|Mobile Time Latinoamérica| Há mais de uma década, a América Latina conta com regulamentação para a criação de operadoras móveis virtuais (MVNOs) em alguns países, como Brasil, Chile e Colômbia. Esse mercado passou muito tempo relativamente estagnado, a despeito de algumas iniciativas honrosas em meio a muitos fracassos, mas agora parece que vai finalmente decolar. E o principal fator que pode impulsioná-lo é, paradoxalmente, a concentração do mercado de telecom.

Atualmente há mais de 200 MVNOs em atividade na América Latina, somando cerca de 30 milhões de linhas em serviço. Três países concentram a maior parte disso: México, Colômbia e Brasil. O Chile, um dos pioneiros na regulamentação de MVNOs na região, também tem exemplos exitosos, embora em menor quantidade. Argentina e Peru ainda engatinham no assunto, mas sonham em seguir os passos dos vizinhos.

O avanço recente decorre de pelo menos três fatores, presentes em maior ou menor grau nos mercados de maior sucesso: 1) fomento por parte de governos e órgãos reguladores; 2) reação à consolidação do mercado de MNOs; e 3) presença de habilitadores de MVNOs, os chamados MVNEs. Varejistas, ISPs, fintechs e provedores de soluções em IoT são alguns dos setores que mais têm se interessado em atuar como MVNOs na América Latina.

O México é o mercado mais bem-sucedido na região, pelo menos quando se avalia a proporção das operadoras móveis virtuais sobre a base total de assinantes móveis. De acordo com dados do Instituto Federal de Telecomunicações (IFT), órgão regulador mexicano, a participação das MVNOs saltou de 0,8% em 2015 para 11,9% em 2024, o percentual mais alto na América Latina. Em números absolutos, isso significa mais de 15 milhões de assinantes de MVNOs, também a maior base na região.

Na Colômbia, em junho do ano passado, a base de MVNOs era de 5,7 milhões de linhas, o que representava um crescimento de 14% em 12 meses, respondendo por 6% da base móvel total do país.

No Brasil, embora a participação das MVNOs seja menor, chama a atenção o número de players e o crescimento recente. As MVNOs passaram de 0,25% dos acessos móveis em 2019 para 2,8% ao fim de 2024, com cerca de 7 milhões de linhas em serviço distribuídas entre aproximadamente 150 operadoras móveis virtuais.

O Estado como indutor

As operadoras de redes celulares na América Latina estão passando por um processo de consolidação, vide a venda da brasileira Oi, dividida entre seus três maiores concorrentes (Claro, TIM e Vivo), e a alienação dos ativos da Telefónica na América hispânica, com aquisição de suas subsidiárias na Argentina pela Telecom Personal e na Colômbia pela Tigo.

Em um cenário de crescente concentração das operadoras tradicionais, as MVNOs são vistas como um remédio contra a diminuição da competição, seja por meio de estruturas mais enxutas, o que lhes garante menores custos, seja por meio de serviços de valor agregado ou atendimento de maior qualidade.

Uma semelhança entre México e Brasil é a atuação mais incisiva do Estado em favor das MVNOs, como uma forma de contrabalançar a concentração do mercado em poucas redes celulares. No México, aonde a líder Telcel detém mais da metade dos assinantes móveis, foi fundamental a criação de uma rede neutra 4G, chamada Altán Redes, controlada pelo governo, que atua como uma operadora atacadista, vendendo capacidade na faixa de 700 MHz para qualquer operadora, incluindo as virtuais, de forma isonômica.

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Ernesto Piedras, diretor geral da consultoria The Competitive Intelligence Unit (Crédito: reprodução LinkedIn)

“Para um país como o México, as MVNOs ajudaram muito a aumentar a competição. Sofremos por cerca de 30 anos com tarifas muito elevadas da Telcel. A competição chegou após a reforma da Lei Federal de Telecomunicações e Radiodifusão, em 2014. De lá para cá, surgiram muitas operadoras móveis virtuais no México. A primeira foi a Virgin, em 2015. E várias delas são muito pequenas, de nichos muito específicos”, relembra Ernesto Piedras, diretor geral da consultoria The Competitive Intelligence Unit.

No Brasil, a Anatel exigiu que Claro, TIM e Vivo publicassem ofertas públicas de referência de atacado (ORPAs) para operadoras móveis virtuais após a compra da Oi. Embora ainda haja críticas por parte da Associação Brasileira de Operadoras Móveis Virtuais (Abratual) sobre a metodologia das teles no cálculo do preço nas ORPAs, é perceptível uma abertura maior das teles nos últimos anos para projetos nesse segmento. O próximo passo aguardado é a inclusão das ORPAs no novo Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), que está sendo elaborado pela agência.

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José Borges, superintendente de competição da Anatel (Crédito: divulgação)

“A nossa regulação é flexível suficiente para ajustarmos conforme a necessidade. Do ponto de vista concorrencial, estipulamos esse remédio (ORPAs) para estimular o mercado de MVNO e vamos mantê-lo no novo ciclo do PGMC. E caso seja necessário vamos ajustar as assimetrias para estimular ou tentar facilitar a entrada de novos agentes e reduzir barreiras de entrada. Inclusive podemos ajustar o aspecto comercial e entrar mais na regulação de preço. Mas isso tudo são possibilidades. A cada ciclo do PGMC podemos fazer isso. É um debate grande”, comenta José Borges, superintendente de competição da Anatel.

Na Argentina, a venda da Movistar e a consequente concentração do mercado em apenas dois players (Claro e Telecom Personal) é vista como uma oportunidade similar àquela da venda da Oi no Brasil para se fomentar MVNOs.

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Enrique Carrier, analista de telecomunicações na Argentina (Crédito: divulgação)

“Não será possível pôr em jogo o espectro para uma terceira operadora porque ninguém vai querer entrar em um mercado já maduro, com penetração acima de 100%, considerando que é preciso investir em rede em um país com a extensão territorial da Argentina. Mas  me parece que entre os remédios poderia haver alguma flexibilização ou habilitação para o uso da infraestrutura existente, porque o espectro sozinho não vale nada”, sugere Enrique Carrier, analista de telecomunicações na Argentina.

MVNOs: variedade e estratégia de diferenciação

A origem variada dos atores que experimentam atuar como MVNOs é uma característica do mercado na América Latina . Há desde comunidades indígenas com sua própria operadora, como a mexicana Wiki Katat, até grandes redes varejistas, como o grupo de supermercados colombiano Éxito. Ainda sobre diversidade de atores, vale destacar os Correios do Brasil, com a Correios Celular; a Uber no Brasil, como MVNO para seus motoristas; a argentina Imowi, de cooperativas de telecomunicações; a brasileira tá telecom, uma MVNO para dezenas de ISPs de pequeno e médio porte; as fintechs brasileiras Nubank e Inter, com Nucel e Inter Cel; e até mesmo uma MVNO de MNO: a Tuenti, da Movistar na Argentina. Isso sem falar na Virgin, um raro caso de MVNO estrangeira que conseguiu construir uma marca em alguns mercados da América Latina, como Chile e México, apostando na facilidade de uso.

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Mauro Motoryn, diretor de Desenvolvimento da Surf. (Crédito: divulgação)

“As grandes operadoras ficam se digladiando por 0,3% de mercado e investindo milhões em publicidade. Mas o cliente já está com grandes marcas (de outros setores), para as quais o caminho se torna muito mais curto”, resume Mauro Motoryn, diretor de desenvolvimento de negócios da brasileira Surf Telecom.

Pelo menos dois setores podem ser apontados entre os principais ou mais bem-sucedidos em MVNOs na região. O primeiro é o de redes varejistas. Esses players aproveitam o fato de já terem uma marca conhecida e vários pontos de contato com o consumidor para levar telefonia móvel como um serviço de valor agregado, ou como meio de fidelização. O caso mais emblemático é o da Walmart no México, cuja MVNO BAIT tem mais de 10 milhões de assinantes, a maior operadora móvel virtual da América Latina. Na Colômbia, são exemplos bem-sucedidos os da rede de supermercados Éxito (com cerca de 2 milhões de assinantes) e da rede de eletroeletrônicos Kalley. No Brasil, a rede de farmácias Paguemenos dá gigabytes na compra de remédios, e a varejista Magazine Luiza aproveita sua força na venda de handsets para comercializar também os planos da sua MVNO.

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Iván Montenegro, country manager da Suma Móvil, na Colômbia (Crédito: divulgação)

“É preciso identificar uma necessidade específica, de um segmento de mercado que não seja naturalmente atendido por uma grande operadora, ou encontrar sinergias que uma grande operadora não tenha. Por exemplo, a Kalley como varejista tem uma série de sinergias derivadas de sua atividade comercial que podem ser oferecidas junto com telefonia, como uma oferta de crédito”, comenta Iván Montenegro, country manager da Suma Móvil, na Colômbia.

O segundo setor a apostar em MVNOs é o de prestadores de outros serviços de telecomunicações, como banda larga ou TV por assinatura, que acrescentam a telefonia móvel para complementar seu pacote de triple ou quad play. Entre os casos mais conhecidos estão a VTR Móvil, no Chile, e a tá telecom, no Brasil. Mas há diversas outras iniciativas de ISPs com MVNOs na região.

“Os ISPs têm a seu favor a proximidade com o usuário final. Nas grandes operadoras, há um distanciamento para com o cliente final, que é sentida quando ele precisa fazer uma reclamação ou tirar uma dúvida. No caso dos ISPs, o consumidor está acostumado a comprar a Internet com eles e sabem aonde fica seu ponto de presença em seu vilarejo ou cidade”, compara Montenegro, da Suma Móvil.

No Brasil, outros dois setores começam a despontar como possíveis protagonistas no segmento de MVNOs: bancos/fintechs e IoT. Duas fintechs de grande porte no país já contam com telefonia móvel. A primeira a lançar foi o banco Inter. O segundo, anunciado no ano passado, foi o Nubank, com a Nucel. Nos dois casos, o objetivo parece ser mais de fidelização do que propriamente uma nova fonte relevante de receita.

Em IoT, chama a atenção no Brasil o surgimento de várias MVNOs focadas em soluções de Internet das Coisas para o mercado corporativo. Arqia/Datora, Emnify, Links Field e NLT são alguns exemplos. Elas procuram levar conectividade principalmente para soluções de pagamentos (máquinas de POS) e rastreamento de veículos, assim com outras aplicações de telemetria em geral, no campo e nas fábricas. Essas MVNOs aproveitam a falta de equipes especializadas dentro das grandes operadoras para oferecer maior flexibilidade nos contratos e qualidade no atendimento no segmento de IoT.

Os habilitadores de MVNOs

Uma semelhança entre os mercados mais avançados em MVNOs na América Latina é a presença dos agregadores ou habilitadores de operadoras móveis virtuais, conhecidos como MVNAs ou MVNEs, nas siglas em inglês. São empresas que viabilizam e facilitam que marcas de fora do setor de telecomunicações lancem suas MVNOs, servindo como ponte com as operadoras tradicionais. Muitas vezes essas empresas contam elas mesmas com uma licença de MVNO e contratos para uso de capacidade de uma ou mais redes celulares no mesmo país. Além disso, fornecem plataformas para o gerenciamento do serviço móvel por terceiros.

Esses habilitadores cumprem um papel importante no avanço das operadoras móveis virtuais na região, tendo conectadas às suas plataformas dezenas de marcas, incluindo alguns dos casos mais emblemáticos. Sua atuação costuma seguir o modelo white label, como explica Montenegro, da Suma Móvil, que está presente no Chile, na Colômbia e no Peru: “Atuamos nesse ecossistema mas você nunca verá uma linha nossa na rua, mas sim de marcas de terceiros para as quais nós prestamos toda a intermediação tecnológica, com nossa plataforma, que já está conectada a uma rede móvel, como Tigo e Movistar”.

No Brasil, há vários deles em atividade, como Arqia/Datora, Surf Telecom e Telecall. No México e no Peru, servem de exemplo a Addinteli e a Guinea Mobile, respectivamente.

A relação entre MNOs e MVNOs

Um dos pontos mais complexos e controversos na operação de uma MVNO é a sua relação com a operadora tradicional (MNO, em inglês) que lhe vende o acesso a uma rede móvel. A MVNO precisa de um acordo comercial para se conectar à rede móvel que tenha preços no atacado que viabilizem economicamente o seu negócio. O sucesso dessa relação depende de como a MNO enxerga as MVNOs: se como aliadas, que trazem tráfego para sua rede, ou como concorrentes, que roubam seus assinantes. Depende também, como já dito antes, da atuação dos órgãos reguladores. Nos países onde a regulação prevê a figura da MVNO, prevalece a livre negociação de preços, mas há esforços para se evitar abusos, sendo passível de intervenção nos casos em que as duas partes não chegam a um acordo.

“É uma situação um pouco complexa. O ideal seria que fosse um relacionamento ganha-ganha. A MNO ganha ao trazer mais pessoas e encher a sua rede, e a MVNO começa sua operação sem precisar investir em rede. Mas a gente sabe que não é bem assim e acaba gerando uma relação de dependência da MVNO para com a MNO. E uma hora a MVNO acaba competindo com a MNO e aí começam alguns bloqueios, estrangulamentos e se torna uma relação mais conflituosa”, comenta Borges, da Anatel. “No início são todos muito amiguinhos. Mas quando vão repactuar o contrato pedem ajuda da Anatel. Já vimos de tudo. Há situações que parecem quase uma Síndrome de Estocolmo. Falam que foram sequestrados, que estão sendo pressionados. E a gente responde: então entra com uma reclamação administrativa. Mas aí não querem porque prejudicaria seu bom relacionamento (com a MNO)”, complementa o superintendente da Anatel

Abratual; MVNOs

Olinto Santanna, presidente da Abratual. Crédito: divulgação

No Peru, a baixa participação das MVNOs no mercado é atribuída aos altos preços no atacado, aponta Maurício Guerra, especialista em telecomunicações: “As tarifas no atacado são muito altas. Isso impede a competição com as grandes operadoras”.

No Brasil, o presidente da Abratual, Olinto Sant’Ana, também critica os preços praticados no atacado: “O preço no atacado tem que ser menor do que o do varejo que a operadora pratica. Como uma tele pode dizer que a receita é 10 se ela vendeu por 1? A maneira de calcular a receita está errada e precisa ser revisada”.

MVNO do futuro será MVNX

A maioria das fontes ouvidas por Mobile Time Latinoamérica nesta reportagem demonstram otimismo em relação ao futuro das MVNOs na região, com base nos fatores descritos que vêm impulsionando o segmento. Tanto Surf quanto Suma Móvil, por exemplo, projetam crescimento em 2025.

Sant’Ana, da Abratual, contudo, demonstra ceticismo. Ele entende que há um hype em torno do assunto no momento. “Vejo que há uma espécie de hype, uma ampliação do interesse, mas o mercado carece de condições essenciais para que seja bem-sucedido e cumpra seu papel fundamental de trazer competição e benefício ao usuário”, avalia o presidente da Abratual. No seu entender: “o mercado de MVNOs sobrevive a duras penas graças à resiliência de alguns players”.

Por sua vez, Borges, da Anatel, prevê que no futuro surgirão operadoras virtuais de aplicações, que ele chama de MVNX, no lugar das MVNOs. “Não será somente uma prestadora de serviço de telecom tradicional, mas uma grande plataforma que vai disponibilizar também aplicações e diversas soluções. Isso vai acontecer à medida que o 5G for massificado”, projeta o superintendente da agência reguladora brasileira.

Se mais órgãos reguladores latino-americanos fomentarem MVNOs como uma reação à concentração das MNOs e se surgirem mais MVNEs ou se as atuais se expandirem por outros países do continente, a tendência é de que o mercado de operadoras móveis virtuais siga crescendo e ganhando participação cada vez mais relevante na América Latina. Aparentemente, quanto mais as MNOs se consolidam, mais as MVNOs se transformam em um remédio para garantir algum nível de competição no mercado. Mas, para que isso aconteça, dependem, sem dúvida, do apoio dos órgãos reguladores.

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Arte: Mobile Time

Fórum de Operadoras Inovadoras

A chegada de novas MVNOs será tema de painel de debate no 8º Fórum de Operadoras Inovadoras, nesta terça-feira, 18, em São Paulo. Participarão do painel: André Ribeiro, CEO da Hello; Marco Sandro Oricchio, fundador e CEO da Supernova; Marcela Zonis, diretora de Marketplace do Inter; e  Rudinei Gerhart, CEO da tá telecom. O evento é organizado por Mobile Time e Teletime. A agenda atualizada e mais informações estão disponíveis em www.operadorasinovadoras.com.br

A ilustração no alto foi produzida por Mobile Time com IA

 

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