A decisão do Netflix de adotar um modelo de negócios baseado em publicidade é um passo importante na abertura de serviços de assinatura de streaming de vídeo sob demanda para anunciantes. O tema desperta o interesse de toda a indústria de publicidade digital e gera reflexões sobre o seu impacto, aponta Mark Yackanich, presidente e COO da DigitalReef, companhia que atua com oferta de publicidade via OTTs e TVs conectadas.
“De forma generalista, o mercado olha para como reter a atenção do usuário. Isso significa o tempo que a pessoa gasta em uma plataforma, ou seja, o foco dessa pessoa enquanto assiste. E os anunciantes [que têm o dinheiro] vão procurar por essa atenção da pessoa e oferecer publicidade, especialmente quando é de alta qualidade. E não existe melhor forma de reter a atenção que conteúdo de TV, longo, médio ou curto”, diz o executivo. “Não importa se é do lado da publicidade, plataforma de tecnologia, operadoras ou agência de publicidade, todos nós estamos olhando como capitalizar e monetizar com isso”, completa.
Yackanich conta que essa nova dinâmica ajudará a democratizar a forma como o conteúdo é produzido e como ele é disponibilizado para o consumidor. Por exemplo, o executivo lembra que, dez anos antes, uma produtora de médio ou pequeno porte tinha dificuldades para alcançar o mercado de TV tradicional (linear). Hoje, ela pode ser distribuída via apps.
“Esse novo mercado traz o melhor da TV em termos de conteúdo e alcance com o melhor do mundo digital – que é fazer auditoria, segmentação e medição de audiência. Tudo isso é o que as marcas e agências desejam. E quanto mais conteúdo nós pudermos trazer para esse ecossistema, melhor para a audiência, para as marcas e agências”, acredita Yackanich.
O COO da DigitalReef conta que o mais interessante nesta mudança de mercado – com a tecnologia chegando mais perto do comportamento do consumidor – é a alteração na cadeia tradicional de valor de “como o conteúdo é monetizado e distribuído”. Na visão do executivo, os produtores de conteúdo terão mais possibilidade de distribuir seus materiais em mais plataformas, como e-commerces.
“Todo mundo que agrega audiência pode agregar conteúdo. E pode monetizar com esse conteúdo. Isso pode ser feito com fabricantes de smartphones, operadoras ou um agregador de conteúdo (vMVPDs, como Roku e Google TV)”, diz o executivo que foi um dos criadores do Hulu e teve passagem recente pela NBC.
Lado do streaming
Por outro lado, Desiree Caterini, head de desenvolvimento de vendas na Rakuten Advertising, explica que marcas e empresas que aderem à publicidade no streaming precisam entender como “personalizar a comunicação” da sua audiência para “conversar com esse momento de lazer dos usuários” e trazer “o engajamento de marca”. Com uma plataforma própria de streaming em sua empresa, a Rakuten Viki, a executiva afirma que falta uma evangelização no mercado sobre o potencial do streaming. Ou seja, as agências de mídia e empresas veem o streaming como um canal dentro de seus planos de mídia.
“Quando falamos de plataforma SVOD (vídeo sob demanda com assinatura), a compra de mídia não é igual a compra de AVOD (vídeo sob demanda baseado em publicidade). Em SVOD precisa ser patrocínio (sponsorship) e é extremamente burocrático. No AVOD, o modelo é similar ao comercial da TV linear, a diferença é que você está dentro de um streaming e sabe quem é a audiência. Tem mais dados que o SVOD”, explica.
Caterini reconhece que o novo modelo de negócios da Netflix baseado em publicidade trouxe um fervor para o mercado, uma vez que a empresa é a líder no segmento de streaming. Porém, a executiva acredita que o novo modelo da Netflix ”não vai funcionar como uma plataforma de AVOD” para os anunciantes, pois o usuário é obrigado a pagar uma mensalidade, mais barata e condicionada à publicidade.
“A Netflix está fazendo um modelo diferente do que o AVOD oferece. O vídeo sob demanda baseado em publicidade oferece a monetização de inventário para marcas, porém atrelado a uma audiência extremamente qualificada que não está pagando uma mensalidade para consumir o conteúdo na plataforma”, prevê a especialista.
Caterini acredita ainda que o vídeo sob demanda baseado em publicidade (AVOD) e as plataformas de streaming grandes (como a própria Netflix, Disney+, HBO Max…) com mais apelo ao consumidor têm uma oportunidade de crescer. Isso ante a dinâmica da inflação global com muitas empresas perdendo assinantes e volume de horas gastas na plataforma.
Em uma pesquisa interna, a Rakuten descobriu que 25% das pessoas que são atingidas por publicidade no streaming estão mais inclinadas a comprar depois, na comparação com outros canais de mídia (como as redes sociais). Atualmente, a companhia tem 4,7 milhões de usuários ativos mensais (MAUs) não pagantes do Viki no Brasil, sendo o País a segunda região mais importante para a companhia no mundo.
Fornecedor
Para Christian Cores, vice-presidente sênior de vendas para a América Latina do IMS Group, o contexto no mercado foi agravado pela invasão da Rússia na Ucrânia, uma vez que grande parte das operações foram afetadas de algum modo, como a saída de empresas da Rússia (o caso da própria Netflix), além da inflação global.
Neste cenário, o IMS Group quer estreitar parcerias no setor de streaming e TV conectada para aumentar o seu inventário de mídia e ficar mais próximo do consumidor: “No próprio streaming e no VoD (vídeo sob demanda), há bastante espaço para crescimento. Ainda não temos um sucesso neste setor, mas tentaremos trazer mais marcas e parceiros”, diz.
“Estamos falando o tempo todo sobre parcerias. Já tentamos fazer ações com a Pluto TV (serviço gratuito da Paramount) e continuaremos tentando na região e nos outros 90 países em que atuamos”, completa. “Tudo o que reflete o comportamento do consumidor, precisamos fazer. Precisa estender as tecnologias, os serviços e as plataformas. Nos mercados emergentes, se a audiência está lá (no streaming), nós queremos estar juntos”, afirma.