|Atualização em 19 de julho às 7h33 com correção na participação de São Paulo sobre o total de estelionatos| O número de casos de estelionato eletrônico cresceu 13% em 2023, em relação ao ano anterior, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Ainda de acordo com o estudo, o Brasil registrou 235,3 mil casos no último período, e os celulares são apontados como a principal porta de entrada para esse crime.

O estelionato, seja online ou presencial, teve um aumento de 8%, totalizando 1,97 milhão de casos em 2023 no Brasil. O estado de São Paulo é o maior responsável pelo seu crescimento, respondendo por 38% do total. No entanto, a versão online não teve números disponibilizados pela Secretaria de Segurança paulistana. O mesmo se aplica aos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, além do Distrito Federal. Em contrapartida, o Rio Grande do Sul tipificou o crime em 27 de julho de 2023 e passou a contabilizá-lo. Com este cenário, Santa Catarina é o estado com o maior número registros, mais de 64 mil, enquanto a maior taxa de crescimento foi na Paraíba, com salto de aproximadamente 153,7%.

Estelionato eletrônico é tendência

Ao redor do globo, o cenário indica que este tipo de crime deve crescer, especialmente em países onde os aparelhos celulares se popularizaram. De acordo com pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Brasil somava em maio 258 milhões de celulares em uso, o que corresponde a 2,8% do mundo.

A edição anterior do anuário, divulgada em 2023, já alertava que o boom tecnológico provocado pelo isolamento social durante a pandemia de covid-19 desencadearia um aumento de crimes cibernéticos, inclusive, o estelionato. Essa prática criminal cresceu com os furtos de aparelhos celular, enquanto outros tipos de roubo diminuíram. Parte do aumento pode ser explicado pela tipificação desse crime em 2021 no Código Penal Brasileiro. Até então, o estelionato por meio eletrônico era contabilizado com os outros delitos do gênero.

Ainda assim, chama a atenção o fato de que, entre 2022 a 2023, o crime tenha apresentado um salto de 13,6%, na contramão de roubos a bancos e outras instituição financeiras, que caíram cerca de 30%, e os de estabelecimentos comerciais, que diminuíram 18,8%. Até mesmo os roubos de celular sofreram queda de 10,1%.

“As tecnologias digitais servem de escudo para o criminoso que pode atuar deixando menos vestígios e com chances ínfimas de confronto com a polícia. Além disso, elas permitem que os criminosos virtuais realizem os golpes em um volume muito maior, pois a partir de uma base de dados de telefones, por exemplo, podem criar robôs para enviar mensagens que busquem ludibriar literalmente milhões de vítimas em potencial”, avalia o FBSP. O fórum ainda destaca que a impunidade e o analfabetismo digital facilitam a ação de pessoas mal intencionadas.

Crimes sem solução

O anuário deixa claro que é necessário que a segurança pública acompanhe o movimento tecnológico. “Se o Brasil quer que sua população não tenha na violência uma de suas principais preocupações, é preciso investir em estratégias que aumentem a efetividade das políticas de segurança pública voltadas ao enfrentamento dos crimes patrimoniais”, alertam Samira Bueno, Renato Sérgio de Lima e Isabela Sobral, respectivamente, diretora executiva, diretor presidente e supervisora do núcleo de dados do FBSP.

O estelionato por meio eletrônico é uma fonte de recursos para o crime organizado e isso não se restringe apenas ao Brasil. No México, o Cartel de Jalisco Nova Geração tinha uma estrutura de telemarketing para aplicar golpes nos Estados Unidos, segundo reportagem do The New York Times. Por aqui, a situação se agrava com falta de cooperação entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e as Polícias Civis, revelada em estudo feito pelo FBSP e o Grupo Esfera. Em 2023, o Coaf atendeu em torno de 64% das solicitações feitas pela polícias dos 27 estados brasileiros, produzindo 7.055 relatórios de informação financeira (RIFs). Isso representa pouco mais de 47% do total de RIFs emitidas no período.

Os números indicam também a possibilidade de que poucas investigações da área tributária e fazendária estão em curso nas polícias civis. Por conta disso, o Coaf teria atendido aproximadamente 30% de solicitações a mais da Polícia Federal (PF), que é mais atuante nesses setores. No entanto, Bueno, Lima e Rafael Alcadipani, membro do FBSP, enfatizam que há iniciativas nas polícias civis para melhorar, mas são insuficientes diante dos gargalos na preparação para investigar crimes patrimoniais.

Para os especialistas, “a redução das burocracias da atividade investigativa e a total reformulação da formação dos policiais civis é urgente. Muitas academias de polícia hoje no Brasil estão completamente desatualizadas tanto na forma de ensinar quanto no conteúdo do que é ensinado.” Para eles, essas mudanças precisam incluir formas de atrair especialistas em investigação tecnológica. Através dessa combinação, seria possível “reduzir a tendência de muitas Polícias Civis de buscar fortalecer o seu lado operacional em detrimento da sua dimensão investigativa”, finalizam.