[Matéria atualizada no dia 23/07/22, às 16h33 para inserir a fala do CFMV] Apenas um cliente da médica veterinária Gabriela Lima Azevedo possui 30 cães. E, boa parte deles, já estão com mais de 10 anos, ou seja, precisam de assistência mais frequente. Azevedo vai à casa desse cliente duas vezes por ano para avaliar pessoalmente os pets. O problema é que eles estão a 700 km dela, que mora em Salvador/BA. Ou seja, em uma emergência, a distância pode ser fatal. Pensando nesses animais, a médica veterinária desenhou uma solução para fazer teleatendimento. Assim, além das visitas físicas, poderia prestar assistência em outros momentos. O piloto deu certo e assim nasceu a Dr.MedPet, ferramenta que foi aprimorada ao longo da pandemia para ser um espaço de teleatendimento que conecta médico veterinário, tutor e animal. Com a regulamentação da telemedicina veterinária, lançada no dia 29 de junho pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), Azevedo já pode escalar seu produto que, neste primeiro momento, será um web app.
Com lançamento previsto para agosto, a meta é aplicar o Dr.MedPet em seu próprio hospital de medicina veterinária.
“Quando começamos o piloto não havia regulamentação, mas sabíamos que estava sendo fomentada”, diz. Azevedo, com mais de 30 anos de experiência, pretende ter em seu cadastro até agosto entre 300 e 400 médicos veterinários no início de suas operações. O hospital tem um total de 49 mil clientes cadastrados, sendo 20 mil ativos.
A médica veterinária explica que pretende começar oferecendo teleorientação, teletriagem, teleconsulta e telediagnóstico. “E aposto muito na teleinterconsulta”, afirma, citando a possibilidade de se promover uma teleconsulta entre tutor, animal, médico local e o veterinário especialista, que estaria em outra localidade.
A pandemia de Covid-19 fez a regulamentação da telemedicina veterinária acelerar. Mas ela só foi sacramentada porque era necessária e vários profissionais e tutores já usavam a tecnologia. “As TICs influenciaram a necessidade da regulamentação. As pessoas passaram a usar de maneira informal. Vimos a necessidade de uma regulamentação, que se intensificou na pandemia”, diz Marcelo Teixeira Weinstein, conselheiro efetivo do CFMV.
Weinstein reforça que o atendimento presencial é o padrão ouro e que o online é uma nova ferramenta para facilitar a vida das pessoas. “Queremos evitar o mercantilismo. É uma ferramenta para ajudar”, conta.
A regulação escrita pelo CFMV estipula que a primeira consulta aconteça presencialmente. As seguintes podem ser de forma virtual. “O tutor muitas vezes não consegue transmitir o que o animal está sentindo. O veterinário pode ver isso de maneira mais fácil”, explica o conselheiro. “Mas se no futuro ficar provado pelo conselho de que isso é possível fazer a primeira consulta de forma virtual, essa resolução pode ser atualizada e reformada”, explica.
Weinstein também explica que a instituição deve lançar em breve um guia com indicações de plataformas a serem usadas na versão do atendimento veterinário. “Nossa preocupação é o sigilo, a legitimidade, a rastreabilidade. Ter certeza de que é um veterinário que está ali. A tecnologia na medicina é um campo que está crescendo muito, com plataformas e aplicativos alcançando todas as áreas. Sabemos que a regulação vai acentuar e haver mais interesse das empresas em fornecer novas soluções. Não podemos ignorar a modernidade”, conclui.
Fomento
A DrMed.Pet foi a primeira startup a ingressar na Capri Venture Builder, a primeira focada no segmento Pet tech. Criada em março deste ano, a Capri auxilia as startups em um período de cinco anos ou até a captação em série B, e possui quatro metas: apoiar as startups para escalarem seus serviços/produtos; auxiliar na estruturação necessária para realizar a captação e realizar a conexão com fundos de investimento e investidores; otimizar e desenvolver processos administrativos para que a startup seja sustentável; e desenvolver marketing e vendas e potencializar os resultados dessas empresas. A ideia é que a venture builder auxilie ao todo sete startups em 2022 a chegarem na captação de série B.
“Estamos no auge desse mercado. Nunca tivemos um olhar tão forte para isso”, afirma Alaíde Martins, CEO da Capri Venture Builder. “A ideia é construirmos um ecossistema de startups”, diz.
O mercado
O surgimento de uma venture builder parece cair como uma luva para o setor, que não para de crescer. Para se ter uma ideia, em 2021, o faturamento do segmento pet chegou a R$ 51,7 bilhões e a expectativa de crescimento para este ano é de 14%, com a chance de chegar a R$ 58,9 bilhões. O País, de acordo com o Instituto Pet Brasil (IPB), é o sexto maior mercado do mundo neste segmento, perdendo para o campeão Estados Unidos e países como China e Reino Unido.
“É um mercado que vem ganhando espaço e chamando a atenção de investidores. Somos o sexto, mas já fomos maiores. De todo modo, atualmente, estamos em um ritmo de crescimento”, diz Caio Villela, presidente executivo do IPB em conversa com Mobile Time.
Villela fez um recorte em volume dos canais digitais deste segmento – que englobam venda de produtos e serviços. Atualmente, os canais digitais representam 5,6% do faturamento do mercado pet, ou R$ 3,3 bilhões. “Mas é um segmento que vem dobrando de tamanho ano a ano. A tendência é que, para 2022, o crescimento continue. É um meio que vem se consolidando”, avalia Villela.
O presidente do IPB acredita que, neste núcleo de canais digitais, estarão em breve serviços como a telessaúde veterinária, entre outros. “Não há indício de que o mercado vai recuar, pelo contrário. Esse relacionamento entre humanos e animais vem se fortalecendo e ganhando espaço. E é uma tendência que produtos e serviços sejam amplificados no digital e as taxas continuem dobrando ano a ano graças à entrada dessas inovações”, diz.
Vale dizer que os levantamentos do IPB são feitos a partir de dados próprios e de fontes como IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e da RAIS/Caged, além de informações de entidades como Abinpet, Abrase, Aquabio, CBKC, CFB, CFMV, Cobrap e FCI.
Outros números do setor pet
Os números recolhidos pelo instituto apontam que 56,3% (R$ 33,1 bilhões) do total vem do segmento de petfood, ou seja, de alimentação. A venda de animais de estimação diretamente dos criadores vem em segundo lugar, movimentando R$ 6,1 bilhões (10,5% do faturamento e alta de 9,5% em relação a 2021). Em terceiro vem o segmento Pet Vet, que é a venda de medicamentos veterinários, com R$ 5,8 bilhões (9,9% do faturamento do mercado e alta de 11%). Em seguida vêm serviços gerais (R$ 5,1 bilhões, 8,7% e 7,6% respectivamente); serviços veterinários (R$ 5,4 bilhões, 9,3% e 12,4%) e Pet Care, os produtos de higiene e bem-estar animal (R$ 3,1 bilhões, 5,3% e 13%).
O segmento
Quem também está de olho no segmento pet é a Liga Ventures, rede de inovação que conecta startups com empresas. Em seu mapeamento, existem 155 pet techs em sua base de 32 mil entrantes, divididas em 10 categorias e espalhadas em 46 cidades.
A maioria delas (27) são do segmento de alimentação animal; outras 26 são plataformas de serviços com soluções para buscar ofertas de banho e tosa, por exemplo. Dezoito estão no setor de sistemas de gestão de empresas do mercado pet, e 15 são planos e clubes de assinaturas, como plano de saúde, assistência funeral, entre outros.
Guilherme Massa, cofundador da Liga Ventures, explica que 155 startups mapeadas é um número razoável, e o segmento pet estaria em um terceiro nível, sendo as fintechs o primeiro escalão (com uma base de aproximadamente 800 empresas), seguida dos setores de saúde e varejo, com cerca de 300-400 startups.
Analisando o segmento de planos e clubes de assinatura – de onde poderiam sair algumas inovações de telemedicina veterinária – Massa, explica: “Metade delas são empresas mais maduras e a outra metade nasceu entre 2019 e 2020. Vejo que esse mercado ainda tem muito para crescer. E, entre essas startups que estão no segmento planos e clube de assinaturas, algumas oferecem marketplaces de clínicas ou profissionais, não fazem a gestão total do negócio”, explica.
Massa faz uma analogia à telemedicina humana. Explica que a falta de uma legislação para a telessaúde atravancava as empresas que estavam desenvolvendo soluções tecnológicas para o setor. Eram feitos testes no mercado, mas havia um limite de atuação. “Vimos startups esperando, prontas para escalarem e se inserirem no mercado rapidamente. Com a regulamentação, um espaço se abriu para mais gente e mais funcionalidades serem testadas”, avalia.
O cofundador da Liga Ventures acredita que o mesmo deverá acontecer no mercado pet. “Do ponto de vista de tecnologia, empresas que estão no ramo humano devem entrar para o campo veterinário. Dependendo, a adaptação é pequena, como receituário, acompanhamento e gestão da clínica. Este copy/paste é factível. Talvez tenha uma diferenciação ou outra. E, para o teleatendimento, talvez precise de mais modificações”, acredita. “As pessoas estão procurando praticidade e comodidade para elas e para os pets também”, completa.
Mas não é só na saúde que Massa projeta uma expansão do mercado pet. A Liga Ventures identificou uma série de outras soluções sendo desenvolvidas, como brinquedos inteligentes, alimentos, câmeras que avaliam o comportamento do animal – com analytics e inteligência artificial que fazem o rastreamento e produzem insights do comportamento animal. São ferramentas voltadas para o bem-estar animal, que focam no cuidado da saúde e não apenas da doença do pet.
“Aquela deep tech que tem para a saúde do ser humano está começando a entrar também no segmento de saúde animal”, afirma. “É um mercado que começa a ter mais atenção. E está bem aquecido.”