As eleições presidenciais de 2018 no Brasil foram marcadas por denúncias de envios massivos de mensagens pelo WhatsApp e pela viralização de notícias falsas através do app de mensageria. Desde então, o combate ao mau uso da plataforma virou prioridade da Justiça Eleitoral, que estabeleceu uma série de regras e promoveu ações de conscientização. Paralelamente, entrou em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e há um projeto de lei de criminalização de fake news em discussão no Congresso. É neste novo contexto que começam as campanhas para eleições de prefeitos em 2020. Mobile Time fez um levantamento nos sites dos candidatos às prefeituras do Rio de Janeiro e São Paulo e constatou que menos da metade apresentam o WhatsApp como um canal oficial de suas campanhas. E uma minoria está efetivamente utilizando-o para a mobilização de seus militantes.
Na capital fluminense, seis dos 14 candidatos divulgam o WhatsApp em seus sites: Benedita da Silva (PT), Eduardo Bandeira de Mello (Rede), Eduardo Paes (DEM), Fred Luz (Novo), Martha Rocha (PDT) e Renata Souza (PSOL). A candidata Clarissa Garotinho (PROS) informa em seu site que terá o WhatsApp em breve, mas até o fechamento desta edição não estava disponível. Em São Paulo, são seis de 14: Andrea Matarazzo (PSD), Filipe Sabará (Novo), Guilherme Boulos (PSOL), Marina Helou (Rede), Orlando Silva (PCdoB) e Vera Lucia (PSTU).
O opt-in para a comunicação com os eleitores é obtido pelo site ou redes sociais dos candidatos, seja com formulários ou com links diretos para uma conversa dentro do WhatsApp, na qual um bot ou um assessor de campanha completa o processo de cadastro. Este é um passo muito importante, exigido tanto pela Justiça Eleitoral quanto pela LGPD: os candidatos só podem enviar mensagens para eleitores que tiverem concedido expressamente essa autorização (veja no pé desta matéria como os sites de alguns candidatos apresentam a comunicação pelo WhatsApp).
Mobilização da militância
São poucas as campanhas que já começaram efetivamente a utilizar o WhatsApp para a distribuição de conteúdo e para mobilização de apoiadores que solicitaram através de seus sites. Mobile Time se inscreveu no WhatsApp de todos os candidatos do Rio que disponibilizam o canal. As únicas campanhas que estão fazendo uma organização automatizada dos voluntários que chegam pelo WhatsApp até agora são as de Benedita da Silva, Martha Rocha e Renata Souza. Nas campanhas de Fred Luz e de Bandeira de Mello é preciso conversar com um assessor. No WhatsApp de Eduardo Paes, candidato que lidera as pesquisas, não houve qualquer resposta à mensagem enviada pela redação no número oficial da campanha.
Através dos grupos de WhatsApp, os candidatos enviam fotos, vídeos e áudios oficiais da campanha; divulgam propostas; convocam para ações, como panfletagem; e informam sobre a agenda dos postulantes à prefeitura.
Mas há diferenças marcantes de estratégia de uso do WhatsApp entre os candidatos. Na campanha de Benedita, os apoiadores são incluídos em um grupo do WhatsApp onde apenas os administradores podem publicar. Embora isso confira segurança e controle sobre o conteúdo publicado, por outro lado inibe a troca de ideias com os voluntários. Nas campanhas de Martha e Renata, por sua vez, os voluntários são distribuídos em grupos de WhatsApp por região da cidade e podem escrever livremente dentro deles.
“Apostamos em grupos ‘vivos’, em que as pessoas conversam e debatem as propostas”, diz Kenzo Soares, coordenador de comunicação direta da campanha da Renata Souza. Ele relata que algumas propostas que sugiram dentro de grupos do WhatsApp foram incorporadas no programa de governo de Renata. A candidata do PSOL no Rio conseguiu quase 4 mil adesões ao WhatsApp em menos de três semanas de campanha, distribuídos hoje em 43 grupos. Pelos testes conduzidos por Mobile Time, é a campanha mais engajada no WhatsApp no Rio até o momento – leia mais sobre o assunto nesta outra matéria.
Fake news
O WhatsApp também serve como um canal para que simpatizantes denunciem o recebimento de notícias falsas sobre seus candidatos. O site de Eduardo Paes, por exemplo, estimula que seus apoiadores alertem pelo WhatsApp caso se deparem com alguma mentira sendo espalhada sobre ele.
Olhar acadêmico
Para o cientista político e professor da PUC-Rio Antonio Alkmim, as campanhas para as eleições de 2020 serão feitas basicamente nas mídias sociais, em especial o WhatsApp. “Nessa eleição vamos conviver ainda com o império das fake news”, afirmou em entrevista para Mobile Time. Ele identifica três aspectos particulares para que elas sejam internalizadas nas mídias sociais: a pandemia, o tempo curto de campanha e o formato da propaganda gratuita, que soma apenas 10 minutos nas televisões.
“A pandemia vai sepultar os comícios”, afirmou Alkmim. “E as campanhas mais curtas vão jogar as eleições para uma guerra virtual”, completou o cientista político. Com relação à TV, as inserções dos candidatos espalhados num total de apenas 10 minutos não ajudam para o debate político. “Não dá para passar conteúdo programático, não dá para fazer debate político. E isso é terrível”, resume.
Neste cenário, Alkmim explica que o debate acabou migrando para as redes sociais. “O uso criativo das redes sociais também é o que nos resta para politizar essa campanha. Desnudar as fake news, por exemplo. Tudo é aprendizado numa democracia. A nossa esperança é que haja uma politização de conteúdo, de debate nas redes sociais, onde ainda é possível.
A professora de Ciências Sociais da PUC-Rio Ana Paula Conde destaca também o fato de o celular ser o principal suporte para o acesso à informação da população brasileira em especial usando o WhatsApp como meio, já que em muitos casos as operadoras não descontam do pacote de dados o uso do app de mensageria (o zero-rating). “Com a situação da Covid-19, esta campanha vai ser dar basicamente no mundo digital. E entendo que há uma maior propensão do uso do WhatsApp”, resumiu.
Para a cientista política não haverá mudanças entre essas eleições para a de 2018. Conde explica que há intenções de se coibir a prática da disseminação de fake news e desinformação, mas ela acredita que a justiça deve seguir o dinheiro e fechar a torneira. Até lá, as pessoas vão continuar espalhando notícias falsas.
“As agências de checagem são importantes, dão visibilidade à causa, mas é um mercado poderoso com muitos recursos financeiros. Estaremos sempre enxugando gelo. É preciso ir na fonte, ter um aparato tecnológico para saber onde estão vindo os impulsionamentos dessas mensagens, tentando coibir quando a coisa está em andamento”.
Análise
O WhatsApp é a plataforma de comunicação mais popular do País, instalada em 99% dos smartphones nacionais, segundo a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box, o que a torna extremamente atraente para campanhas eleitorais. É, portanto, tentadora a sua utilização em campanhas políticas, mas é preciso tomar muito cuidado para evitar seu mau uso.
Uma das maiores dificuldades para a Justiça eleitoral no combate às irregularidades no uso do WhatsApp será identificar seus autores. Um conteúdo mentiroso apócrifo pode se espalhar rapidamente, sendo difícil ou quase impossível rastrear sua origem. No caso de envio de spam em massa pelo WhatsApp, os responsáveis costumam se esconder por trás de números falsos e provedores internacionais de soluções piratas (ou seja, não homologadas pelo WhatsApp).
Um desafio para as candidaturas sérias será evitar falsas acusações. O que fazer se um conteúdo mentiroso for publicado por uma pessoa infiltrada em um grupo oficial da campanha no WhatsApp? Ou mesmo por um voluntário mal orientado? É preciso haver regras claras de gestão desses grupos, com moderadores atentos, e também um time jurídico pronto para não apenas denunciar abusos dos adversários, mas se defender contra denúncias equivocadas.
Veja abaixo algumas imagens dos sites das campanhas onde são feitos cadastros de apoiadores no WhatsApp: