O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) apresentou nesta terça-feira, 18, uma nota técnica que visa contribuir para os debates em curso sobre a responsabilidade de plataformas digitais acerca do conteúdo gerado pelos usuários, no âmbito do Marco Civil da Internet (MCI). O objetivo é propor tipologias que classifiquem os provedores a partir do poder de interferência deles nesse conteúdo, pois, na visão da entidade, essa característica gera um critério para definir remédios jurídicos proporcionais.

“Precisamos olhar o ecossistema a partir da sua complexidade. Os remédios jurídicos que vão ser impostos aos provedores de aplicação não podem ser iguais para todos eles”, explicou Renata Mielli, coordenadora do CGI.br, durante sua exposição em seminário promovido pela entidade nesta manhã, em Brasília.

A análise se dá a partir da falta de distinção dos agentes que atuam na oferta de serviços digitais abarcados pelo MCI. O artigo 19, que está em discussão no STF, prevê que “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente”.

Já como “aplicações de internet” a lei considera “o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet”, o que é um conceito amplo.

A proposta do CGI.br

O CGI.br, então, propõe três tipologias para “provedores de aplicação”, a partir do alcance da “interferência sobre a circulação de conteúdo de terceiros”. São eles:

  • “Sem interferência”: Aqueles que “atuam na internet como simples meio de transporte e armazenamento”, como provedores que oferecem funcionalidade de certificação, hospedagem de sites, e-mail e mensagens de texto.
  • Baixa interferência”: Do tipo em que há interferência, mas “sem o emprego de recomendações baseadas em perfilização e com reduzida capacidade de geração de riscos”. Como exemplos, cita provedores com funcionalidade de curadoria de conteúdos para registro histórico, de participação social pública, edição de artigos e verbetes.
  • “Alta interferência”: Provedores que “organizam e distribuem os conteúdos por meio do emprego de técnicas de coleta e tratamento de dados para perfilização, difusão em massa, recomendação algorítmica, publicidade direcionada, dentre outras”, a exemplo de plataformas com funcionalidades de sistemas de impulsionamento e veiculação de anúncios ou conteúdos direcionados.

A recomendação direcionada principalmente ao STF é de manter a constitucionalidade do artigo 19 para os provedores que não interferem ou possuem baixa interferência sobre os conteúdos dos seus usuários e “revisitar o regime de responsabilidade para os provedores que têm alta interferência”.

A visão é de que os provedores de alta interferência “trazem uma série de riscos para a sociedade brasileira, a democracia, a integridade da informação e a saúde pública”.

A nota técnica do CGI.br não entra no mérito sobre qual seria o tipo de responsabilização adequada – o que no contexto jurídico pode ser subjetiva, objetiva, solidária ou subsidiária. Ao invés de uma recomendação para esse ponto, a entidade joga a questão para a reflexão dos tomadores de decisão. “Nós precisamos aprofundar essa discussão. Qual tipo de responsabilidade é o mais adequado? Porque mesmo quando olhamos os provedores de alta interferência, nós também temos um ecossistema bastante diferenciado pelo tipo de serviço que é ofertado”, afirma a coordenadora.

“Essa discussão precisa ser feita com bastante cautela para que a gente enfrente os problemas, garanta soberania nacional, garanta que a sociedade brasileira possa estar vivendo em um ambiente digital menos tóxico, com mais segurança informacional, […], mas sem fazer com que esse remédio – que precisa e deve ser estabelecido – extrapole a sua dosagem e se transforme num veneno que posteriormente possa trazer, inclusive, mais riscos para a liberdade de expressão e para a democracia, criando um ambiente de vigilantismo que pode não ser desejável”, concluiu Nielli.

O MCI e os diferentes provedores

O debate sobre a constitucionalidade do artigo 19 do MCI aguarda a continuidade do julgamento a partir de três diferentes teses abertas no final do ano passado pelos ministros relatores, Dias Toffoli e Luiz Fux, e o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, nenhuma delas com ligação direta à interferência sobre o conteúdo, como propõe o CGI.br.

Toffoli listou os diferentes tipos de provedores ao longo do relatório, observando o tipo de serviço digital. O ministro entende que o artigo 19 é inconstitucional, que redes sociais devem ser responsabilizadas de forma objetiva e independente de notificação em algumas hipóteses, como quando o conteúdo está em um anúncio, quando se tratar de perfil falso ou postagens criminosas (racistas, com violação ao Estado Democrático de Direito ou que induzam a violência). 

Por outro lado, Toffoli propõe diferentes impactos, por exemplo, a marketplaces e sites jornalísticos. Para ele, as plataformas de vendas devem responder de forma objetiva e solidária no caso de produtos proibidos ou sem homologação. Já os veículos de imprensa devem estar submetidos à lei já existente, que dispõe sobre o direito de resposta. 

Fux também entende que o artigo 19 é inconstitucional e que deve haver um monitoramento ativo para impedir conteúdo criminoso como racismo, incitação à violência e apologia ao golpe de Estado, mas diverge de Toffoli sobre responsabilizar as plataformas independentemente de notificação, propondo exceções. Para ele, o conteúdo será presumidamente ilícito nos casos de postagens impulsionadas, mas nas hipóteses de ofensa à honra e à privacidade, por exemplo, deve haver notificação das pessoas afetadas. 

Barroso, por sua vez, vê o artigo 19 como “parcialmente inconstitucional”. O presidente do STF propôs que a remoção de conteúdo em casos de ofensas e crimes contra a honra devem permanecer sob decisão judicial.

A suspensão do julgamento se deu por pedido de vista do ministro André Mendonça. A retomada dependerá do ritmo de formulação do voto-vista e, posteriormente, do agendamento por Barroso.

Imagem principal: Coordenadora do CGI.Br, Renata Mielli, durante seminário. Crédito: NIC.br/Reprodução

 

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