O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) está investigando uma denúncia feita pela Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O) contra instituidores de arranjos de pagamento (IAPs) e credenciadoras, ou, em outras palavras, bandeiras de cartão de crédito, como Mastercard, Visa e Elo, e redes de adquirência, como Cielo, Getnet e Rede. A acusação é de que os IAPs e as credenciadoras estão solicitando dados estratégicos dos comerciantes que fazem parte das bases cadastrais de diversos marketplaces digitais que atuam no Brasil.

De acordo com a ABO2O, o problema começou em meados de abril. Com o pretexto de prevenir lavagem de dinheiro e evitar o risco sistêmico contra os arranjos de pagamento durante a pandemia do novo coronavírus, IAPs e credenciadoras passaram a exigir dos subcredenciados (muitos deles marketplaces digitais) “o envio mensal de um amplo conjunto de dados de seus clientes, ou seja, dos vendedores cadastrados em suas plataformas, tais como nome do vendedor, CNPJ/CPF, categoria comercial (MCC), endereço, cidade, estado, país, CEP, domicílio bancário, prazo de pagamento, dentre outras solicitações”, conforme relata ofício da Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado, do Ministério da Justiça, enviado ao Cade no dia 9 de junho.

A maioria do 96 associados da ABO2O receberam tais pedidos, incluindo diversos marketplaces de peso, como Amazon, B2W, Dafiti, iFood, Rappi etc. Quem não cumprir as exigências está ameaçado de ser descredenciado.

Na visão da ABO2O, esse movimento das bandeiras e das credenciadoras oferece “riscos à concorrência no setor, uma vez que propiciaria que empresas concorrentes tenham acesso a dados relevantes que poderiam não apenas ser utilizados em benefício próprio como também para criar dificuldades para a atuação e o desenvolvimento de novos concorrentes.” Ou seja, seria um risco para a competição no setor, daí o envolvimento do Cade.

“Tais notificações seriam, segundo a associação, nova tentativa de acesso à base de dados dos marketplaces, composta por informações essenciais, estratégicas e em grande parte confidenciais, que fazem parte das suas forças de venda e, por isso mesmo, seriam informações concorrencialmente sensíveis, que podem afetar a dinâmica competitiva e que vão além das informações necessárias para processar e cumprir com o procedimento de liquidação centralizada determinado pelo Banco Central e evitar situações de lavagem de dinheiro e riscos sistêmico nas operações”, informa o referido ofício enviado ao Cade pela Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado do Ministério da Justiça.

“Esse processo pode ser paradigmático para fintechs e startups. Se o Cade entender que há práticas anticoncorrenciais, o cenário muda bastante: teremos mais possibilidades de desenvolvimento. Caso contrário, a análise que fazemos é que perderemos muito mercado e não veremos tantas fintechs surgindo e se desenvolvendo até se tornarem bancos, o que seria o caminho natural”, analisa o presidente da ABO2O, Vitor Magnani, em conversa com Mobile Time.

Histórico

Em 9 de junho, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor e a Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado, ambos órgãos da estrutura do Ministério da Justiça, enviaram à Cielo uma notificação sobre o caso com as seguintes perguntas:

1) Qual a finalidade das informações dos clientes das empresas do setor de subadquirência/marketplace requisitadas pela Cielo?

2) Quais informações são necessárias para cumprir tal finalidade? Justificar cada um dos itens indicados.

3) Qual a relação da pandemia de COVID-19 com a necessidade de repasse dessas informações pelas empresas do setor de subadquirência/marketplace?

4) Outras informações que entenderem cabíveis.

Na mesma data, os mesmos órgãos encaminharam ao Cade um ofício relatando a denúncia e formulando as seguintes questões:

1) O Cade já analisou a relação entre IAPs, credenciadores e subcredenciadores/marketplaces, particularmente no que diz respeito ao papel destes últimos no atendimento de pequenos estabelecimentos comerciais?

2) Qual a análise do Conselho quanto ao escopo dos dados que poderiam ser solicitados pelos IAPs de modo a evitar práticas lesivas à concorrência?

3) Quais as recomendações do Conselho para mitigar os efeitos negativos (ainda que potenciais) à concorrência neste mercado, uma vez que são diretamente relacionados ao bem-estar do consumidor?

Por fim, o mais recente capítulo nessa disputa foi a abertura de um procedimento preparatório de inquérito administrativo pelo Cade na última sexta-feira, 19, para investigar o assunto. No despacho, assinado pelo superintendente-geral do Cade, Alexandre Macedo, é dado um prazo de 30 dias para que IAPs, credenciadoras, subadquirentes e markeplaces se pronunciem sobre o assunto ratificando ou não “a ocorrência de tais imposições relatadas, com as devidas justificativas sob a ótica econômica e possíveis impactos na concorrência de tais mercados”.

Respostas

Procuradas por este noticiário, Cielo, GetNet e Visa responderam que vão se manifestar quando tiverem acesso ao conteúdo integral do procedimento preparatório do Cade.

Análise

A acusação de prática anticoncorrencial por causa do pedido de dados estratégicos de comerciantes ganha ainda mais relevância diante da chegada do WhatsApp como um player que vai funcionar, na prática, como um marketplace para pequenas e médias empresas no Brasil, com pagamento através da funcionalidade Facebook Pay, integrada no País com a Cielo e disponível para cartões de débito e crédito da Mastercard e Visa emitidos por Banco do Brasil, Nubank e Sicredi. Embora chegue tarde nessa disputa, o WhatsApp tem como vantagem o fato de estar presente em 99% dos smartphones nacionais e na primeira tela de 57% deles, de acordo com as pesquisas Panorama Mobile Time/Opinion Box.