Um possível acordo entre Brasil e China em altas tecnologias deve ser visto de forma cética na visão de Vinícius Rodrigues Vieira, professor de relações internacionais do Centro Universitário FAAP. Em conversa com Mobile Time, o especialista abordou a parceria que os dois países estão traçando em 6G, chips, inteligência artificial e células fotovoltaicas que foi publicado originalmente na Folha de S. Paulo nesta sexta-feira, 24.

“Ainda não está claro se a China está disposta a fazer do Brasil um parceiro (coautor de projetos) e não meramente um mercado consumidor para as suas tecnologias”, disse Vieira. “É interessante ter um pouco de modéstia em relação a essas expectativas”, completou ao lembrar que o governo chinês tem um histórico de fazer muitos acordos e entregar pouco.

No acordo ventilado na imprensa, o professor vê potencial para memorandos de entendimento (MoU) em subtemas ligados ao 6G, chips e IA, como:

  • A cooperação tecnológica entre os dois países;
  • Parcerias entre universidades, principalmente com o intercâmbio na área de ciência e tecnologia (Steam);
  • E a adesão do Brasil ao Belt And Road (Nova Rota de Seda, na tradução livre para o português) que tem uma subdivisão Digital Silk Road, que o Brasil poderia fazer parte em projetos de comunicação e transportes.

Também colabora para a relação entre os dois países a comitiva com vários empresários que poderão fechar negócios de exportação ou recepção de investimentos para o Brasil.

Europa, EUA e China

Por outro lado, o docente explicou que o acordo com China em temas como 6G, chips e IA – ainda que sejam apenas MOUs -, podem melhorar o poder de barganha do Brasil no mercado mundial, em especial ante Europa e Estados Unidos.

Na relação com a Europa, o Brasil teria uma “boa margem de manobra” com o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia que deve sair neste ano, além da pressão da opinião pública europeia para mais acordos na área ambiental e para se livrar de parcerias e investimentos com a China, que tem relações estreitas com a Rússia mesmo após a invasão à Ucrânia.

“Mas os líderes sabem que eles não podem de uma hora para outra dar as costas para a China. A alternativa é buscar novos parceiros. O Brasil naturalmente entra como candidato”, explicou.

Com os Estados Unidos, Vieira acredita que pode haver “um jogo mais duro” dos norte-americanos com os brasileiros, uma vez que eles são a maior potência militar do mundo e estão em uma disputa comercial com os chineses.

“Honestamente, não vejo com os Estados Unidos com bons olhos para essa visita do governo brasileiro na China. Mas eles não podem se colocar em uma posição de retaliar o Brasil, pelo contrário. Eles terão que cobrir o que os chineses vão nos oferecer”, disse. “Enquanto o Joe Biden for presidente dos Estados Unidos, acho que haverá um interesse deles para chamar o Brasil para questão ambiental e dos chips”, completou.

 30 anos de Brasil e China

O professor da FAAP lembra que a China chegou a considerar o Brasil como ‘parceiro estratégico’ para o desenvolvimento de projetos de longo prazo quando as relações entre os países foram reabertas, no governo de Itamar Franco, na década de 90.

Mas isso nunca se concretizou, uma vez que o mercado brasileiro atuou apenas como fornecedor de matéria-prima aos chineses e a China enviou produtos manufaturados para o Brasil, uma dinâmica que ficou forte nos últimos 20 anos.

Mais recentemente, a partir do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, Vieira explicou que a relação com a China está em uma “baixa histórica”, o que começa a mudar com a visita de Lula ao país.

 

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