Apesar de ser um documento importante para incentivar o setor, o texto do Marco Legal das Startups pode abrir precedentes perigosos, precarizando as relações trabalhistas em nome de uma possível geração de empregos. É o que argumentam deputados de oposição sobre a matéria aprovada pela Câmara na segunda-feira, 14. O texto segue agora para o Senado.

O PL 146/19 aprovado na forma de um texto substitutivo do relator, deputado Vinícius Poit (Novo/SP), contou com diversos cortes e emendas de parlamentares. A questão trabalhista foi uma das mais polêmicas. O projeto prevê a possibilidade de remuneração de funcionários de startups por participação nos lucros da empresa, as chamadas stock options. Segundo Poit, esse esquema seria interessante não apenas ao empreendedor como também ao empregado. “O trabalhador, com stock options, vai ter a opção de também ser sócio da empresa e ganhar com o crescimento da economia”, defendeu.

O deputado Paulão (PT/AL) foi autor de uma das emendas que visava justamente impedir esta compra de ações pelos trabalhadores das startups como complementação de salário e para fins de contribuição previdenciária. “Estão criando uma modalidade temerária. Querem criar uma tradição de compra de ações que não faz parte do cotidiano da classe trabalhadora, e pior, para servir de complementação de salário e para fins de contribuição social, retirando direitos e renda do trabalhador”, afirmou.

A deputada Erika Kokay (PT/DF) também demonstrou preocupação com esta modalidade de pagamento. “A forma como o relatório ficou estabelecido, ainda que o texto tenha melhorado com as emendas, abre um precedente para que esta relação trabalhista se estenda para outras empresas, além das startups. O funcionário compra ações da empresa como se fosse proprietário, mas não é. Isso é uma forma de escamotear direitos. No limite, uma fraude”, disse Kokay, ao Mobile Time.

Sâmia Bonfim (Psol/SP) levantou a possibilidade de os trabalhadores terem como única fonte de renda as stock options, algo que pode não ser rentável caso a startup não vingue. “A matéria cria outra categoria: os chamados ‘colaboradores’, que não seriam contemplados pela CLT, e que teriam como única fonte de renda as stock options. O problema é que, no contexto de crise que vivemos, não é garantido que as startups tenham margem de lucro para ser repassado aos seus colaboradores, então não é justo que as pessoas trabalhem o ano inteiro sem saber se terão seus pagamentos”, ponderou a deputada.

Stock options seriam benefícios

Especialistas do mercado de startups reagiram mal às críticas dos deputados da oposição. Eles defendem que as stock options são benefícios, que servem como atrativos que as empresas oferecem para chamar a atenção de mão de obra qualificada, sem fazer parte do salário-base. “Ninguém vive nem se alimenta de stock options. Elas são apenas parte da remuneração, um bônus. Nunca foram ilegais, apenas foram formalizadas agora”, explica Rafael Pellon, sócio do Pellon de Lima Advogados, especialista no mercado de tecnologia e startups. Rodolfo Fücher, presidente da ABES (Associação Brasileira de Empresas de Software), lembrou que o mercado de tecnologia é muito competitivo e oferece altos salários, que nem sempre são possíveis para um negócio que está começando. “Para trazer um profissional qualificado, ele tem que estar motivado. E como segurar este profissional dentro de uma startup? Com promessas. E stock options são as melhores opções”, argumenta.

Depois de muita controvérsia, o texto final do PL encaminhado ao Senado acabou não agradando plenamente a nenhum dos lados. Ficou definido que as stock options devem ser consideradas dentro do pacote de remuneração do funcionário – e que, portanto, o empregador deve recolher os encargos trabalhistas. “Estes encargos são pesados e oneram ainda mais as startups. As stock options são a única atração que a startup tem para atrair gente boa trabalhando. Consideramos esta parte uma verdadeira involução”, considerou Felipe Mattos, diretor do Grupo Dínamo, organização de lideranças do sistemas de inovação e tecnologia. E finalizou: “Aprovamos neste momento não o geral e sim o Marco Legal Possível”.

 

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