Apesar dos diversos formatos que os wearables podem tomar, desde que começaram a se popularizar pelo mundo, cerca de dez anos atrás, as pulseiras e os relógios inteligentes passaram a dominar o mercado. Talvez isso não se mantenha assim por muito tempo. É possível que, no longo prazo, os óculos inteligentes ganhem espaço nesse segmento tecnológico.

O diretor de desenvolvimento de negócios da Qualcomm, Helio Oyama, conta que a empresa norte-americana acredita que esse tipo de dispositivo é um candidato a sucessor do smartphone. Os óculos de realidade virtual (VR), que proporcionam uma experiência mais imersiva, pertencem a uma gama de produtos que vem crescendo anualmente, mas no futuro os óculos de realidade mista (MR) devem ganhar espaço, conjugando VR com realidade aumentada (AR).

“Vemos uma tendência bastante interessante, um mercado crescente. Nós, da Qualcomm, apostamos muito nessa categoria de produto. No médio e longo prazo, nossa visão é que esses óculos venham a substituir o telefone celular”, aponta Oyama.

A Qualcomm apresentou na última quarta-feira, 16, seu novo processador AR2, voltado para óculos de AR (crédito: divulgação)

Em termos de evolução tecnológica, ele enxerga uma tendência de miniaturização, capacidade computacional cada vez maior e uma redução no consumo de bateria, o que poderá permitir que esses dispositivos do futuro sejam desenvolvidos. “Juntando todos esses fatores, você vai ter a possibilidade ter um óculos muito parecido com os óculos que nós temos hoje atualmente, os convencionais”, diz.

A Qualcomm, uma das principais fornecedoras do segmento, tem duas linhas de negócio dedicadas a dispositivos vestíveis, não só na fabricação de processadores, como também na oferta de tecnologias que possibilitam seu funcionamento. Uma dessas linhas engloba equipamentos de realidade virtual e aumentada, como óculos e sensores. A outra é voltada a relógios e pulseiras inteligentes, além de outros wearables, como fones inteligentes, os chamados hearables.

O gerente de pesquisa e consultoria da IDC (International Data Corporation), Reinal Sakis, compartilha de uma visão similar à de Oyama. Ecoando a opinião dos analistas internacionais da IDC, ele acredita que óculos inteligentes têm espaço para crescimento no futuro, com um dos maiores potenciais entre os vestíveis, apontando para o fato de que as big techs já estão fazendo investimentos nesse segmento. 

Corrida entre big techs

Mark Zuckerberg declarou que óculos de AR são o “santo graal” dos dispositivos, que vão “redefinir nosso relacionamento com a tecnologia”. Segundo fontes internas consultadas pelo site The Verge, há planos para que a companhia lance a primeira geração dos seus óculos de AR em 2024. A equipe já estaria trabalhando na segunda geração para 2026, um pouco mais leve. O CEO da Meta tem a ambição de que esse seja um momento na história da tecnologia da mesma forma como o iPhone representou uma disrupção.

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Microsoft HoloLens tem como objetivo ajudar na produtividade no trabalho (crédito: divulgação)

A Microsoft lançou em 2016 o HoloLens, seu óculos de AR e realidade mista. A segunda versão chegou em 2019, com a premissa de tornar o trabalho mais eficiente. Ele vem com aplicações voltadas para o ambiente empresarial, para aumentar a produtividade de organizações que lidam com manufatura, construção e engenharia, serviços de saúde e educação. O modelo mais básico custa US$ 3,5 mil e o mais caro, com capacete integrado, US$ 5,2 mil.

Os óculos inteligentes ainda são um nicho de mercado, sem expressividade, com muitas companhias no estágio inicial de experimentação para entender por onde devem seguir. Talvez quem tenha pavimentado o caminho para que novos dispositivos pudessem ser criados tenha sido o Google, com o Google Glass, em 2013, cujo objetivo era levar algumas funcionalidades do smartphone para uma tela na lente dos óculos. Dado seu fracasso em 2019, foi transformado em uma versão parecida com o HoloLens, da Microsoft, voltada ao ambiente corporativo.

A Niantic também anunciou na última quarta-feira, 16, que vai lançar um óculos de AR, em parceria com a Qualcomm. A AR parece ser o caminho que a maioria das companhias estão seguindo. Segundo Hugo Swart, vice-presidente de gerenciamento de produto em realidade mista na Qualcomm, o ritmo de adoção da AR é mais que o dobro que a VR, categoria de produtos aos quais os óculos inteligentes mais famosos, como Quest, pertencem.

“A hora que você tiver a possibilidade de colocar um óculos parecido visualmente com óculos normal, mas com a tecnologia embarcada, isso tem um potencial muito grande de crescer, sem dúvida. Se você tiver algo que possa visualizar, a escala de possibilidades é muito maior. Eu posso disputar espaço com smartphone e com computador”, comenta Sakis.

Central de wearables

No entanto, diferentemente do diretor da Qualcomm, Sakis não acredita que o smartphone será substituído, seja pelos óculos ou por outros dispositivos. Conversando com fabricantes do setor de tecnologia, ele conta que muitos apontam para um caminho ecossistêmico, agregando vários dispositivos em sinergia. Como um smartphone, fone, óculos e relógios inteligentes sendo utilizados ao mesmo tempo, permitindo um leque maior de serviços que podem ser carregados no sistema. 

“Você usaria o celular como uma central multimídia. Hoje, ele é único e insubstituível. Eu acho que mais do que substituir, ele tem um jeito de ser a central, por ter mais capacidade. Ele poderá ser uma central pessoal de tecnologia e você vai carregar cada vez mais nessa sua microrrede. Você passa a ser multiconectado, mas provavelmente através de um smartphone”, diz.

Na visão de Sakis, um mundo pós-smartphone só será possível por meio dos wearables, porém ainda existem muitas limitações, que provavelmente não serão resolvidas no curto prazo. “Se já é difícil fazer a microengenharia dentro de um celular, no relógio ainda é mais restrito”, aponta. Como lembra o diretor da Qualcomm, a duração da bateria ainda é uma limitação que desmotiva muitas pessoas a comprarem vestíveis.

China na liderança

Lucas Broch, gerente nacional de vendas da Huawei Consumer Business Group (CBG) Brasil, também tem ressalvas quanto à substituição do smartphone por outros dispositivos inteligentes. Ele comenta que qualquer nova tecnologia emergente precisa de um tempo até se popularizar entre as diferentes camadas da sociedade. Nem mesmo os smartwatches, que estão no mercado há cerca de dez anos, conseguiram se popularizar, permanecendo principalmente em nichos como saúde, fitness e esportes, além de pessoas com maior poder aquisitivo e conhecimento tecnológico.

“Antes de começar a alterar a mentalidade dos consumidores em relação às tecnologias que substituem o smartphone, é necessário ter opções de dispositivos independentes que sejam tão ou mais efetivos que os celulares, e pelo menos tão acessíveis quanto. Estamos avançando em relação a esse futuro, mas é um processo que vai além apenas das soluções tecnológicas, envolvendo cultura e hábitos que já são intrínsecos à sociedade”, destaca Broch.

A Huawei ainda aposta fortemente nas smartbands e nos smartwatches, que devem continuar crescendo nos próximos anos. Além disso, o gerente destaca que fones sem fio inteligentes têm entrado cada vez mais no radar de consumidores, assim como dispositivos com geolocalização para monitoramento de crianças por pais, algo que Sakis, analista da IDC, também ressalta. “Vemos uma forte tendência de crescimento pelo interesse de dispositivos com realidade aumentada e realidade virtual, que aumentam a interatividade no entretenimento”, comenta o gerente de vendas da Huawei CBG Brasil.

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O Huawei Smart Glasses tem um design parecido com o de óculos convencionais, mas deixa de fora diversos recursos que tornam os dispositivo mais robusto (crédito: divulgação)

A Huawei é uma das empresas que já começou a se aventurar no mundo dos óculos inteligentes. Em dezembro de 2021, a companhia introduziu o Huawei Smart Glasses, até o momento disponível somente no mercado chinês. Os óculos inteligentes trazem alto-falantes e um microfone embutido, e possuem integração com a Celia, assistente virtual da Huawei. O usuário consegue atender chamadas, fazer anotações em tempo real, escutar músicas e realizar outras ações. O dispositivo também monitora a saúde dos olhos, com autonomia de bateria de até 16 horas.

“Os óculos inteligentes representam uma ótima oportunidade para continuar a ampliar o que a tecnologia já vem fazendo há anos para os usuários: trazer soluções que proporcionem praticidade e abra novas possibilidades para os consumidores”, aponta o gerente nacional de vendas. “Funções mais avançadas podem chegar nessa categoria de produtos em breve, como câmera, tela e recursos de inteligência artificial”, revela sobre os planos futuros da companhia.

A Huawei integra a lista das companhias que dominam o mercado de wearables. Segundo dados de 2022 da IDC, quatro grandes empresas se destacam nesse segmento, de acordo com o market share: Apple (32,1%), Samsung (10,9%), Xiaomi (9,8%) e Huawei (7,7%). Tirando a Huawei, apenas a Xiaomi iniciou suas incursões no mundo dos óculos inteligentes, o que ainda deixa um vasto mercado a ser explorado. 

Em agosto de 2022, foi lançado Mijia Glasses Camera, um dispositivo muito diferente do protótipo que a companhia apresentou no ano anterior, disponível também apenas no mercado chinês. No estilo Google Glass, ele possui um display micro OLED e duas câmeras, como o nome sugere. Essa armação embarcada, com processador Snapdragon, pode ser utilizada por si só ou agregada a lentes de óculos normais. Sua principal função é permitir que o usuário faça registros do seu dia a partir do que está vendo com seus olhos.

 

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