coletiva para dar mais atenção aos detalhes”, diz. Segundo Neto, a lei não esclarece cláusulas como reembolsos a serem feitos, quem deverá disponibilizar equipamentos de trabalho, o que acontece se houver acidente de trabalho. “E ainda veio a possibilidade de contrato por tarefa. Não funciona assim. E, com tanto desemprego, a pessoa assina qualquer coisa. Isso é um problema grave”, argumenta.
Se para Neto a negociação direta é inconstitucional, para a ABStartups é uma vantagem. “Nós acreditamos que no universo das startups, a negociação entre empregadores e empregados é benéfica para se alcançar resultados que possam beneficiar ambas as partes, de acordo com suas necessidades particulares”, diz Ludmila Volochen, head de políticas públicas da associação.
“Destacamos a flexibilização do local para a realização das atividades no regime de trabalho, além da possibilidade de negociação direta entre o empregador e o empregado e a extensão da previsão de trabalho remoto para estagiários e aprendizes”, continua. Segundo a executiva, a lei sancionada traz segurança jurídica às empresas que já contratavam profissionais pelo sistema de home office por conta da pandemia. “Ao mesmo tempo que não impede a contratação de estrangeiros ou brasileiros que já residam fora do território nacional”, completa.
Rosana Muknicka, sócia da área trabalhista/LGPD no escritório Peck Advogados, concorda que a celebração de acordos de negociação individual das regras do teletrabalho é um ponto polêmico e que vai causar discussões no judiciário trabalhista.
“Afinal, qual jornada de trabalho prevalecerá quando o empregado hipossuficiente celebrar um acordo individual de trabalho e houver norma coletiva dispondo sobre o mesmo tema? Dispõe o artigo 611-A da CLT que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre o pacto quanto à jornada de trabalho”, questiona Muknicka, que chama de “hipossuficiente” o trabalhador sem diploma de nível superior. Segundo a advogada, o acordo individual deveria existir entre empresas e trabalhadores “hiperssuficientes”, ou seja, “aquele portador de diploma de nível superior e que receba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, na forma do parágrafo único do artigo 444 da CLT.”
A Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais) também discorda das negociações individuais. O ponto de vista da associação é que deveria ser uma convenção coletiva e entre as partes, ou seja, segmentos. “Se quero condições diferentes, os setores vão negociar com os seus sindicatos. A lei atual infringe essa possibilidade”, argumenta Sérgio Sigobb, diretor de relações institucionais da associação.
Segundo Muknicka, a lei traz maior segurança jurídica com relação à adoção do trabalho remoto. Mas, em meio a tantas polêmicas, alerta para que, no fim, o melhor é manter adoção de políticas transparentes, estruturadas, com regras claras sobre o trabalho remoto, sem deixar margem para discussões posteriores pelo Poder Judiciário.
O não dito pela lei
Alguns pontos não foram abordados pela nova Lei do Teletrabalho. São questões referentes à higiene, saúde e medicina do trabalho. Há lacunas relativas a assuntos como insalubridade e periculosidade do ambiente de trabalho do empregado que realiza seu trabalho fora das dependências físicas do empregador. Outro ponto que a advogada especialista lembra – assim como Antonio Neto – é o pouco esclarecimento sobre o monitoramento pelo empregador quando os empregados usam equipamentos próprios.
Muknicka lembra o artigo 154-A do Código Penal, segundo o qual é passível de punição com detenção e até reclusão a invasão de dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.” Ou seja, inserir aplicação de monitoramento em dispositivo que não é do empregador está fora de questão.
Auxílio-alimentação não é dinheiro
Para Sergio Sgobbi, outro ponto da Lei Trabalhista polêmico é a portabilidade do auxílio-alimentação – que permaneceu na lei. De acordo com o executivo, portabilidade é um conceito que funcionou muito bem entre bancos e nas telecomunicações. No entanto, para os benefícios é incerto se vai funcionar. “Entenda, não somos contrários ao conceito. Mas isso não existe na questão do vale-alimentação. Supondo que eu tenha um vale no Tíquete, mas quero o da Caju. Quem deve fazer a portabilidade: as empresas ou as operadoras? De quem é a responsabilidade? Isso não está claro na lei. De todo modo, não temos sistema para isso”, afirma.
Há ainda outra questão em discussão sobre a portabilidade de benefícios. À boca miúda, Sgobbi tem ouvido em Brasília que o Banco Central será responsável por regular a portabilidade. No entanto, na visão da Brasscom, existe uma permutação entre coisas diferentes. “Vale-alimentação é alimento e não dinheiro. E só se pode gastar com alimento. O que estamos ouvindo nas nossas interlocuções é que o Banco Central vai regulamentar essa questão, o que não faz sentido”, acredita.