O Banco Central determinou a imediata suspensão da funcionalidade de pagamento via WhatsApp, cujo lançamento no Brasil havia sido anunciado na segunda-feira passada, 15, e aconteceria gradativamente ao longo das próximas semanas. O BC comunicou sua decisão a Mastercard e Visa, as duas bandeiras de cartões que fazem parte do projeto. A autarquia argumenta que tal serviço depende de autorização prévia, que só será concedida após análise sobre seu impacto no ambiente competitivo do setor de pagamentos no Brasil.
“A motivação do BC para a decisão é preservar um adequado ambiente competitivo, que assegure o funcionamento de um sistema de pagamentos interoperável, rápido, seguro, transparente, aberto e barato”, informa nota do órgão regulador enviado à imprensa. E prossegue: “A medida permitirá ao BC avaliar eventuais riscos para o funcionamento adequado do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e verificar a observância dos princípios e das regras previstas na Lei nº 12.865, de 2013. O eventual início ou continuidade das operações sem a prévia análise do Regulador poderia gerar danos irreparáveis ao SPB notadamente no que se refere à competição, eficiência e privacidade de dados.”
O Brasil seria o primeiro país no mundo a ter o serviço, batizado como Facebook Pay. Conforme indica o nome, ele seria estendido para outros serviços do grupo de Mark Zuckerberg, como Facebook e Instagram. Inicialmente os pagamentos poderiam ser feitos através de cartões de crédito e de débito das bandeiras Mastercard e Visa emitidos por Banco do Brasil, Nubank e Sicredi. O processamento dos pagamentos fica a cargo da Cielo. O foco inicial são pequenas e médias empresas que vendem pelo WhatsApp: para cada pagamento recebido, seria cobrada uma taxa de 3,99%. Para transferências de débito entre pessoas físicas, o serviço é gratuito. O anúncio da novidade na semana passada fez as ações da Cielo subirem 15%. Não foi divulgada de quanto seria a participação do WhatsApp.
Ainda na semana passada, no dia seguinte ao anúncio feito pelo WhatsApp, o BC demonstrou preocupação com a novidade e enviou o seguinte comunicado para o Mobile Time: “O BC considera prematura qualquer iniciativa que possa gerar fragmentação de mercado e concentração em agentes específicos. O BC vai ser vigilante a qualquer desenvolvimento fechado ou que tenha componentes que inibam a interoperabilidade e limite seu objetivo de ter um sistema rápido, seguro, transparente, aberto e barato”.
O não cumprimento da decisão incorrerá em multa e apuração de responsabilidade em processo administrativo sancionado.
Respostas
Mastercard, Visa e WhatsApp se posicionaram oficialmente sobre a decisão do BC:
WhatsApp: “Ficamos muito animados com a avaliação positiva das pessoas no Brasil com o lançamento de pagamentos no WhatsApp na semana passada. Fornecer opções simples e seguras para que as pessoas realizem transações financeiras é muito importante durante esse período crítico de pandemia e ajudará na recuperação de pequenos negócios. Nosso objetivo é fornecer pagamentos digitais para todos os usuários do WhatsApp no Brasil, com um modelo aberto e trabalhando com parceiros locais e o Banco Central. Além disso, apoiamos o projeto PIX do Banco Central, e junto com nosso parceiros estamos comprometidos em integrar o PIX aos nossos sistemas quando estiver disponível.”
Mastercard: “O Banco Central do Brasil emitiu uma nova regra relacionada ao ecossistema de pagamentos no país e exigiu a suspensão do serviço de pagamentos via WhatsApp. Atenderemos à solicitação do Banco Central e continuaremos focados no desenvolvimento de um ambiente de pagamentos mais inovador, inclusivo, seguro e competitivo para consumidores e empresas brasileiras”.
Visa: “A Visa opera de acordo com a legislação aplicável e, após a mudança de hoje na regulamentação do Banco Central, vamos assegurar o cumprimento das novas disposições regulatórias. Está no DNA da Visa criar opções de pagamento interoperáveis, abertas e seguras. Oferecemos pagamentos seguros há mais de 60 anos, por meio de nossas soluções avançadas de gerenciamento de risco, como o Visa Cloud Token, e esse compromisso permanece o mesmo para todas as novas formas de pagamento digital que estamos trazendo ao mercado. Continuamos entusiasmados com o potencial de meios de pagamento inovadores e abertos. Manteremos nosso trabalho para criar soluções inovadoras que aceleram a adoção de pagamentos digitais, beneficiando indivíduos, empresas e economias em geral.”
Análise
A preocupação do BC se fundamenta na hegemonia do WhatsApp como aplicativo de mensageria mais popular do Brasil. De acordo com a mais recente pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box sobre mensageria móvel, o WhatsApp está instalado em 99% dos smartphones brasileiros e 98% dos seus usuários declaram abri-lo todo dia ou quase todo dia. É também o aplicativo mais popular do País, presente na tela inicial de 57% dos smartphones brasileiros, segundo a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box sobre uso de apps.
A decisão de suspender o pagamento por WhatsApp acontece poucos dias depois de o Cade abrir procedimento preparatório de inquérito administrativo para investigar Mastercard, Visa e redes de adquirência, como Cielo, GetNet e Rede, por estarem exigindo de marketplaces digitais dados estratégicos sobre os comerciantes que fazem parte de suas bases.
Vale lembrar, por fim, que o pagamento por WhatsApp foi anunciado a poucos meses do lançamento do PIX, serviço de pagamentos instantâneos em desenvolvimento pelo BC. As semelhanças e diferenças entre PIX e Facebook Pay foram listadas nesta matéria do Mobile Time.