Desde a primeira chamada de celular realizada pelos engenheiros do Bell Labs em 1946, o mundo de telecomunicações assistiu a um crescimento explosivo e dividido em ondas de crescimento sustentável (receitas crescentes) até atingirem o patamar de US$ 1,7 trilhão, representando 2,4% do PIB mundial de acordo com uma pesquisa realizada pelo UBM TechWeb’s Light Reading Communications Network.

Desde então observamos ondas de receitas das operadoras organizadas da seguinte forma:

1a Onda – Voz

2a Onda – SMS

3a Onda – Dados

4a Onda – ???

Já se passaram 20 anos desde o primeiro SMS enviado no mundo no distante dia 23 de Julho de 1992 pelo engenheiro britânico Neil Papworth. Em 1993, a Nokia estreava seu primeiro aparelho que permitia o envio de SMS (Nokia 2110), iniciando a 2ª Onda (o ciclo de VAS – SVA em português).

A pequena mensagem de 160 caracteres ajudou a construir um segmento, denominado SVA no setor de telecomunicações, que nasceu com o propósito de tornar-se uma receita adicional à receita de voz das operadoras (regulamentada pelo Artigo 61 da Lei Geral de Telecomunicações).

Atualmente, as receitas de VAS são distribuídas em três grandes grupos: a banda larga móvel (acesso 3G/4G), a mensageria (SMS P2P – person to person) e conteúdo. De acordo com um estudo realizado pela Acision, o setor de VAS gerou pouco mais de US$ 5 bilhões em receitas no ano de 2011 no Brasil.

No entanto, o nome de “valor adicionado” não cumpriu integralmente a promessa de acrescentar valor no aspecto financeiro das operadoras, considerando que o ARPU dos operadores manteve-se estável ou com uma certa tendência de queda ao longo da última década na América Latina. Alguns podem alegar que se não existissem as receitas de VAS, a queda do ARPU seria maior. Isso é fato. No entanto, o VAS nasceu com o propósito de aumentar as receitas e não de evitar uma queda maior.

No caso do Brasil o estudo do PNAD 2011, desenvolvido pelo IBGE, registrou uma renda média de R$ 1.345. Deste totalm cerca de 1,5% é gasto em telecomunicações segundo o Global Wireless Matrix do Merrill Lynch, e tem se mantido estável no Brasil nos últimos anos. É um valor de ARPU muito similar ao valor identificado pelo site brasileiro Teleco.

Isso indica que se o consumidor não aumenta os seus gastos em telecomunicações,  então a receita de VAS acaba por diminuir (canibalizar) as receitas de voz da operadora, criando um jogo de “transferência de valores circular”, onde o valor total se mantém ou cresce muito pouco e as receitas de VAS aumentam sua participação no volume total, “roubando” receita de voz.

Além disso, o segmento de conteúdo na área de VAS, possui um modelo de negócios perverso para as operadoras baseado em divisão de receitas, na qual a operadora compartilha as receitas com seus parceiros de conteúdo. Isso implica que quanto mais conteúdo é vendido, maior é a canibalização das receitas de voz e menor será a margem da operadora, pois a mesma acaba compartilhando a receita com seus parceiros de conteúdo.

As receitas de conteúdos que representaram aproximadamente 1/3 das receitas totais de VAS possuem margens de contribuição menor, pois o modelo de divisão de receitas adotado com os parceiros de conteúdo afetam a rentabilidade dos operadores quando comparamos as receitas de voz (1ª Onda) ou do SMS P2P (2ª Onda) e do 3G (3ª Onda).

Ou seja, quanto mais as receitas de conteúdo crescem, maior é a pressão das operadoras para manter sua rentabilidade, diminuindo/renegociando a divisão de receitas com seus parceiros. Portanto, o modelo de divisão de receitas não se mostra atraente para as operadoras e tampouco aos parceiros que são recorrentemente forçados a renegociar termos com as teles. Isso é mais crítico no saldo de pré-pago, que é um valor menor e com ciclo de recarga igualmente maior, dificultando a manutenção dos patamares de receita das operadoras.

As receitas de voz que representam a 1a Onda têm caído em mercados desenvolvidos como os EUA, Japão e Europa Ocidental. As receitas de mensageria que representam a 2a Onda têm caído em alguns países como Holanda, Taiwan, Espanha e Itália e chegado a pontos de saturação no Reino Unido, França e EUA, em virtude da concorrência com as soluções como WhatsApp, Viber, Skype e outros. Em mercados emergentes (China, Índia, Brasil), estas receitas ainda crescem somente enquanto a base de assinantes cresce.

As receitas de acesso (3G/4G) que representam a 3a Onda ainda estão em fase crescente graças à introdução dos smartphones, porém com fortes pressões nas margens para entregar acesso à banda larga para toda a população em seus respectivos países. Ainda teremos crescimento nos próximos cinco anos, mas brevemente as margens começarão a ficar estreitas devido à crescente demanda de altos investimentos em cobertura de rede.

Qual seria a 4a Onda de receitas capaz de criar um novo ciclo de crescimento em telecomunicações, sem grandes investimentos em infraestrutura?

Mobile Payment – 4a Onda

Recentemente, a MasterCard lançou um serviço denominado Mobile Readiness, que apresenta o estágio de m-payments em diversos países, analisando profundamente os temas estruturais necessários para o lançamento e crescimento dos pagamentos móveis.

Apesar de nenhum país estar totalmente preparado para a adoção de m-payments, a América Latina está bem posicionada para desenvolver a estrutura da cadeia de valor e criar os fundamentos estruturais para atrair bancos e operadoras para a mesa de negociação.

ARPU na América Latina

O pagamento por celular representa três formas de agregar valor (real) ao ARPU da operadora:

a) Operadora é remunerada pelas transações financeiras ocorridas em sua rede, sem que haja um investimento direto (CAPEX) associado, representando uma margem melhor ao operador

b) Transferência de valores de uma carteira bancária (conta bancária) para carteira telecom (conta de celular) aumentando o gasto total de telecomunicações

Ou seja:

  • Recarga no pré-pago
  • Aumento de gasto no pós-pago

c) Também espera-se que o m-payment ajudará as operadoras a reduzir o churn, pois, em uma comparação direta, o churn no setor bancário é estimado em 1%, segundo dados da Febraban, enquanto que a média do setor de telecom é de duas a três vezes maior, estimada pela consultoria brasileira Teleco.

Cada ponto percentual de redução do churn, representa milhões de dólares no resultado final das operadoras. Em uma estimativa conservadora, se um consumidor brasileiro adicionar 0,1% de sua renda nas receitas de serviços financeiros em telecomunicações e multiplicando-se pela base das quatro maiores operadoras brasileiras, isto implica em um aumento de R$ 342 milhões de reais no setor de telecomunicações, aumentando a receita média por assinante e agregando valor real (e lucro real sem divisão de receitas) para as operadoras. Esta mesma lógica pode ser aplicada a todos os países da América Latina.

Recentemente, o Google anunciou que pretende dividir suas receitas de seu serviço de pagamento por celular (Google Wallet) com as operadoras, tornando o Android mais atraente do ponto de vista financeiro para as teles. Impacto semelhante será registrado no futuro próximo, pois o Google é um dos poucos agentes capazes de capturar receitas de publicidade e transferi-las ao setor de telecomunicações.

O pagamento por celular tem maiores chances de cumprir a promessa de entregar valor para operadoras que o VAS. Nos pagamentos móveis, as operadoras se beneficiam:

a) Com uma fonte de recursos (wallet) que serve para captar receitas de voz e dados, em especial para os clientes com conta pré-paga. Ou seja: aumento do ARPU

b) Redução do churn de telecomunicações estimada em 30%

c) Redução dos custos de recarga de pré-pago estimada em 25%

Os bancos se beneficiam:

  1. Aumento dos gastos através de cartões para consumidores bancarizados
  2. Abre uma nova fonte de receitas através de consumidores não bancarizados
  3. Menores custos transacionais (moeda digital vs. moeda física)
  4. Canais de distribuição e atendimento com custos menores

Os consumidores se beneficiam:

a) Conveniência (tudo em um só dispositivo)

b) Praticidade

c) Maior segurança nas transações

O pagamento por celular indica uma maior probabilidade de otimização da cadeia de valor, com aumento de receita e conveniência aos consumidores. Bancos e operadoras possuem tamanho, relevância e sinergias para alavancarem crescimento de receita e inclusão financeira. Na América Latina já temos alguns casos e em breve haverá mais operadoras abraçando esta oportunidade.

Em busca do modelo ideal

É importante que os operadores desenvolvam planejamento abrangente na oferta de serviços de m-payments e não pensem que ele é apenas um VAS. O pagamento móvel é um novo segmento que requer conhecimentos específicos da indústria financeira e da indústria de telecomunicações, e exige uma organização de distintos participantes na cadeia de valor da indústria de pagamentos. E a grande vantagem comparado ao modelo do VAS, é que o operador não divide receitas. O operador recebe receitas como canal de distribuição e marketing dos bancos (modelo co-branded).

O desenvolvimento de uma estratégia de pagamento móvel sob o ponto de vista de um operador de telecomunicações abrange uma série de disciplinas e tecnologias. O modelo que tem apresentado melhores resultados (com exceção ao modelo mPesa) são os que as operadoras lançam serviços “co-branded” atuando como canais de distribuição e marketing dos bancos.

É fundamental compreender que um modelo de mPayments requer a construção de um ecossistema completo. Organizar um ecossistema não é tarefa simples, mas é o único modelo viável em longo prazo.

 

 

 

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