Se o meio é a mensagem, qual é a mensagem transmitida pelos smartphones? Para Andrew McLuhan, a sociedade em que vivemos hoje foi profundamente transformada pela tecnologia móvel que usamos para nos comunicar. Uma transformação para o bem e para o mal.

Neto do teórico da comunicação Marshall McLuhan, formulador do conceito de que o meio é a mensagem, Andrew preside o Instituto que leva o nome de seu avô e esteve no Brasil recentemente para prestigiar o lançamento do livro “Brand Publishing na prática”, organizado por Paulo Henrique Ferreira e editado pela Barões Brand Publishing.

Em entrevista concedida a Mobile Time, Andrew McLuhan prevê que a era das telas está com os dias contados, e será substituída por dispositivos com interface sonora, não visual. Abordou também o impacto da inteligência artificial generativa, a importância da regulação de IA, os malefícios das redes sociais, e o mundo móvel em que vivemos hoje. Ao fim, mandou um recado para a Apple: se não for capaz de pensar em um futuro sem telas, vai desaparecer como aconteceu com a BlackBerry.

Mobile Time – Com base nos conceitos criados pelo seu avô, Marshall McLuhan, como “o meio é a mensagem” e “aldeia global”, como você analisa a mídia móvel, ou seja, o smartphone?

Andrew McLuhan – Aldeia global foi um termo cunhado para descrever as mudanças no mundo provocadas pelo telégrafo e pelo rádio. E ele se inspirou em um escritor e pintor chamado Wyndham Lewis, que escreveu um livro chamado “America and cosmic man”. Nesse livro ele descreve como o telégrafo transformou o mundo. Meu avô foi um professor de literatura, poeta e crítico literário. E tinha muita habilidade de pegar um assunto e transformar em uma frase de efeito. Então ele disse que o mundo havia se tornado uma aldeia global.

O telégrafo e o rádio foram apenas as primeiras de uma série de tecnologias que surgiram a partir da descoberta da eletricidade, e que certamente não seriam as últimas. Um pouco depois chegamos ao telefone nas empresas, depois nas nossas casas, nas ruas e, finalmente, nos nossos bolsos. Com cada uma dessas novidades a aldeia global fica cada vez menor, até que o conceito de distância e de espaço se torna insignificante. Poderíamos ter essa conversa pessoalmente, ou em continentes diferentes, eu na minha fazenda e você na praia de Ipanema. Mas descobrimos que os meios comunicação não são iguais. Quando você ganha acesso a uma nova tecnologia, você também tem algumas perdas. No caso da telefonia móvel, você ganha velocidade, ganha conveniência, ganha um mundo de possibilidades, mas você sacrifica a profundidade da conexão, e seu significado. Não é um sacrifício pequeno. É completamente diferente sentar de frente um para o outro, mirar nos olhos um do outro, notar a linguagem corporal um do outro, suas vibrações etc. O engraçado é que a gente pode ter a mesma conversa pelo celular, cada um de um lado da rua, ou em continentes diferentes, sem diferença nenhuma.

O conceito de que o meio é a mensagem significa que não é o conteúdo que discutimos que nos transforma, mas é como ele é transmitido. Isso muda não apenas como percebemos as coisas, ou como nossa conversa é percebida, mas muda a gente também.

E como os smartphones estão mudando a gente?

Os smartphones afetaram nossa paciência. É hilário porque se você abrir um app no seu telefone e tiver que esperar dois segundos para ele carregar parece muito lento. Algumas décadas atrás a gente tinha Internet discada e levava 10 minutos para acessar a web e isso parecia tão rápido… Perdemos a perspectiva. Nossa sensação de impaciência cresceu. Se isso é bom ou ruim, é sempre uma questão de perspectiva e de contexto. É maravilhoso termos coisas instantâneas. Mas sabemos que os humanos valorizam quando uma coisa leva tempo, o resultado é mais prazeiroso. Não acredito que alguém sinta isso enquanto espera um app carregar. É apenas uma inconveniência.

Outras mudanças são óbvias quando você viaja. Você precisa baixar apps para tudo. Minha esposa escolheu não ter um smartphone. Ela não quer. A verdade é que ela tem um iPhone mas sem SIMcard. Ela usa para tirar fotos e publicar no Instagram quando está em uma rede Wi-Fi. Mas ela não quer estar conectada o tempo todo,  recebendo demandas. O problema de ter um telefone no seu bolso é que você se sente obrigado a atender uma chamada. No entanto, ela sofre as consequências dessa escolha. Se ela se perde na rua, não consegue abrir o Google Maps ou chamar um Uber. O que não quer dizer que ela não consiga se virar e chegar aonde precisa chegar. Mas é mais difícil nos dias de hoje. Porque o mundo de hoje é um mundo móvel. O mundo de amanhã talvez não seja.

É incrível quão rápido o mundo móvel se tornou “o” mundo. Até a palavra “telefone móvel” está distante do que o aparelho se tornou. O aspecto “telefone” tem hoje pouca relevância perto de tudo o que fazemos nele. Quem tem conversas telefônicas no celular? Pouca gente. Mas ainda assim chamamos de telefone móvel. Porque carregamos esse fantasma do passado, porque o telefone celular foi inventado para ser um telefone móvel. Mas rapidamente descobrimos que poderia ser muito mais que um telefone.

Poderia analisar essa tendência de consumo de vídeos curtos, como aqueles no TikTok, Instagram Reels e YouTube Shorts?

Isso está acontecendo há muito tempo, mesmo antes da invenção do telefone móvel. Da mesma forma que a nossa paciência está diminuindo, o mesmo acontece com a nossa atenção. Meu avô monitorava isso na mídia impressa, porque ele era um escritor e editor. Ele analisava a extensão de frases e de parágrafos. Ele monitorou isso por décadas. E percebeu que frases foram ficando menores; os parágrafos foram ficando menores; os capítulos foram ficando menores… Se você prestar atenção você vai reparar também. Isso se reflete agora nos vídeos curtos. E acontece na publicidade também. Os comerciais costumavam ter 1 minuto de duração ou mais. Agora, no YouTube, você vai ver anúncios de cinco segundos. E até um comercial de cinco segundos pode parecer longo. A percepção e a atenção humanas estão relacionadas mas são coisas diferentes. Nós percebemos mais do que entendemos. Nossos sentidos coletam informações o tempo inteiro e as registram, mas a nossa atenção não necessariamente as registra. Entretanto, um conteúdo não precisa ter a sua atenção para surtir um efeito em você. Publicitários aprenderam isso. Então, um anúncio de cinco segundos, ou mesmo de três segundos, pode ser suficiente para registrar uma impressão nos seus sentidos. E quando chega a hora de tomar uma decisão, ela não necessariamente é tomada de forma consciente. Ela está na sua cabeça, você viu certos anúncios e eles podem te influenciar. E isso se reflete no conteúdo de vídeos curtos que produzimos.

Temos tido dificuldade de sustentar a atenção nas coisas. Mas isso não necessariamente está perdido para sempre. É como nossos músculos: se não se exercitar, você perde massa muscular.  Com a atenção é a mesma coisa. Você pode treinar sua atenção. Por exemplo, há grande diferença entre ler uma página impressa ou ler numa tela. Não se trata de uma preferência, é um fato físico dessas mídias. Quando a luz vem da tela, isso tem um efeito cognitivo diferente do que a leitura em papel. São tecnologias muito distintas, com propriedades e efeitos diferentes. Quando você olha palavras em uma tela, seus olhos tendem a se mover mais rapidamente. A palavra impressa em uma página de papel segura o seu olho por mais tempo. Há vários estudos que comprovam isso: você tem mais chance de seguir as palavras linearmente na mídia impressa e seus olhos se movem mais devagar. Quantas palavras você consegue digitar por minuto?

Não sei, nunca medi.

Você deveria. Eu consigo digitar 80 palavras por minuto, mas só consigo escrever à mão em torno de 40. O fato é quanto mais rápido você digita, mais rápido a sua mente também se move. A gente fala em torno de 140 palavras por minuto. Há grande diferença entre a palavra falada, a palavra digitada e a palavra escrita. Quando você desacelera escrevendo à mão, você também desacelera a sua mente. E aí você treina sua atenção. Isso é interessante para quem sofre de ansiedade. Se você escrever à mão por 15 minutos por dia, depois de um mês você notará a diferença. Eu garanto. E, de novo, cada tecnologia tem diferentes recursos. Estamos tendo essa conversa agora ao vivo, mas se você tivesse mandado as perguntas por email, e eu tivesse tempo para pensar, as minhas respostas seriam diferentes. Seriam melhores? Não sei. Mas seriam experiências diferentes.

Qual impacto a inteligência artificial terá na mídia?

É difícil prever um futuro específico, mas é fácil fazer previsões genéricas. Dá para dizer que a IA terá um impacto da mesma proporção que a tecnologia móvel teve em nosso mundo. A IA é muito útil em muitas coisas e vai muito além do que apenas trapacear no seu dever de casa. Acho que IA terá impacto similar ao que tivemos com a eletricidade ou a Internet. A humanidade eletrificou tudo. Depois botou tudo online. A IA é uma técnica que rapidamente está reorganizando tudo. Inclusive coisas que não fazem sentido hoje terão IA no futuro. Da mesma forma como nunca imaginamos que nosso telefone celular nos colocaria dentro de um avião, com o cartão de embarque na tela, IA vai entrar e reinventar tudo. E nós seremos reinventados também. Isso vai afetar como nos relacionamos. O problema é que nunca paramos para nos perguntar se é isso que queremos, como fez minha esposa. Talvez a gente olhe daqui a dez anos e se dê conta de que poderíamos ter feito de uma maneira melhor. Ninguém pode prever o futuro, mas podemos dizer que uma tecnologia como essa transforma completamente quem nós somos pessoalmente e socialmente.

Um dos efeitos negativos das redes sociais é que estamos ficando antissociais?

Sim, o excesso de rede social nos faz antissociais. As pessoas parecem ter desaprendido a aproveitar a companhia um dos outros. As pessoas saem juntas e fica cada uma olhando o seu próprio celular. O significado de ser social mudou. Existe agora uma expressão “fotografe ou então não aconteceu”. Há benefícios e contrapartidas. Uma das contrapartidas é essa superficialidade. Estamos atingindo o reverso da mídia social. Malcolm Gladwell chama isso de ponto de inflexão. Trata-se do ponto em que uma coisa útil se torna o seu reverso. A humanidade tem dificuldade de parar antes de atingir esse ponto de inflexão. As redes sociais, como canal de comunicação online, são uma ferramenta extremamente poderosa. É a razão pela qual estou aqui hoje. Mas se for só isso, é raso. Se for para uma primeira conexão, ótimo. Mas depois temos que largar os telefones e ir fazer alguma coisa divertida.

Há uma discussão em curso no Brasil sobre o uso excessivo de tela pelas crianças. Algumas escolas estão proibindo telefones celulares. O governo também avalia o assunto. O que pensa sobre isso?

Acho uma boa ideia, mas com a abordagem errada. O fato é que as tecnologias nos afetam em um nível sensorial. Nossos sentidos não são um condutor passivo de informação. Eles são transformados, assim como nossas mentes. Se você pensar numa pessoa cega, ela não liga para a cor da minha blusa, ou para o quadro de arte na parede. Essas coisas não têm valor para ela. A nossa sociedade valoriza demais arte visual.- Nós temos museus e celebramos nossos pintores. Uma sociedade sem arte visual seria uma sociedade muito diferente. Não quero dizer que a tecnologia nos deixa cegos. Mas nós somos resultado da tecnologia que usamos. Nossas preferências, nossos valores… A forma como nossos sentidos funcionam, especialmente nos nossos primeiros anos de vida… Sabe quando você compra um device e ele vem com configuração de fábrica? A gente também tem isso, independentemente da cultura na qual nascemos, e essa configuração se estabelece em nós antes mesmo de a gente ser capaz de falar. A gente se acostuma com nossa língua materna, por exemplo, antes de mesmo de falarmos. E isso molda quem somos, em um nível fundamental. Isso acontece tecnologicamente também. Se você pensar de forma mais ampla, a linguagem é uma tecnologia tão poderosa quanto um smartphone para nos moldar. Se você quiser aprender uma segunda, terceira ou quarta língua, o melhor momento é antes dos seis anos de idade. É muito difícil para mim, depois dos 40 anos de idade, aprender Português ou Chinês, por exemplo. Como eles fazem aqueles sons? Mas se eu tivesse nascido na China seria natural. Isso nos molda como experimentamos o mundo, como nos relacionamos uns com os outros, nossos valores etc. E isso acontece com a tecnologia que usamos também. Precisamos ter cuidado sobre como introduzimos certas tecnologias (para as crianças), se estamos preocupados com nossos valores. É inteligente restringir smartphones, computadores, televisões, ou qualquer outra tela, se você quer que os sentidos das pessoas sejam moldados de determinada maneira, como para ter mais atenção, mais profundidade no pensamento, por exemplo. Para isso, seria importante reduzir o tempo de tela. O americano entre 8 e 18 anos de idade, hoje em dia, em média, consome mais de 12 horas por dia de conteúdo não educativo em telas. É uma estatística dos EUA. Lá eles fazem essa distinção entre conteúdo educativo e não educativo. Mas se você estiver assistindo conteúdo educativo ou de entretenimento, o meio é a mensagem. Então não interessa se é educativo ou não. É uma distinção falsa. Acho inteligente reduzir ou até proibir o uso de telas nas salas de aula. Aliás, o celular e o computador têm muito em comum, ambos são telas. Porém, por outro lado, se você criar uma criança sem ensiná-la a usar o computador, você está fazendo um desserviço, porque vivemos em um mundo dominado por computadores. Seria como criar uma criança numa fazenda do interior e de repente largá-la no meio de Nova Iorque e querer que ela consiga chegar em casa sozinha.

Então, eu entendo o impulso de querer proibir as telas, mas há um equilíbrio a ser encontrado. Acho que cometemos um erro se não tratarmos todas as telas da mesma forma. É um erro querer banir apenas os celulares. Claro que há diferenças, mas o ponto para mim é a tela VS a mídia impressa, pois são completamente diferentes. Alfabetizar uma pessoa através de uma tela eu acho loucura, por exemplo. Porque você está apenas ensinando a ler palavras, não letrando de verdade.

Na pandemia, muitas crianças foram alfabetizadas assim…

No Canadá, o governo recomendava não mais de três horas de tela por dia. Mas na pandemia forçou as crianças a ficarem na frente das telas por 8 horas por dia. O que eu fiz com meus filhos foi apagar o brilho da tela e deixá-los apenas escutando as aulas. Durante a pandemia de gripe espanhola, no começo do século 20, houve o mesmo problema, com escolas fechadas. E a educação seguiu através do rádio. Teria sido uma solução muito mais inteligente para hoje em dia.

Vinte anos atrás, em uma época pré-redes sociais, ativistas em prol da democratização dos meios de comunicação tinham o seguinte slogan: “odeia a mídia, seja a mídia”. Muitos acreditavam que a Internet seria uma ferramenta para conseguir essa democratização, para produção e distribuição de conteúdo. Hoje em dia, todo mundo é a mídia, ou qualquer um é a mídia. E o que temos é uma vasta produção e distribuição de conteúdo de ódio e mentiroso. Como lidar com isso?

Por isso existe a expressão: tome cuidado com o que você deseja, porque pode se tornar realidade. É como a história do gênio da lâmpada. Você pede para ser rico ou ser famoso, mas sempre tem um lado negativo. Todo mundo quer ser famoso até o dia em que fica famoso e descobre que é algo muito solitário. E o amor que as pessoas têm por você não é por quem você é, mas por quem elas acham que você é ou imaginam que você seja.

Mas estamos, de fato, em um momento tenso, em que qualquer voz pode atingir milhões de pessoas em certas circunstâncias, mas nem todo mundo tem algo que vale ser ouvido. O poeta francês Lamartine disse, quando a imprensa surgiu, que os livros chegam tarde demais. O que ele queria dizer é que entre o escritor ter uma ideia e seu livro chegar às lojas leva muito tempo, leva anos. Hoje em dia podemos dizer que os jornais chegam tarde demais. Porque as redes sociais trazem as notícias em tempo real, no momento em que acontecem nas ruas. Mas quando se trata de entender em profundidade e com sensibilidade, isso demanda reflexão e pesquisa, o que leva tempo. É difícil ter isso instantaneamente.,Chegar ao cerne de uma história, como um escândalo político, ou uma questão climática, leva tempo. Não há outra form.. E nosso mundo instantâneo não tem esse tempo. Então, em troca da velocidade, nós sacrificamos a profundidade. Mas, claro, há situações em que a velocidade é importante, como quando uma injustiça está acontecendo. Se soubermos logo, podemos agir e reduzir seu dano. Mas entendê-la demanda tempo. Portanto, não se trata de um caminho ou outro. Há espaço para ambos. Diferentes meios tem diferentes vantagens. O celular é ótimo para algumas coisas e o livro, para outras. E o rádio para outras.

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Andrew McLuhan e Fernando Paiva, durante entrevista no Brasil (Crédito: Paulo Henrique Ferreira / Barões Digital Publishing)

A Internet tornou ainda mais concreto o conceito de aldeia global cunhado pelo seu avô. Porém, neste momento, o mundo tem experimentado uma onda no sentido inverso, com o crescimento de movimentos nacionalistas, que pregam um isolamento dos povos. Servem de exemplo o Brexit, na Inglaterra, a eleição de Trump, nos EUA, e o avanço de movimentos nacionalistas de extrema-direita em vários países. Qual impacto isso poderia ter na Internet?

É uma reação natural ir na direção contrária à qual se está sendo empurrado. O grande desafio dos nossos tempos é que a mudança acontece tão rápido… Em poucos anos nosso mundo se transforma completamente. O problema é que não temos tempo para nos ajustarmos. Mas conseguimos notar isso. Só que apenas notar não é suficiente a não ser que você faça algo a respeito. Acho que estamos nos aproximando rapidamente de uma regulação séria. A dificuldade é que precisamos regular de maneira inteligente. Temos que aceitar a ideia de se regular o desenvolvimento de uma tecnologia. Em vez disso, focamos em regular o conteúdo, banindo certos livros, ou websites. Temos que regular a tecnologia. Porque os efeitos dessas tecnologias são grandes e rápidos. De forma que quando uma tecnologia chega e transforma o mundo, já é tarde demais para regulá-la.

Todavia, como espécie, temos muita dificuldade de nos afastarmos e olhar para a tecnologia de uma maneira mais ampla. Esse foi o trabalho que meu avô procurou fazer por décadas, quando ele disse que o meio é a mensagem. Quanto mais desconfortáveis ficamos, mais nos damos conta de que precisamos mudar algo. Mas isso requer uma grande mudança na forma como encaramos a tecnologia, não pelo seu conteúdo, mas pela tecnologia em si.

Não é o que estão tentando fazer agora com a regulação de IA?

Ainda preciso encontrar uma proposta de regulação de IA que não foque apenas na camada do conteúdo.

O smartphone vai se tornar obsoleto?

Sim, o smartphone como o conhecemos está se tornando obsoleto. Isso já está acontecendo. Mas não que dizer que ele vai desaparecer. Ainda temos computadores, laptops, rádios, televisões, livros. A obsolescência significa apenas que não estará mais no topo. O que está se tornando obsoleto rapidamente é a tela como interface primária com o usuário.

E o que vai substituí-la?

A voz, o áudio. A visão é apenas um dos nossos sentidos. É apenas uma das formas com a qual captamos e compartilhamos informações. Temos vários outros sentidos que são até mais ricos que a visão. Já ouviu falar em ASMR (Resposta Sensorial Autônoma do Meridiano, em português)? É uma tendência em conteúdo em que as pessoas falam com voz bem próxima e suave no microfone, descrevendo coisas. O ouvido é um órgão muito mais sensível que os olhos. Os olhos não captam informações tão ricas quanto os ouvidos. Quando você vai a um concerto musical e se arrepia, isso não acontece pela sua visão, mas pela sua audição. O ouvido é um órgão muito poderoso e sensual. Por milhares de anos na história da humanidade foi o órgão dominante em comunicação e percepção. Tivemos um breve período de dominação da visão. Mas já acabou. Restará com algum legado dessa dominação visual, mas a visão está perdendo seu poder. Queremos profundidade, e os olhos nos tiram isso, enquanto a audição e o tato nos dão isso. Há algumas tendências em hardware nesse sentido. A Humane é uma empresa que está seguindo esse caminho, de não utilizar tela como interface (Nota do editor: McLuhan se refere ao wearable Ai Pin, controlado por voz). Não é perfeito ainda, mas indica essa tendêncoa. E quando você retira a tela, não tem mais rede social.

Ou pelo menos rede social como conhecemos hoje…

Ma isso é algo a ser considerado… As empresas precisam se preparar para um futuro em que não vamos depender tanto de telas. Isso não vai significar a morte da computação móvel, mas certamente é uma mudança de regime. É como se numa eleição as telas tivessem perdido. Não quer dizer que vão desaparecer. Só que ninguém mais quer uma vida de 8 a 12 horas de tela por dia.

Então há esperança para a próxima geração?

Para algumas pessoas, sim. Lembra do Blackberry? Eles não viram um futuro sem teclado. E não sei se a Apple consegue ver um futuro sem tela. Mas deveria aprender com a Blackberry o que acontece se você não imagina um futuro diferente.

Foto no alto: Andrew McLuhan (Crédito: Fernando Paiva/Mobile Time)