A cada nova geração de redes de telefonia celular uma nova forma de comunicação digital se populariza. Na primeira, dos telefones analógicos, foi a voz em mobilidade. Na segunda (2G), junto com os primeiros terminais digitais, veio a mensagem de texto (SMS). Na terceira (3G), aprendemos a compartilhar de qualquer lugar as fotos que tiramos com os telefones. E agora, no 4G, chegou a vez de transmitir vídeos em tempo real para o mundo todo, através de smartphones. A conjunção de redes sem fio de alta velocidade e câmeras acopladas a celulares cada vez mais baratos oferece à sociedade uma poderosa ferramenta de comunicação. O Grande Irmão, imaginado por George Orwell em 1984, acontece trinta anos mais tarde. E com uma diferença importante: não se trata de um grande irmão, mas de 6,58 bilhões de irmãozinhos conectados em rede. Este é o número de conexões móveis em serviço atualmente no mundo, de acordo com a GSM Association.
No começo do ano, durante o anúncio do novo papa, ficou famosa uma foto dos fiéis no Vaticano com seus telefones e tablets erguidos acima da cabeça, filmando a História. Oito anos antes, em 2005, no mesmo local, quando da esoclha de Bento XVI como papa, havia muito menos câmeras. As duas imagens, lado a lado, ilustram essa evolução.
Agora, em julho de 2013, papa Francisco visita o Rio de Janeiro em meio a uma onda de protestos populares que perdura mais de um mês. Os smartphones que fotografaram e filmaram o dia em que se tornou papa são os mesmos que agora registram os protestos e a atuação truculenta da polícia carioca. Entre os protagonistas desse novo contexto sócio-tecno-comunicacional surge o grupo Mídia Ninja, transmitindo ao vivo as manifestações por meio de smartphones 4G, acompanhados por dezenas de milhares de espectadores do Brasil inteiro. Na última segunda-feira, 22, sua audiência assistiu em tempo real a detenção de dois de seus repórteres pela polícia, com a justificativa de que estariam incitando a violência em suas transmissões. Depois que saíram do ar, passaram-se poucos minutos até que outros links de manifestantes transmitindo ao vivo se espalhassem pela Internet. A própria libertação dos "ninjas", horas depois, pôde ser vista pelas lentes de outros smartphones.
Um pouco antes, na mesma noite, a polícia entrou em confronto com os manifestantes que protestavam contra o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, no bairro de Laranjeiras, perto do Palácio Guanabara, onde acontecia a recepção ao papa. A polícia diz que o tumulto começou depois de manifestantes terem arremessado coquetéis molotovs. Um vídeo foi divulgado na Internet com a imagem de um jovem de camisa preta com estampa branca e calça jeans acendendo e jogando um desses artefatos. Poucas horas depois outros três vídeos filmados por pessoas diferentes, de locais diferentes, mostraram o que parece ser o mesmo "manifestante" passando pelo cordão policial, anunciando ser da polícia e depois trocando de camisa.
Hoje, com smartphones nos bolsos, qualquer um vira repórter. A mídia somos todos nós. Malfeitores arrependidos não têm mais tempo nem sequer de se confessar. Antes disso, seus pecados são expostos ao público nas redes sociais. A pressuposta onisciência divina ganhou uma versão popular.