O Idec vê risco de danos reais de racismo estrutural com a eventual instalação do sistema de câmeras com reconhecimento facial da prefeitura de São Paulo, o Smart Sampa. Segundo Luã Cruz, pesquisador do programa de telecomunicações e direitos digitais do Idec, a administração municipal “ignora as falhas já conhecidas” das tecnologias de reconhecimento facial.

“Para além da vigilância constante que pode promover, a tecnologia de reconhecimento facial é internacionalmente conhecida por não reduzir índices de criminalidade e apresentar falhas significativas, especialmente em relação a grupos historicamente estigmatizados (população negra e trans). O uso dessa tecnologia levará a erros graves de identificação e detenções injustas”, disse o especialista em resposta a este noticiário por e-mail.

Cruz explicou ainda que o Idec é contra o Smart Sampa, uma vez que esse projeto foi desenvolvido sem qualquer controle social e prevê a “coleta massiva” de dados pessoais e sensíveis da população, como biometria e dados referentes à saúde. Também afirmou que será um investimento multimilionário em tecnologias sem garantia de que trará eficiência à vida dos paulistanos, aumentando os gastos por conta de seus elevados custos operacionais e de manutenção do sistema.

“Por se tratar de um uso de tecnologia de vigilância tão perigoso, deve ser rejeitado em um contexto que se pretenda democrático. Por isso, defendemos o banimento do uso de tecnologias de vigilância que promovem a violação de direitos, como é a tecnologia de reconhecimento facial em espaços públicos”, disse Cruz. “Essa é a posição da campanha que fazemos parte (Tire Meu Rosto da Sua Mira) e do PL 419/2022, que dispõe sobre a restrição do uso de tecnologias de reconhecimento facial pelo Poder Público no Município de São Paulo, que ajudamos a construir”, complementou.

Entenda

A licitação do projeto Smart Sampa estava programada para acontecer nesta terça-feira, 23. A ideia da prefeitura era lançar o edital para contratação de 20 mil câmeras de monitoramento com as primeiras 200 unidades sendo instaladas em até dois meses após o certame. O edital chegou a ser suspenso pelo Tribunal de Conta do Município (TCM), mas o tribunal voltou atrás e aprovou o procedimento após mudanças no documento.

Contudo, na última sexta-feira, 19, o juiz Luis Manuel Fonseca Pires da 3ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo acatou um pedido da vereadora Silvia Ferraro, da Bancada Feminista (PSOL-SP), para suspender o edital com base em risco ao racismo estrutural na cidade. O bloqueio no site da Bolsa Eletrônica do Estado de SP, responsável pelo certame, apareceu com os seguintes dizeres:

“No exercício das atribuições a mim conferidas pela Portaria nº 48/SMSU/2022, diante da decisão liminar prolatada nos autos judiciais de número 1027876-45.2023.8.26.0053, acolhendo a orientação da Assessoria Jurídica desta Pasta, determino a suspensão provisória do Pregão Eletrônico 079/SMSU/2022 até que haja a revogação da determinação feita pelo juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública desta Capital”.

Até às 17h45 desta segunda-feira, 22, o site mostrava que o pregão estava suspenso.

Além do pedido da parlamentar paulistana, também há representação no Ministério Público de São Paulo que o Idec apresentou contra o Smart Sampa.

A prefeitura de São Paulo, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana (responsável pelo edital) e a vereadora Ferraro foram procuradas para esclarecer os fatos, mas não responderam até o término desta reportagem.

Tendência de bloqueio

O pesquisador do Idec afirmou ainda que essa tecnologia pode “criar ou perpetuar opressões já existentes na sociedade” e tem mostrado “pouca acurácia na identificação de pessoas negras e mulheres”. A decisão de não utilizar reconhecimento facial para segurança pública foi seguida nas cidades de São Francisco (coração do Vale do Silício nos Estados Unidos), Portland, Mineápolis, Cambridge, Oakland, Nova Orleans e dezenas de outros municípios norte-americanos. Por sua vez, a Comissão Europeia, o Conselho da Europa e Autoridades de Proteção de Dados daquele continente estão exigindo uma aplicação imediata do princípio da “precaução e recomendam uma proibição geral de qualquer utilização de tecnologias de reconhecimento facial em espaços acessíveis ao público, em qualquer contexto”, complementou Cruz.

 

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