Em entrevistas aos canais de TV BBC e CBS na última terça-feira, 19, o CEO e fundador da Huawei, Ren Zhengfei, defendeu a empresa e seus executivos das acusações do governo norte-americano. O executivo negou práticas de espionagem e envolvimento com o governo chinês e foi categórico ao afirmar que a companhia responderá a tudo nos tribunais. Mas um dos recados principais foi o de que os Estados Unidos não representam o mundo inteiro e que não podem derrubar a empresa, lembrando que a fornecedora não depende do país, onde já não atua em infraestrutura de telecomunicações. Por outro lado, afirma que o mundo, sim, precisará da Huawei para modernizar as redes para as novas tecnologias, como 5G.

Zhengfei diz que as acusações e a investigação dos EUA deverão seguir o procedimento normal da lei, e que confia na legislação norte-americana e na aplicação das regras. Ele preferiu deixar para o tribunal a defesa frente às acusações de fraude financeira por meio de uma subsidiária. Da mesma forma, também prefere responder na justiça as alegações de espionagem industrial – o departamento de justiça norte-americano (DoJ) afirma que emails trocados entre funcionários da fornecedora teriam pedido por protótipos específicos nos Estados Unidos. Mas, segundo o executivo, essas acusações de que a empresa teria roubado tecnologias de empresas como Cisco, Nortel e Motorola são “basicamente marginais”, e ressalta que não são vereditos. Diz que a empresa não se tornou o que é hoje roubando tecnologias norte-americanas, e ressalta contar com mais de 80 mil patentes, 11 mil apenas nos EUA, incluindo tecnologias “muito além” das utilizadas por companhias ocidentais.

Apesar da pressão, ele procurou passar uma imagem inabalada. “Não sinto muita indignação em relação às acusações feitas pelos EUA. São disputas jurídicas em andamento. Apenas deixe a lei tomar o seu devido caminho.” Zhengfei ressalta que não há equipamentos de telecomunicações nos Estados Unidos, mas que isso não resolveu o problema de segurança do país. Assim, acredita que falta base para os norte-americanos aconselharem outros países a não adotarem os produtos da chinesa. Caso a administração Donald Trump consiga influenciar aliados a não utilizarem equipamentos da Huawei, o executivo promete cumprir a exigência, mas ressalta que pode “se mover um pouco mais rápido” nos países que confiarem na empresa. A visão é de que a companhia não tem capacidade para atender a todos os países, então ter uma aceitação gradual pode ser melhor para o desenvolvimento sustentável do negócio. “Os Estados Unidos não representam o mundo inteiro, mas apenas um grupo de pessoas”, declara. “Não tem como os EUA nos derrubarem. O mundo precisa da Huawei porque somos mais avançados.”

O fundador da companhia ironiza ao dizer que, ao fomentar a polêmica, os EUA estão ajudando o mundo a conhecer a empresa. “A Huawei é uma companhia pequena, não somos muito bem conhecidos”, afirma. “Assim, agradecemos ao governo dos EUA por dar publicidade à Huawei.” Segundo ele, em consequência disso a fornecedora tem crescido nas vendas, destacando que a receita em dispositivos tem crescido mensalmente 50% em média. “Quando as pessoas perceberem que a Huawei é uma empresa boa, nossas vendas podem ficar ainda mais fáceis. Não temos dificuldades hoje, e talvez tenhamos um ambiente mais favorável para vender nossos produtos no futuro.”

Na entrevista à CBS, Ren Zhengfei aproveitou também para dar opiniões pessoais a respeito dos representantes do governo dos Estados Unidos. Sobre o presidente Trump, declarou que ele vai “assustar investidores se continuar intimidando outros países e companhias”. Ele alfineta (embora tenha dito não ter sido sarcástico) também o vice-presidente Mike Pence, ao constatar que a declaração de renda do político só apresentava US$ 15 mil em economias pessoais, além de igual quantia para a educação dos dois filhos. “Como um oficial do governo, ele está lutando pela política e seus ideais. Na minha opinião, isso faz dele ótimo.”

Segurança

O executivo reiterou mais uma vez que a Huawei não possui backdoors nos equipamentos e nem está promovendo atividades de espionagem, chegando a afirmar que se descobrisse ou fosse forçado a instalar alguma brecha, “dissolveria a empresa”. Cita ainda as alegações do próprio governo chinês, que declarou nunca ter exigido a instalação de backdoors. “Eu realmente não entendo o que os EUA têm em mente. Se companhias europeias usam o nosso equipamento, então os EUA não poderiam acessar os dados delas porque não conseguiriam entrar. A Europa também requer que os dados não sejam transferidos para outra região, então os EUA não podem ter isso, porque o nosso equipamento não tem backdoors e os EUA não poderão entrar nas redes europeias.”

Ele esclarece também a ligação com o partido comunista Chinês – a Huawei conta com um comitê interno específico da legenda. Ren Zhengfei diz que é um requerimento da legislação chinesa, e que outras empresas estrangeiras, como Motorola, IBM e Coca-Cola, fazem o mesmo. “A organização do partido na Huawei apenas educa os funcionários [ao encorajar práticas trabalhistas e de bem-estar]; não está envolvida em qualquer decisão de negócios.” O fundador da fornecedora diz que a empresa não se envolve com políticas, alegando nunca ter sabido de incidentes de “desaparecimento” de pessoas promovido pelo partido comunista e nem ter recebido propinas, ressaltando que a China sabe que para suas empresas se tornarem globais, não podem infringir leis internacionais. Também ressalta que o governo chinês tem promovido abertura política nas últimas décadas, e que a empresa aprendeu com isso. “Se você visitar a Huawei hoje, talvez sinta que é mais como uma companhia ocidental do que chinesa.” Ele explica que a norte-americana KPMG é a auditora dos balanços financeiros da empresa, e que ela constata que a Huawei não recebe subsídios do governo chinês.

As conexões com os militares também são refutadas. Zhengfei justifica que sua filha e CFO da Huawei, Meng Wanzhou, estava no Canadá (onde foi detida) com um passaporte comumente liberado para funcionários de estatais ou do próprio governo chinês basicamente porque, no processo de abertura da China, era esse tipo de documento que era emitido – não havia passaportes para cidadãos comuns. Já não seria o caso agora, mas ela ainda teria que andar com o documento antigo por causa de vistos. Em relação a chairwoman Madam Sun Yafang, que teria trabalhado em serviços de inteligência no Ministério da Segurança de Estado da China, o executivo apenas diz que a Huawei tem 180 mil funcionários vindos de vários ambientes, e que não pode dizer que só tem pessoas com “histórico impecável”, mas que assegura pela integridade do comportamento atual.

O próprio envolvimento da herdeira Wanzhou em uma suposta guerra comercial entre Estados Unidos e China é refutado. Segundo o fundador da Huawei, apenas Donald Trump relacionou a prisão da filha dele ao aspecto geopolítico. “Não acho que a Huawei tenha algo a ver a guerra de comércio China-EUA. A luta entre os dois países é intensa, mas nossa receita de vendas tem crescido rapidamente. Na minha opinião, essa guerra não teve impacto para nós.” Ele garante, contudo, que Wanzhou não será sucessora dele como CEO na empresa, uma vez que ela não teria a bagagem técnica ou a característica de liderança (ela é especializada em finanças). A executiva está em prisão domiciliar no Canadá, aguardando julgamento. Em seu tempo em reclusão, estuda em cursos online e se comunica com colegas da companhia sobre questões estratégicas.

Operação

Um ponto importante que o CEO destaca está na possibilidade de investimentos e a blindagem que uma companhia de capital fechado detém. Segundo o executivo, a Huawei investe de US$ 15 a US$ 20 bilhões anuais em P&D, enquanto companhias de capital aberto precisam privilegiar o lucro e o preço das ações. “Não somos uma companhia de capital aberto, então não temos que nos preocupar com flutuações e com balancetes. Se fossemos abertos, estar preso a uma tempestade de opinião pública como a de hoje certamente faria nossas ações despencarem”, considera. Diz ainda que, sem essa independência financeira, não poderia operar em países menos desenvolvidos, onde não há retorno.

A previsão da companhia é que, em cinco anos, a receita com vendas ultrapasse os US$ 250 bilhões. “Dúvidas com os EUA não estão fazendo nosso mercado encolher, pelo contrário”. Ele considera inclusive o aumento de preços em decorrência de um eventual banimento em alguns países.

Zhengfei disse também que investirá US$ 100 bilhões para reestruturar toda a rede no Reino Unido nos próximos cinco anos, para entrar em conformidade com as requisições do governo britânico. Com isso, deverá imputar níveis de segurança interna e externa compatíveis com a política da lei geral de proteção de dados europeia (GDPR). O Reino Unido é onde a Huawei mais investe na Europa, segundo o executivo.

 

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