O Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estão de olho no Telegram. Assim como outros provedores de mensageria e mídias sociais, o Telegram, com sede em Dubai (Emirados Árabes Unidos), está sendo investigado em um inquérito do MPF que apura políticas de enfrentamento a práticas organizadas de desinformação e de violência no mundo digital. Preocupado com a disseminação de fake news nas eleições brasileiras, o TSE quer saber mais sobre as atividades do aplicativo. O problema é que, diferentemente de seus concorrentes, o Telegram não tem representante no Brasil e não responde aos ofícios enviados pelas autoridades brasileiras. Seu silêncio pode custar caro, levando a Justiça a ordenar a suspensão do serviço no País.
“Foi aberto um Inquérito Civil Público e os principais provedores receberam um ofício do MPF. Se não houver resposta por parte do Telegram podemos pedir, sim, a suspensão de seus serviços no Brasil. Os fundamentos para isso baseiam-se não apenas no artigo 12 do Marco Civil da Internet como também no Poder Geral de Cautela do Juiz, que pode suspender o serviço se constatar que este fornece os meios (a plataforma) para o cometimento de crimes e, sendo instado, oficiado, deixa de responder ao juízo”, explicou, em entrevista para Mobile Time, a procuradora da República Fernanda Teixeira Souza Domingos, coordenadora do Grupo de Trabalho “Crimes Cibernéticos” do Ministério Público Federal.
O Inquérito Civil Público número 259, assinado por Yuri Corrêa da Luz, procurador regional dos direitos do cidadão adjunto em São Paulo, quer entender de que maneira os provedores estão agindo para combater as fake news e a violência digital nas redes. Além do Telegram, também foram notificados Whatsapp, Facebook, Instagram, Twitter, TikTok e YouTube. Eles devem esclarecer como estão atuando contra práticas que colocam em risco a saúde da população e o funcionamento das instituições.
Até o momento, apenas o Twitter respondeu publicamente: na segunda-feira, 17, o provedor anunciou que expandiu ao Brasil o mecanismo que permite denunciar publicações que violem as regras sobre propagação de informações enganosas. Atualmente, o sistema funciona apenas nos Estados Unidos, na Coreia do Sul e na Austrália.
Para não atrapalhar as investigações, o procurador e o MPF não estão dando detalhes sobre o inquérito. “Em inquéritos desse tipo, quando a investigação traz elementos que justifiquem a necessidade de judicializar o procedimento (irregularidades suficientes para processar uma empresa, por exemplo), é possível abrir uma ação civil pública”, comentou a assessoria do ministério.
Segundo apurou Mobile Time, as outras empresas já responderam aos primeiros questionamentos do MPF. Duas delas receberam réplicas e terão que esclarecer outros pontos ao ministério, como a quantidade de conteúdo impróprio retirado do ar. Entretanto, o Telegram segue calado.
TSE
Há mais de um mês o presidente do TSE tenta contato – em vão – com o aplicativo. No dia 16 de dezembro, o ministro Luís Roberto Barroso enviou um ofício a Pavel Durov, CEO do Telegram, solicitando uma reunião para discutir possíveis meios de cooperação no combate à desinformação. Não houve nenhuma resposta, inclusive o endereço do aplicativo em Dubai não foi encontrado.
De acordo com notícia publicada no jornal Valor Econômico, Barroso defendeu que, se o Telegram não colaborar com a Justiça Eleitoral e continuar sem representação efetiva no Brasil, o Congresso deveria banir sua atuação no País. O TSE explicou que “nenhum ator relevante no processo eleitoral de 2022 pode operar no Brasil sem representação jurídica adequada, responsável pelo cumprimento da legislação nacional e das decisões judiciais”.
“É irregular uma empresa atuar no Brasil de maneira cada vez mais intensa e não existir uma porta onde você possa entregar uma intimação judicial. O Código de Defesa do Consumidor e o Marco Civil apontam que as empresas têm que cumprir as leis brasileiras. Mas, de que forma, se, no caso do Telegram, o tribunal não tem como fazer cumprir uma ordem?”, questiona Flávia Lefèvre, advogada especializada em direito digital e do consumidor, representante do coletivo Intervozes e da Coalizão Direitos na Rede. Para ela, se forem constatadas ilicitudes na plataforma, e houver ordem de retirada do conteúdo, e mesmo assim não houver resposta, é cabível a Justiça suspender o aplicativo.
Leis brasileiras
Patricia Peck, CEO e fundadora do escritório Peck Advogados, concorda. “A meu ver, o fundamento está na Constituição e no dever de proteção da soberania nacional, que inclui o dever de qualquer empresa cumprir as leis brasileiras e as ordens de autoridades brasileiras. E a punição pode chegar até no nível diplomático de, inclusive, proibir a entrada de sócios no País”, afirmou.
Peck ponderou, no entanto, que existem duas ações pendentes no Supremo Tribunal Federal (STF) para a suspensão de apps de mensageria e que ainda não há uma clara definição jurídica sobre o assunto.
O advogado Luiz Augusto D’Urso, especialista em crimes virtuais, professor de direito digital da FGV, e presidente da Comissão Nacional de Cibercrimes da Abracrim (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas) considera que a possibilidade de suspensão do Telegram existe, sim, porém não seria adequada, uma vez que o aplicativo não produz conteúdo e por isso estaria protegido pelo Marco Civil da Internet. “Esta atuação de não responder a ninguém é, de fato, prejudicial e pode levar ao bloqueio da plataforma. Mas do ponto de vista legal considero uma decisão equivocada. Precisaríamos de uma alteração legislativa para isso”.
A lei em questão já existe, mas está na fila de votação do Congresso Nacional e, ao que tudo indica, não terá tempo de entrar em vigor ainda neste ano. O PL 2630, o chamado PL das Fake News, de relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB/SP), prevê, entre outros pontos, a obrigatoriedade de provedores estrangeiros terem um representante legal no País.
Problema mundial
De acordo com a procuradora da República Fernanda Teixeira Souza Domingos, a falta de contato e as atividades do Telegram preocupa não apenas o Brasil, mas também diversos outros países. “O Telegram é um problema mundial. Outros países também estão atentos e pensam em tomar medidas – mas são medidas paliativas, como bloquear o aplicativo. Isso não adianta porque sempre acaba sendo possível acessar por outros meios”, disse.
Domingos esteve à frente da recente adesão do Brasil à Convenção de Budapeste sobre o Crime Cibernético, que pode facilitar o acesso ao Telegram em caso de uma investigação criminal. “A cooperação internacional acelera a obtenção de provas. Neste caso específico do Telegram, se você faz parte de uma comunidade com os mesmos valores, os outros países exercem uma pressão, e você tem apoio internacional para tomar providências”, apontou. “Não tenho dúvidas que o combate às fake news é o grande desafio deste ano, e será um dos principais assuntos nos foros internacionais”, completou.