A Unesco está promovendo nesta semana a conferência Internet for Trust, que debate a definição de diretrizes para a regulamentação de plataformas digitais de informação como bem público. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, convidado para participar, enviou uma carta no último sábado, 18, que foi divulgada somente nesta quarta-feira, 22, a Audrey Azoulay, diretora-geral da Unesco, agradecendo o convite, mas, sobretudo, reforçando sua opinião por uma regulamentação específica para as big techs, como Meta (dona de Instagram, Facebook e WhatsApp), Google e Apple.

Em seu texto, Lula fala da importância das plataformas digitais, em suas diferentes modalidades, como parte fundamental do “nosso dia-a-dia”, na forma das pessoas se comunicarem, se relacionarem e consumirem. Lembra que difundem conhecimento, facilitam o comércio, aumentam a produtividade, além de ampliarem a oferta de serviços e a circulação de informações.

Porém, de acordo com Lula, as plataformas fazem com que os benefícios sejam “distribuídos de maneira desproporcional entre as pessoas de diferentes níveis de renda, ampliando a desigualdade social. O ambiente digital acarretou a concentração de mercado e de poder nas mãos de poucas empresas e países. Trouxe, também, riscos à democracia. Riscos à convivência civilizada entre as pessoas. Riscos à saúde pública. A disseminação de desinformação durante a pandemia contribuiu para milhares de mortes. Os discursos de ódio fazem vítimas todos os dias. E os mais atingidos são os setores mais vulneráveis de nossas sociedades”.

Lula cita o ataque às sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Brasil por terroristas e vândalos no dia 8 de janeiro, um evento facilitado pelas plataformas, por onde circularam livremente desinformações e mentiras. “Em grande medida, essa campanha foi gestada, organizada e difundida por meio das diversas plataformas digitais e aplicativos de mensagens. Repetiu o mesmo método que já tinha gerado atos de violência em outros lugares do mundo. Isso tem que parar”, escreveu.

E continuou: “A comunidade internacional precisa, desde já, trabalhar para dar respostas efetivas a essa questão desafiadora de nosso tempo. Precisamos de equilíbrio”. O presidente brasileiro menciona a importância de se garantir a liberdade de expressão individual, mas, por outro lado, assegurar “o direito de a sociedade receber informações confiáveis, e não a mentira e a desinformação.”

A carta reforça que a regulação deverá “garantir o exercício de direitos individuais e coletivos”. “Deverá corrigir as distorções de um modelo de negócios que gera lucros explorando os dados pessoais dos usuários.”

Lula pede que a regulação seja feita com transparência e participação social. E no plano internacional deve ser coordenada multilateralmente.

O presidente brasileiro completa dizendo sobre a importância de se reduzir o fosso digital e promover a autonomia dos países em desenvolvimento nessa área. Propõe acesso à Internet para todos, e reforça que educar e fornecer as habilidades necessárias para que as pessoas saibam usar essa ferramenta de forma consciente e cidadã são elementos essenciais.

Repercussões

“Acho importante essa posição do Lula no sentido de tentar conseguir diretrizes mais gerais para todos os países na regulação das plataformas porque a Internet é uma rede e essas plataformas atuam em vários países. De qualquer maneira, cada país precisa de uma regulação própria, assim como estamos no debate do PL 2630”, comenta a advogada especializada em direitos do consumidor e direitos digitais, Flávia Lefèvre.

flavialefevre

Foto: divulgação

Lefèvre avalia a carta como um sinal positivo feito pelo presidente brasileiro em prestigiar iniciativas multilaterais entre países.

Rafael Pellon, advogado especializado em direito digital, sócio-fundador do Pellon de Lima Advogados e consultor jurídico do MEF, também vê como ponto interessante a postura brasileira de finalmente buscar a regulação multilateral, algo que seria mais alinhado com outros países e blocos regionais, “o que nos traria muito mais efetividade e eficácia, considerando que a Internet é global e não apenas local, exigindo dos países muito mais coordenação em foros globais para que se identifiquem formatos de combate à desinformação.”

Lefèvre, por outro lado, sentiu falta de uma menção à governança multissetorial. “Existe um consenso internacional de que a governança multissetorial é o caminho mais adequado e mais eficaz para se tratar das questões relativas à Internet.”

“Lula editou diversos decretos e portarias contemplando direitos digitais, políticas digitais, mas não mencionou nenhuma vez o Comitê Gestor da Internet (CGI.br). Essa não citação e o fato de não levar em conta o CGI.br durante as discussões de políticas digitais e de desinformação, me preocupa”, diz. “Espero que, com a nova posição do governo de que vai retomar os debates em torno do Projeto de Lei 2630, se olhe para o CGI.br.”

Outro ponto que fez falta para Lefèvre foi o fato de o Presidente Lula não ter citado na carta a adoção de medidas de enfrentamento do poder de mercado dessas empresas que atuam como oligopólios transnacionais. “Cada uma dessas plataformas tem mais de 2,7 bilhões de usuários espalhados pelo mundo. No Brasil, cada uma tem mais de 120 milhões de usuários. Um dos modos para enfrentarmos a desinformação é confrontar o poder de mercado dessas plataformas e esse ponto poderia ter ganhado mais destaque na carta”, reflete.

Para Pellon, o Brasil precisa decidir se vai seguir modelos regulatórios em que a liberdade de expressão é decantada em prol da proteção a valores democráticos, “elegendo e empoderando alguma forma de censura e retirada rápida de conteúdos infratores, ou combatendo a desinformação com mais informação e educação, trazendo mais velocidade e eficácia na distribuição de conteúdo para que a sociedade decida.”

A regulação das plataformas diz respeito ao modo como se distribuem “informações neste século, não sobre as tecnologias que facilitam isto. Regular plataformas obrigando-as a se tornarem censores ou responsabilizando-as por aquilo que se pratica em seu ambiente já está muito bem equilibrado no Marco Civil, que aliás também é modelo de regulação para o restante do mundo.Esse equilíbrio, duramente alcançado, precisa ser mantido nas atualizações futuras da legislação”, completa.

 

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