A criptografia deveria ser um direito, pois é uma ferramenta de segurança que garante privacidade no mundo digital. Essa foi a principal mensagem passada por especialistas convidados a participar do Dia Global da Criptografia, organizado pela Global Encryption Coalition.
“A criptografia protege os mais vulneráveis da nossa sociedade. Sem criptografia perdemos a nossa humanidade”, argumentou Matt Mitchell, pesquisador de tecnologia na Fundação Ford e fundador da CryptoHarlem, durante coletiva promovida pela coalizão, nesta quinta-feira, 21.
“Temos direito à criptografia”, acrescentou Lisa Dittmer, advocacy officer pela liberdade na Internet da organização Repórteres sem Fronteiras. Ela ressaltou a importância dessa tecnologia para o exercício do jornalismo. “Jornalistas têm que garantir o sigilo das fontes. E às vezes a vida das pessoas depende disso. O Panama Papers aconteceu graças a uma fonte anônima, que falou através de um chat criptografado, e que permanece anônima até agora”, exemplificou.
Ameaças
A criptografia está sob ameaça mundo afora em diversas frentes. A mais recente é a criação de leis que enfraquecem a proteção de dados, abrindo espaço para que a comunicação entre pessoas seja rastreada. Um dos exemplos mais emblemáticos é o da Índia. No Brasil, há projetos de lei nesse sentido, como o PL das Fake News, cujo risco já foi explicado pelo ITS Rio.
“Tais propostas comprometem a segurança de todos nós, especialmente no nosso contexto (brasileiro), em que o governo guarda registros de seus oponentes e rastreia jornalistas e ativistas”, comentou Luiza Brandão, do IRIS-BH.
Também presente na coletiva, Edward Snowden alertou que muitos governos, mesmo aqueles democráticos, trabalham pelo enfraquecimento da criptografia, promovendo um falso antagonismo entre privacidade e segurança pública. Não raro, promovem até a implementação de vulnerabilidades em equipamentos de comunicação para terem acesso aos dados dos cidadãos, vide o caso da NSA denunciado por ele em 2013. Além disso, se um governo consegue hackear um dispositivo de um cidadão, na prática obtém acesso às suas comunicações criptografadas, pois passa a ter a chave de acesso.
Snowden também apontou para outra ameaça à criptografia: a centralização de serviços nas mãos de big techs. Embora ofereçam, sim, criptografia para a comunicação de dados com seus servidores, elas mantêm uma chave de acesso, o que significa um risco.
“O problema de privacidade que enfrentamos é a intermediação em tudo o que fazemos. Há uma instituição ou empresa no meio de tudo o que você faz, seja o que você escreve, suas compras no mercado, o pagamento que você faz etc. Até se você usar dinheiro eles podem perceber que é você, porque seu comportamento é único, tal como seus movimentos e onde você dorme de noite são únicos. Não se consegue anonimizar a atividade humana em escala”, disse Snowden. “Se temos nossas vidas catalogadas por esses intermediários, dos quais dependemos, temos que ter meios de nos proteger deles. Hoje pedem que a gente confie neles. Mas confiança é uma vulnerabilidade. E a confiança é consistentemente explorada por corporações e pelas forças da lei”, advertiu Snowden.