O Google anunciou no último domingo, 19, a rescisão da licença da Huawei para uso do sistema operacional Android. A empresa norte-americana vai suspender o acesso a atualizações de seu OS em novos aparelhos da chinesa. O gigante das buscas disse que os usuários de smartphones da Huawei poderão continuar a usar e baixar atualizações de aplicativos, mas a próxima versão dos smartphones do fornecedor não terá mais acesso aos aplicativos e serviços, disse a Reuters, primeira a informar sobre o caso. Um representante disse à agência de notícias: “Estamos cumprindo a ordem e analisando as implicações.” A notícia é consequência da declaração estado de emergência nacional do governo Trump na semana passada.
Os usuários atuais poderão usar a loja de aplicativos do Android, a Google Play, assim como o Google Play Protect, detector de malware integrado que usa aprendizado de máquina para identificar e eliminar aplicativos perigosos.
Tom Warren, editor sênior do site The Verge, escreveu em um tweet que o Android dos celulares da Huawei não é de código aberto. “Sim, há o AOSP [Android Open Source Project], mas ninguém fora da China o usa, e todos dependem da Google Play Store e das muitas APIs que o Google está migrando do AOSP para o Play Services. A guerra comercial vai ficar confusa”.
Resposta
A Huawei enviou seu posicionamento sobre a suspensão do contrato com o Google. De acordo com a empresa, a chinesa é um dos principais parceiros globais do Android, continuará trabalhando de perto com a plataforma de código aberto para desenvolver o ecossistema e fornecerá atualizações de segurança e serviços de pós-venda “para todos os produtos Huawei, cobrindo todos aqueles que já foram vendidos ou ainda estão em estoque.”
Confira o posicionamento na íntegra:
A Huawei tem feito contribuições substanciais para o desenvolvimento e crescimento do Android em todo o mundo. Como um dos principais parceiros globais do Android, trabalhamos de perto com a plataforma de código aberto para desenvolver um ecossistema que tem beneficiado tanto usuários quanto o setor. A Huawei continuará a fornecer atualizações de segurança e serviços de pós-venda para todos os produtos Huawei, cobrindo todos aqueles que já foram vendidos ou ainda estão em estoque. Continuaremos empenhados em construir um ecossistema de software seguro e sustentável, a fim de fornecer a melhor experiência para todos os nossos usuários globalmente.
Efeitos
Um especialista do mercado de dispositivos móveis apontou para uma série de problemas no ecossistema mobile brasileiro, e mundial, em consequência da decisão do governo norte-americano em colocar a Huawei numa lista negra. O primeiro deles é na relação do Google com as fabricantes de smartphones. Embora seja uma decisão governamental que o Google precisou acatar, a ação de banir parte do acesso da Huawei ao OS pode danificar a imagem do Google perante seus parceiros. Algo que pode permitir uma nova corrida das companhias rumo a sistemas operacionais proprietários, em detrimento do Android.
“O foco é Huawei hoje. Mas o Google Android representa de 80% a 90% do mercado. Todo mercado de fato começa a sentir a retaliação que o Trump fez. Acredito que as fabricantes podem apostar em suas próprias soluções: a Samsung com o Tizen e a Xiaomi com a MI, por exemplo. Em smartwatch isso já acontece há um bom tempo, Huawei, Xiaomi, Garmin, Samsung, já lançam relógios sem o Google”, disse o executivo que preferiu não ser identificado. “Até que ponto todo esse ecossistema (dispositivo, UI, OS) não impacta o preço do consumidor final? Estamos em um momento de aumento por mais câmeras e por outras melhorias nos aparelhos”.
Outra questão é que, assim como Samsung e Xiaomi, a Huawei também vem se preparando para lançar o seu próprio sistema operacional que pode sair no seu próximo handset, o Mate X. Além disso, a companhia chinesa estava trabalhando com o cenário de proibição de acesso ao Android, e pode ter acesso às funções do sistema operacional via Android Open Source, o programa aberto do Google. Contudo, a atualização nesse programa é mais lenta do que a relação direta entre Google e fabricantes, o que atrasaria lançamentos de novos smartphones da Huawei.
O especialista lembrou que a Huawei está em um momento de crescimento mundial com o objetivo de se tornar a líder do mercado de smartphones em 2020, focando em passar Samsung e Apple através da expansão para países emergentes com Índia e Brasil. Ressaltou que, embora cause impacto ao consumidor premium brasileiro, que tem acesso às notícias, a ação de Trump pode ser uma oportunidade para a fabricante alcançar outros públicos.
“Os consumidores que aderiram à marca Huawei no Brasil são mais ligados à informação do mercado. Eles buscam dados em sites e canais especializados. Eles também têm acesso a essas informações políticas. Ou seja, ela bate de frente com o consumidor premium”, explicou a fonte. “Por outro lado, isto pode ser benéfico para a Huawei, pois eles não têm grande visibilidade no mercado local. Poderia fazer uma estratégia para reverter essa situação, como dizer algo como ‘estamos chegando no mercado com um OS próprio e novo'”.
Vendas globais
A briga pelo segundo lugar nas vendas globais de smartphones anda acirrada entre Apple e Huawei. Mantendo a primeira posição em vendas ao varejo, a Samsung terminou o primeiro trimestre de 2019 com 71,9 milhões de celulares enviados ao mercado, ficando com 23,1% de fatia do mercado de handsets. Já a Huawei, agora novamente em segundo, registrou 59,1 milhões, ou 19% do market share, de acordo com a última pesquisa da IDC. Já a Apple acabou se distanciando e enviou ao varejo 36,4 milhões de smartphones, chegando a 11,7% do market share.
De acordo com a Gartner, a Huawei vendeu 202,901 milhões de smartphones em todo o mundo em 2018 e ficou em terceiro lugar em número de vendas. Já a Apple vendeu um pouco mais: 209,048 milhões. Em primeiro lugar, e longe de ser ameaçada, está a Samsung, com 295,043 milhões de celulares enviados ao varejo em 2018.
O site Statista montou um gráfico sobre o crescimento da Huawei no mundo. Em 2010, a chinesa tinha apenas 1,5% de fatia de mercado global de smartphones. Seis anos depois, cresceu para 8,9% e, em 2018 terminou o ano com 13% do market share. Essa rápida ascensão pode estar ameaçada depois do banimento da Google.
Reação
Também ouvido por Mobile Time, Renato Meirelles, analista de mercado mobile e devices da IDC no Brasil, alertou que a ação do presidente Donald Trump atinge inicialmente o crescimento do mercado chinês, mas pode afetar as empresas norte-americanas. Em sua visão, se a guerra comercial escalar, vai haver um aumento das alíquotas chinesas sobre as compras americanas.
Em contrapartida, o analista da IDC espera que um dos lados possa ceder nesta guerra comercial. Para isso, frisou que é necessário um esforço de todo ecossistema mobile norte-americano para mostrar o prejuízo que a ação impetrada por Trump pode fazer à economia dos EUA e do resto do planeta.
Análise
O anúncio pode ser um grande revés para a Huawei e deve, efetivamente, causar sérios danos em seu negócio de vendas de smartphones. Vale lembrar que a chinesa acabou de voltar ao Brasil e lançou recentemente dois modelos de celulares: o P30 Pro, grande atração e forte concorrente do iPhone XS, e o P30 Lite.
Embora a Huawei não possa ser proibida de usar a versão open source do Android para criar seu próprio sistema operacional baseado no código Android, a empresa, em um futuro não muito distante, deixará de ter acesso à Play Store do Google e à sua popular linha de aplicativos (o que inclui YouTube, Gmail, Google Maps entre outros). Isso limitaria severamente o apelo dos dispositivos Huawei, especialmente para clientes fora da China, onde a maioria dos serviços do Google já são banidos de qualquer maneira.