O grupo J&F, controladora do banco Original e do PicPay (Android, iOS), manterá a totalidade das ações de classe B em sua oferta inicial pública (IPO). Na proposta feita junto à norte-americana Securities and Exchange Commission (SEC), a companhia explica que ficará com 100% das ações de classe B. Cada uma delas equivale a dez votos, enquanto cada ação de classe A, que será negociada na IPO, dá direito a um voto.
Eis o trecho do documento: “(1) holders of our Class B common shares are entitled to 10 votes per share, whereas holders of our Class A common shares are entitled to one vote per share; J&F Participações S.A., or J&F Participações, will beneficially own 100% of our Class B common shares.”
Carlos Zanotta, sócio do global capital markets group da Deloitte, esclarece que isso significa que uma ação de Classe B do grupo J&F terá 10 votos em um assebleia, ante 1 voto das ações de Classe A dos investidores na IPO. Ou seja, mesmo com a diluição de parte das ações via IPO, o controle da família Batista será “maior com menos ações”, explica o executivo.
Em conversa com o Mobile Time, Zanotta revela que esse tipo de operação é comum nas empresas que entram no mercado acionário norte-americano. Uma empresa que adotou esse modelo em sua IPO foi a XP. O executivo explica que essa divisão acionária ocorre apenas nos Estados Unidos, uma vez que a regulação é mais flexível ao controle das ações na IPO, se comparada com o seu par brasileiro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que não possibilita essa divisão com mais poder para uma classe.
“Aqui no Brasil, nós falamos que tem o controle com 50%. Neste modelo da SEC, você consegue ter (controle da empresa) com muito menos, se as ações forem da Classe B. Como foi o modelo adotado pela J&F”, elucida o sócio da Deloitte, ao lembrar que o percentual de participação dos sócios ainda não foi preenchido, assim como o total de ações da Classe A que serão vendidas.
Capitalização
Outro motivo para lançar a ação na bolsa norte-americana é a possibilidade de maior capitalização e valor de mercado da empresa, pois aquele mercado valoriza mais empresas ligadas ao segmento de tecnologia e que nasceram pós-bolha da Internet, como afirma João Rafael Araújo, sócio-líder de transações da Grant Thornton Brasil.
“O PicPay tomou a rota de fazer IPO nos EUA porque lá se dá um melhor valuation (para empresas de tecnologia). Foi o caminho da Stone, PagSeguro, XP e Arco Educação”, relembra o especialista. “Repare que todas essas empresas têm um viés mais de tecnologia. Elas vão para o mercado norte-americano, que aprecia mais esse tipo de empresa, e podem atingir um público de varejo. Tem um esforço de venda internacional”, completa Araújo, ao lembrar que o PicPay foi fundado em 2012.
Outro motivo para o PicPay escolher fazer sua IPO nos EUA pode ser um eventual processo de internacionalização. Embora não esteja explícito na proposta apresentada junto à SEC, Araújo afirmou que o fato de estar no mercado norte-americano dará “mais credibilidade e visibilidade” à carteira digital. Sobre os investidores brasileiros, o especialista acredita que hoje há mecanismos para empresas nacionais que possuem ação no exterior, via BDR na B3.
Investidores
Com a IPO anunciada, o PicPay deve fazer apresentações para investidores internacionais. Para os especialistas ouvidos pelo Mobile Time, um dos temas a ser endereçado pelos grandes investidores será a discrepância entre usuários cadastrados e ativos.
“Isso é um problema em qualquer conta digital: manter a recorrência do usuário. Ou seja, é um desafio do PicPay e dos bancos tradicionais”, diz Marcelo Martins, diretor executivo da ABFintechs.
Sobre o prejuízo da empresa em 2020, de R$ 800 milhões, Martins acredita que isso não será um problema. “Um dos motivos da IPO é capitalizar para crescer. O prejuízo do ano passado e dos outros anos talvez não seja tão alto. Eles precificam isso, pois focam em aumento da base de usuários. Eles tiveram uma readequação societária, tudo embaixo da holding”, comenta Martins.
Outro tema que será apresentado no roadshow é sobre o investimento obtido com a IPO, se o capital angariado será 100% primário (todo lucro vai para o PicPay) ou secundário (com parte do lucro aos sócios). Mesmo se adotado o modelo secundário, o diretor da ABFintechs acredita que o “PicPay já é bem independente do Original” e da família Batista. “Inclusive, eles competem pelo mesmo usuário”, completou.
Precificação
A partir do roadshow, da conversa com investidores e do seu apetite, o PicPay e os bancos parceiros na empreitada definirão o preço. “A expectativa é que a demanda (por parte dos investidores) seja significativa. Mas precisamos ‘assentar a poeira’. Por um lado, a pandemia acelerou a digitalização de pagamentos. Mas no começo do ano algumas IPOs geraram pouca atração”, ressalta o analista da Wyman.
Picpay foi procurado mas preferiu não comentar sobre sua IPO.