O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) entrou de vez na polêmica existente sobre a legalidade do Uber e instaurou processo administrativo para investigar condutas anticompetitivas praticadas por taxistas e entidades representativas da categoria que teriam se utilizado de meios abusivos para excluir e barrar a entrada do aplicativo no mercado de transporte individual remunerado. A investigação teve início a partir de denúncia apresentada pela empresa Uber do Brasil, pelo Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília e pelo Diretório Central dos Estudantes do Centro Universitário de Brasília.
Os desafios regulatórios e competitivos de aplicativos que atuam no mercado de economia compartilhada, como o Uber, serão objeto de discussão durante o Seminário Internacional ABDTIC, que acontece dias 30 de novembro e 1 de dezembro, no WTC, em São Paulo. Sobre esta questão, fará uma apresentação o economista chefe do Cade, Luiz Esteves, e participam ainda do debate André Dutra, Assessor Especial da Secretaria de Estado de Mobilidade do Distrito Federal (um dos responsáveis pelo trabalho de elaboração de um projeto de lei que pretende regulamentar o assunto no GDF – ProjetoUber_GDF); Ana Carolina Pellegrini Monteiro, Senior Legal Counsel do Uber; e Luiz Roberto Peroba, Diretor da ABDTIC. A ABDTIC é a associação brasileira de direito das tecnologias da informação e da comunicação. Mais informações sobre a programação do seminário estão disponíveis no site do evento.
O processo
Para a Superintendência-Geral do Cade, enquanto a atual controvérsia jurídica acerca da legalidade da Uber não for esclarecida pelos poderes da República, a empresa deve ser considerada uma concorrente como qualquer outra e não pode ser alvo de condutas anticompetitivas previstas na Lei de Defesa da Concorrência.
Em instrução preliminar, a superintendência verificou, até o momento, suposto abuso de direito de petição em três ações judiciais movidas por representantes da categoria de táxis – conduta internacionalmente conhecida como sham litigation. Essas ações apresentaram o mesmo objeto e foram ajuizadas em diferentes foros, possivelmente para burlar as regras judiciais de distribuição e julgamento com o objetivo de dificultar a defesa da Uber e de obter decisão favorável contra a empresa. Nos processos judiciais analisados pela superintendência, inclusive, o Poder Judiciário considerou que os autores da ação poderiam estar incorrendo em litigância de má-fé.
O órgão antitruste identificou ainda que há evidências de que alguns taxistas teriam empregado violência e grave ameaça contra motoristas da Uber e passageiros usuários dos serviços do aplicativo. Essas ações teriam gerado um clima real de ameaça à atuação de rivais, o que poderia causar efeitos anticoncorrenciais de obstrução da entrada e do desenvolvimento da empresa no mercado, além de limitar a escolha dos consumidores. Os indícios sugerem que algumas entidades representativas dos táxis e seus dirigentes teriam contribuído de maneira relevante para a prática dessas condutas.
A Superintendência-Geral não acatou, contudo, a parte da denúncia que argumentava que a categoria de táxis estaria exercendo pressão abusiva sobre autoridades públicas para aprovar leis com intuito de barrar a entrada da empresa no mercado de transporte individual remunerado. Foram consideradas concorrencialmente legítimos, até o momento, as ações de taxistas no sentido de pleitear seus interesses junto ao poder público.
Estão sendo investigados no processo administrativo o Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores nas Empresas de Táxi no Estado de São Paulo (Simtetaxis-SP); o Sindicato dos Permissionários de Taxi e Motoristas Auxiliares do Distrito Federal (Sinpetaxi-DF); a Associação Boa Vista de Táxi (Ponto 1813), bem como o presidente dessa entidade, José Renan de Freitas; o Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo (Sinditaxi-SP) e o seu presidente, Natalício Bezerra Silva; o Sindicato Intermunicipal dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários, Taxistas e Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens de Minas Gerais (Sincavir-MG) e seu presidente, Ricardo Luiz Faedda; o Sindicato dos Taxistas do Distrito Federal (Sindicavir); e a Associação de Assistência aos Motoristas de Táxi do Brasil (Aamotab) e seu presidente, André de Oliveira.
Com a instauração do processo, os representados serão notificados para apresentar defesa. Ao final da instrução, a Superintendência-Geral emitirá parecer opinando pela condenação ou pelo arquivamento do processo, e enviará o caso para julgamento final pelo Tribunal do Cade.
Também nesta sexta-feira, 20, o Cade arquivou a denúncia da Associação Boa Vista de Táxi – Ponto 1813 contra a Uber, apresentada ao órgão em maio deste ano. Segundo a associação, a empresa estaria supostamente praticando concorrência desleal ao prestar o serviço de táxi de maneira irregular, atentando contra as legislações de trânsito, transporte e consumo. No entanto, o órgão considerou que a análise dessa controvérsia não é de competência do Cade, pois não diz respeito a nenhuma conduta anticompetitiva estabelecida pela lei antitruste (Lei nº 12.529/11). Seria competência do Legislativo, das autoridades regulatórias e do Judiciário avaliar os questionamentos de legalidade ou ilegalidade da Uber, bem como os argumentos de assimetria regulatória. Ao Cade cabe punir práticas que prejudiquem a concorrência e os consumidores, o que, no entendimento da Superintendência, não seria o caso, dado que o ingresso de um novo rival tende a ser pró-competitivo e benéfico aos consumidores.
Da decisão de arquivamento cabe recurso ao superintendente-geral do Cade, no prazo de cinco dias.
Representação
Ainda nesta sexta-feira, a superintendência instaurou inquérito administrativo para apurar representação da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados contra o Uber , enviada ao Cade neste mês. Segundo a CDC, o Uber estaria empregando meios ilícitos na tentativa de dominar o mercado de transporte individual remunerado. Isso já estaria acontecendo em cidades dos Estados Unidos, onde a companhia opera há mais tempo.
Com as discussões no Judiciário sobre a legalidade do aplicativo, o Cade requereu seu ingresso na qualidade de amicus curiae em ações de inconstitucionalidade movidas pelo Uber em São Paulo e no Rio de Janeiro.