Roberto Rittes é CEO da Nextel há apenas um ano e meio, mas conseguiu nesse curto espaço de tempo promover um choque de gestão dentro da operadora, reduzindo barreiras hierárquicas, empoderando a base da pirâmide e repensando todo o processo de atendimento ao cliente. Os resultados começam a ser colhidos, na forma de crescimento da base, redução do churn e na melhora do NPS da companhia.

A ideia é adotar uma gestão mais parecida com aquela das grandes empresas de tecnologia, e menos com a das grandes e burocráticas operadoras de telecomunicações, que, na opinião do executivo, ficaram paradas o tempo. Até o “dress code” da Nextel mudou, ou melhor, foi extinto: agora cada funcionário pode vir vestido como achar melhor. O próprio CEO dá o exemplo: ele estava de camisa polo e bermuda quando recebeu o editor de Mobile Time para esta entrevista, na sede da Nextel.

Rittes critica o fato de o setor de telecom estar trazendo para o mundo dados a complicação que havia nos antigos planos de voz. “A maioria das operadoras criou zero rating para determinados apps, mas estes mudam de acordo com o plano. Têm franquia de dados principal e franquia de dados de streaming. É difícil de entender e difícil de vender”, disse.

Embora reconheça que a convergência de serviços seja atualmente uma vantagem competitiva de vários dos seus concorrentes, Rittes prevê que o quadplay está com os dias contados. O futuro das operadoras vai se concentrar em um “double play”, composto por banda larga fixa e móvel.

Confira abaixo a entrevista completa, na qual o CEO da Nextel fala também sobre leilão de 5G, refarming, VoLTE, RCS e MVNOs.

MOBILE TIME – Quais as diferenças entre os desafios que você enfrentou à frente da operação móvel da Brasil Telecom e aqueles que enfrenta agora no comando da Nextel?

Roberto Rittes – Acho que uma das razões para terem me escolhido é que há muitas similaridades entre a BrT e a Nextel. Antes de mais nada, ambas eram players regionais e late entrants, brigando com as grandes operadoras. Algumas coisas que fizemos lá também funcionaram aqui: conhecer melhor o negócio, desconstruir as médias para entender os detalhes, tanto do ponto de vista geográfico quanto a partir de cada métrica do negócio, o que te permite olhar com mais cuidado, sem a grandiosidade dos números. Mas no tempo da BrT era um mercado que ainda estava em crescimento, entre 2006 a 2008. Era o final dessa grande curva de crescimento da telefonia móvel.

O que mudou de lá para cá?

Telecom ficou um produto muito mais barato. Um heavy user 10 anos atrás gastava centenas de Reais por mês em mobile. Hoje, se gastar mais de R$ 100 por mês deveria migrar para a Nextel. Mobile aumentou sua proposta de valor. O smartphone com seus aplicativos deixou de ser um produto de luxo e virou uma ferramenta para agilizar seu dia a dia. Por isso vemos o pós-pago crescendo. Essa mudança dos economics, principalmente no pós-pago, em que se paga menos por mais, leva você a repensar muitos aspectos operacionais do negócio. Por mais que você tenha trabalho de captar os clientes mais valiosos do mercado, o jeito de conseguir retorno aos acionistas é mexendo no custo de aquisição e de retenção dos clientes. O mercado tem que olhar alguns elementos desse modelo que não fazem mais sentido.

Qual por exemplo?

Lojas em shopping. Algumas operadoras têm duas lojas no mesmo shopping! O custo de aluguel de uma loja em shopping não se justifica no modelo de aquisição de clientes de hoje.

O que mais precisa mudar?

Na época do leilão da Telebrás, 20 anos atrás, telecom era um mercado dinâmico e inovador. As pessoas disputavam vagas para trabalhar em telecom quando saíam da faculdade. De lá para cá, o mundo mudou drasticamente e telecom continuou igual: hierárquico e burocrático. Não acompanhou a evolução na gestão de empresas e na atração de talentos. Toda essa revolução não foi captada por telecom, desde o modus operandi até cosias mais secundárias, como o dress code dentro da empresa. Diferentemente de alguns setores que foram diretamente ameaçados pela nova economia, como o de mídia e o financeiro, e que reagiram mais rapidamente, o setor de telecom não foi transformado. A invasão desse mundo tech em telecom aconteceu mais pela margem, o que fez com que o setor não precisasse se reinventar. Isso é uma grande oportunidade para a Nextel. A gente se inspira muito em tudo o que está acontecendo nesse mundo tech em escala.

Pode dar alguns exemplos das mudanças de gestão que você está promovendo na Nextel?

Antes tínhamos KPIs tradicionais, agora combinamos KPIs com OKRs (Objectives and Key Results), definindo trimestralmente de quatro a cinco objetivos, sempre com uma perspectiva qualitativa, aspiracional. Por exemplo: pagar a conta da Nextel não vai ter mais dor. Daí tem que traduzir isso em cinco resultados efetivos que indicam que o objetivo foi atingido. A ideia não é trocar o todo, mas somente o pedaço que se quer transformar. Saem os ciclos anuais e entram os ciclos trimestrais. A proposta é pegar um grande problema, quebrar em problemas menores e resolvê-los em espaços mais curtos de tempo. É parecido com o conceito de sprint. A cada trimestre nos juntamos e definimos o foco da transformação no trimestre seguinte, com o conceito de objetivos corporativos, que são cerca de 10 por trimestre. Definimos um dono do objetivo e cada área dedica recursos por três meses. É quase um squad, mas temporário.

Outras mudanças foram a redução de níveis hierárquicos; o empoderamento da base da pirâmide; a adoção de ferramentas para melhorar a comunicação dentro da empresa. Estamos investindo em ferramentas que dão mais ritmo para esses processos.

E já conseguiu colher os resultados desse novo modelo de gestão?

A transformação começa de dentro para fora. Você não vai entregar uma coisa para fora se não tiver um ambiente alinhado com isso dentro de casa. Vimos uma melhoria significativa do engajamento dos profissionais. Apesar da incerteza sobre o futuro da empresa, temos hoje o time mais engajado do setor no Brasil. Medimos isso através de um NPS interno, que é de 60 pontos. Quase 70% dos colaboradores recomendam com notas 10 ou 9 trabalhar na Nextel. Foram 17 pontos de melhoria em relação à primeira medição em maio.

Olhando para fora: houve aumento de adições brutas, redução do churn, maior eficiência de custo. Mas não existe uma bala de prata. Em empresas com esse nível de maturidade não dá para mexer em uma única coisa que mude tudo. São dezenas de iniciativas que no consolidado contribuem para uma mudança drástica. Hoje vendemos mais do que antes, mas com um mix totalmente diferente de canais de venda, que agora são mais modernos e de baixo custo. O custo de aquisição de clientes caiu 40% em um ano. Isso é reflexo de inúmeras iniciativas e da empresa trabalhando junto em prol de objetivos do negócio, com essa ambição de ser diferente.

O setor de telecom não é tão bem quisto pelos usuários em geral, porque no passado teve práticas que não levavam em conta a satisfação do cliente, com metas financeiras de curto prazo. O sucesso de uma empresa passa por ter clientes felizes, que gostem da sua marca, do atendimento, dos planos, do contato no momento de compra etc. Cliente satisfeito é pré-requisito de sucesso. Setor herdou práticas dos tempos em que era um monopólio e havia demanda reprimida. Com a maturidade do setor, certas políticas não fazem mais sentido e a Nextel está rompendo com elas.

O NPS da Nextel aumentou?

Sim, em setembro era de 33 pontos, o maior dentre os concorrentes. O maior em pós-pago do Brasil. Não é coincidência ter aumentado o NPS e caído o churn. O cliente que é detrator, que dá nota 6 ou menos, tem churn quatro vezes mais alto que o cliente que é promotor. Existe correlação entre as duas métricas.

A empresa promoveu alterações em seu atendimento ao consumidor?

Fizemos uma grande internalização das áreas mais críticas de atendimento, o que abrange toda a parte de segundo nível e de retenção, que chamamos de “conte comigo”. Antes a retenção era uma fábrica de descontos, como se todo problema do cliente fosse preço. Mas nem sempre é assim. Às vezes é outro tipo de problema e a empresa precisa de outro perfil de profissional para ajudá-lo.

Adotamos uma URA de nova geração, toda digital. A antiga tinha 256 caminhos, agora são 25. A URA antiga era limitada e qualquer mexida era trabalhosa e arriscada. Agora temos arquitetura mais robusta e flexível. Reduzimos os detratores da URA para menos da metade. A URA é vital para os clientes. Lançamos semanalmente features novas na URA, o que antes levava meses. A URA foi reconstruída pelo nosso time interno.

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Roberto Rittes, CEO da Nextel

Em junho você declarou que o foco da Nextel é a classe C. Em vez de atirar para todo lado, a operadora decidiu segmentar a sua abordagem. Isso tem dado certo? O foco continua o mesmo?

Sim, e os bons resultados de vendas do terceiro trimestre demonstram isso. Temos um orçamento de marketing menor que o dos concorrentes e essa estratégia anterior de atirar para todos os lados se mostrava ineficiente. Agora a gente é um sniper. Antes usávamos metralhadora. Agora temos clareza de quem é o nosso cliente e fazemos ações focadas nele. Esses clientes estão em bairros que são esquecidos pelas outras empresas, que preferem focar nas áreas mais nobres da cidade. Conseguimos ser relevantes, dar destaque à nossa marca e ajudar essas comunidades. Temos foco na massa trabalhadora e queremos ter papel diferente na vida dessas comunidades e indivíduos, ajudando-os na vida difícil que levam. Nosso papel é agilizar a vida dessa turma, desde SVAs, com foco menos em entretenimento e mais em ferramentas para as pessoas crescerem e evoluírem, até mais suporte à comunidade em eventos de bairro. Definimos áreas dentro de cada cidade onde queremos ser líderes.

A adoção de um cardápio de SVAs em que o consumidor tem liberdade de escolher quais quer acessar a cada mês foi uma inovação nesse setor. Como surgiu essa ideia?

Foi uma ideia do time. Dentro desse posicionamento de focar na massa trabalhadora e não ter só entretenimento e ajudar essas pessoas a prosperar, tivemos várias discussões do que o cliente queria, quais SVAs teriam melhor encaixe etc. E certa hora nos perguntamos: por que não deixá-los escolherem?

Como vê a evolução dos planos de serviços móveis no Brasil?

Antigamente havia muita customização de planos, para ligações VC3, LDI etc. Hoje o produto padrão de telecom é chamadas e SMS ilimitados e uma certa quantidade de Gigabytes. O problema é que a indústria ainda tem um pouco de ranço da excessiva complexidade dos planos do passado. Então a maioria das operadoras criou zero rating para determinados apps, mas estes mudam de acordo com o plano. Têm franquia de dados principal e franquia de dados de streaming. É difícil de entender e difícil de vender. O setor está indo na contramão, trazendo a complexidade que havia no mundo de voz para o mundo de dados. A Nextel tem apenas três planos, com as mesmas features, só mudam as franquias de dados. É muito mais simples.

Falando em complexidade nos planos, vários dos seus concorrentes oferecem pacotes convergentes, que combinam telefonia fixa, móvel, banda larga e TV por assinatura. A Nextel não tem isso. É uma desvantagem competitiva para vocês?

A convergência claramente ajuda. Mas vale lembrar que quando o quadplay se materializou de verdade, o telefone fixo morreu. E aí se concretizou como triple play, na prática. A longo prazo será double play: banda larga fixa e móvel. Paytv está perdendo relevância. Ainda assim entendemos que convergência ajuda muito. Os clientes que têm mais de um serviço tem churn menor. Mas tem várias operadoras no mundo que são bem sucedidas sendo puramente móveis. Temos que trabalhar mais duro e sermos mais competentes para termos um produto competitivo.  Nos tempos do on-net e do offnet, havia um efeito: cada família ficava toda na mesma operadora. Hoje em dia isso acontece menos. Temos mais liberdade de escolha. Uma família agora pode se dividir em operadoras diferentes.

Como está o processo de refarming de 2,1 GHz para 4G na Nextel?

Começamos no terceiro trimestre deste ano com foco em Santos e Campinas. Melhoramos o NPS em Santos por conta disso. Nosso foco de investimento vai ser no refarmning, para levar mais 4G onde estávamos só com 3G.  Hoje, já temos mais tráfego de dados em 4G que em 3G.

Decidiram o que fazer com a faixa de 800 MHz que era usada para iDen?

Há pouquíssimos aparelhos compatíveis com a banda 27, só no high end. Chegamos a olhar alguns cenários alternativos, como IoT e banda larga fixa. Nosso foco agora é ver com os fornecedores para viabilizarem a incorporação dessa frequência nos aparelhos. Se isso acontecer, vamos usar a faixa de 800 MHz no SMP.

Algumas operadoras entendem que seria prematuro realizar o leilão de 5G no ano que vem. Qual a sua opinião?

Concordo que ano que vem é cedo para o 5G. O 4G começou na Copa em 2014, mas de fato foi nos últimos dois anos que chegou de verdade. É uma tecnologia muito robusta, que atende plenamente a necessidade de dados do cliente. É muito cedo para 5G, tem muita água para rolar no 4G ainda.

Qual seria o melhor modelo para o leilão no futuro?

O 5G requer um plano de negócios difícil do ponto de vista financeiro no mundo todo. E quando se olha as particularidades do Brasil, como tributação e custo de operação, se torna ainda mais complexo. Essa discussão está havendo em vários países do mundo. Qual é o objetivo do leilão: viabilizar o serviço ou arrecadar dinheiro? Por sermos operadora que precisa gerar fluxo de caixa, talvez a gente sinta mais a dificuldade no economics. Deveria focar na viabilização do serviço e que olhasse todas as operadoras presentes. Na Itália, leiloaram duas licenças com muito mais espectro que outras duas seguintes, de forma que quem ficasse com as menores ficaria prejudicado. O formato do leilão deveria considerar a migração tecnológica para todos os players e não ser um funil para só uma parte das operadoras.

Mas a Nextel teria interesse em comprar espectro para 5G então?

Temos uma questão financeira complexa. Vai depender do plano de negócios, mas claro que queremos continuar evoluindo com a tecnologia. Em algum momento daqui a alguns anos o 5G será relevante. Mas tudo vai depender da situação da Nextel e das regras do leilão. Quanto mais longe o leilão, melhor para a gente.

A Nextel vai adotar VoLTE?

O IMS está no nosso roadmap de tecnologia. Estamos analisando. Uma das variáveis que atrapalha é a falta de handsets compatíveis. Seria ótimo ter uma rede pura 4G, com voz e dados sendo transmitidos inteiramente em LTE, mas precisaríamos ter 100% dos handsets compatíveis. No curto prazo não vamos atingir isso e seguiremos com fall back.

Quando seria viável ter VoLTE na Nextel?

Pensamos em fazer este ano, mas acabamos postergando. VoLTE é o futuro, a dúvida é se iremos agora ou se esperaremos.

E RCS? Está nos planos da Nextel

Sim, tanto a plataforma do Google quanto a da Apple. O SMS foi produto que ficou para trás. Estamos conversando com todos. Queremos ser uma das primeiras operadoras a lançar RCS no Brasil.

Qual a estratégia da Nextel para MVNOs?

Temos conversas com algumas MVNOs. O setor como um todo gasta muito para trazer clientes. Se houver um meio mais eficiente de aquisição de clientes, isso ajudaria a remunerar o custo de rede. Portanto, o modelo de MVNO tem seu mérito. Estamos conversando com algumas MVNOs. Está nos nossos planos ter alguma na rede da Nextel em 2019. Mas como hospedeiro que tem rede apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro, somos parte de uma solução, pois em geral essas operações têm ambição nacional, o que nos prejudica um pouco. Por outro lado, temos um modelo de gestão de rede e de relacionamento com parceiros que pode agradar às MVNOs, pois estas têm dificuldade de ter suas necessidades priorizadas dentro de uma operadora grande. Por sermos menores e centrados no consumidor, temos o DNA correto para sermos parceiros dessa novas MVNOs.

O que precisa mudar no setor de telecom brasileiro?

Tem tantos serviços bacanas que estão crescendo e conquistando o coração e o bolso dos assinantes, enquanto telecom reclama que eles são “free riders”. Eu tenho uma visão diferente: se o usuário paga pelo seu plano de dados ele é livre para usar como quiser. Telecom precisa romper com tudo isso e embarcar em uma nova organização e novos produtos. A precificação está muito presa a um modelo tradicional de telecom, que é um modelo que gera clientes insatisfeitos, alto churn, competição predatória.

A Nextel é a quinta operadora nas regiões onde atua. Nesta semana, Mobile Time noticiou que começou a construção de uma sexta rede 4G em São Paulo, da Surf Telecom.

Claramente é infraestrutura demais: seis prestadoras de serviço, com seis infraestruturas físicas, uma em cima da outra. É muito ineficiente. Uma das cosias que a indústria precisa é de mais compartilhamento de infraestrutura.

 

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