O conselheiro do Cade Victor Fernandes, relator dos processos que analisam a interferência da Apple e do Google no ecossistema digital de dispositivos móveis, participou de debate sobre a regulação do mercado digital, promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) nesta terça-feira, 18, em Brasília. Durante sua exposição, ele destacou quatro questões que estão “em aberto” e que devem ser endereçadas em uma eventual proposta legislativa sobre o tema.
Uma das observações ressaltadas por Fernandes diz respeito às obrigações que devem envolver a conduta dos gatekeepers. Citando como exemplo o DMA (Digital Markets Act), da União Europeia, ele reconhece que “tem várias obrigações que, de fato, estão trazendo uma maior abertura do mercado, mas a estratégia de como essas obrigações vão ser impostas e/ou negociadas com as empresas também importa”.
O conselheiro lembra que a UE abriu investigação contra big techs por violações ao DMA. No caso da Apple e do Google, especificamente, as irregularidades estariam ligadas a um favorecimento dos próprios serviços em detrimento dos demais.
“No caso do DMA, a gente teve uma situação em que houve a definição das obrigações na lei e as empresas tiveram um prazo [12 meses] para fazer uma ‘autoconformidade’ daquelas aplicações. Depois de um determinado período, elas submeteram um relatório de compliance em que as próprias empresas eram os principais ou os primeiros intérpretes daquela legislação. Então fica sempre a dúvida: qual obrigação se aplica a qual empresa e como que a gente pode ajustar isso”, comentou.
O prazo das empresas, inclusive, se encerra na próxima terça-feira, 25, quando então a Comissão Europeia terá de analisar o caso, e o relator observará o que vai ocorrer por lá.
“Precisamos ter um cuidado […] Não adianta ter um conjunto de obrigações que resultem em descumprimentos e que gerem mais processos e que a gente não consiga gerar uma efetividade dessa norma”, opinou Fernandes.
Plataformas atingidas
Ainda no âmbito de observar como o DMA está se saindo, a eventual definição de plataformas com relevância sistêmica, aquelas que seriam alvo de regulação, também é um dos pontos relevantes destacados pelo conselheiro.
Em síntese, Fernandes chamou atenção para casos em que os critérios quantitativos (baseados no número de usuários) se encaixam em determinadas empresas, mas não os qualitativos, que leva em conta a posição determinante no acesso a serviços, ou vice-versa. Ponto este que motivou a judicialização no caso. ” […] são temas que acabaram gerando muitas controvérsias lá fora e que talvez a gente pudesse ter um enquadramento mais sumário, um enquadramento mais simples”, afirmou.
O membro do Cade também defende uma definição precisa do objetivo da regulação. “Será que quando a gente olha para concorrência no âmbito desses grandes mercados digitais, o objetivo da regulação deve ser o bem-estar do consumidor no sentido econômico neoclássico, ou temos que olhar para outras preocupações concorrenciais, ainda que não estritamente econômicas?”, questionou.
Por fim, sem indicar sua preferência pessoal, ele sugere uma avaliação sobre qual tipo de medidas de defesas econômicas devem ser aceitas pelas autoridades, a exemplo de considerar a impossibilidade de cumprir regras por riscos aos sistemas operacionais, no caso do ecossistema de dispositivos móveis, ou razões meramente econômicas.
Imagem principal: Victor Fernandes, conselheiro do Cade, durante seminário do CGI.Br. Foto:Reprodução/Nic.br