O impacto da proteção de dados pessoais em serviços de "economia compartilhada" é grande, ainda mais quando se considera que muitas das plataformas digitais procuram se distanciar dos análogos tradicionais, como é o caso do aplicativo de transporte privado Uber e da serviço AirBnB, que age como intermediador no aluguel turístico de casas ou cômodos. Durante a sétima edição do Seminário sobre Privacidade e Proteção de Dados Pessoais, organizado pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br) nesta quarta-feira, 24, em São Paulo, ficou claro que há ainda uma área cinzenta a respeito do assunto, mas sobram críticas a pontos que precisam ser melhorados, como a própria definição da economia compartilhada e de qual a relação entre plataformas, usuários e prestadores de serviço. A questão é como essas empresas lidam com os dados, que podem ser críticos para o próprio modelo de negócio.
O argumento da diretora jurídica do Uber, Ana Carolina Pellegrini, é de procurar não banalizar o tratamento das informações – ela afirma que aumentou significativamente a partir de março deste ano a quantidade de solicitações feitas à empresa. Não necessariamente de ordem judicial, mas também de autoridades tributárias e do ministério público do trabalho. "Até dezembro do ano passado foram poucos, no máximo 15, mas de lá para cá aumentou e agora são mais de 50 pedidos por mês", afirmou. Ela diz que o Uber estuda disponibilizar a abertura das informações sobre as solicitações em um relatório público, mas não deu previsão.
A diretora jurídica da companhia ressalta que o recente decreto regulamentado em São Paulo para a liberação do uso do aplicativo tem problemas na relação com os dados. "A prefeitura fez um pedido absoluto de todos os dados que a Uber tem – do usuário, motorista, todas as viagens em tempo real – notamos até incapacidade técnica da prefeitura no recebimento; já sentimos que eles não têm estrutura de armazenar e tratar os dados como devem ser, observando princípios de confidencialidade", diz. Até pela falta de sistema e de infraestrutura, Pellegrini afirma que a empresa não compartilhou os dados. Mas reclama: para a advogada, a Lei nº12.527 de acesso à informação tem que ser observada, e que se deve considerar qual a justificativa e o limite de intervenção de um órgão público em uma empresa privada.
"O AirBnB encara a discussão regulatória no Brasil e no mundo com serenidade; no Brasil a atividade é absolutamente regular, 100% legal", ressalta o diretor jurídico do serviço, Bruno Lewicki. Ele defende a "construção plural" de um marco normativo para a proteção aos dados pessoais de forma semelhante ao realizado com o Marco Civil, com uma ampla discussão no Congresso e com consultas. Cita como características ideais que a normativa seja principiológica e flexível para inovação tecnológica; sem detalhamento excessivo, mas onde for necessário, como princípios de privacidade e segurança, e com a criação de uma autoridade de proteção de dados; que o cidadão esteja sempre no centro do ordenamento; e que as iniciativas devem ser harmônicas, "pensado em direito comparado e internacional".
Transparência nos algoritmos
Para o advogado do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Zanatta, o termo de "economia compartilhada" não estaria adequado – ele defende a pluralidade de economias, envolvendo também a prestação do serviço em si, e não apenas o consumidor e a plataforma digital. "A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) já não usa o termo, fala de peer platform markets", diz. Sugere atenção especial a mecanismos de reputação, que funcionariam como "quase regulação", e que deveria se discutir a portabilidade dessas informações para outras plataformas. Essa portabilidade estaria vinculado a mecanismos de concorrência.
Zanatta explica que o cerne dessas empresas "são a criação de algoritmos, de price surge, de cálculo de preço, são máquinas de calculabilidade". Ele sugere ligações no tratamentos de dados com o mercado financeiro de investidores, em especial o de troca de ações, e mecanismos de cálculos de preços em plataformas como Uber e AirBnB. "Tem que se investigar como isso funciona, que tipo de conhecimento sociológico isso produz". Na visão do advogado, é necessário debater sobre a transparência desses algoritmos, que são alvo de "investimento brutal" por capturar valor pela intermediação, além da venda de dados para terceiros.
Relações
No entendimento de Rafael Zanatta, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é usado na defesa de clara diferenciação em responsabilidade solidária na relação entre usuários e plataforma. "Quando a empresa não organiza e nem esquematiza a informação, ela está isenta, mas ela faz a gerência dos dados, aí sim", diz, usando como referencial uma ação envolvendo o portal de leilões e vendas Mercado Livre.
Há também questionamentos de empresas over-the-top como Uber e AirBnB com os profissionais e prestadores de serviço, que poderia ocasionar em entendimento de "flexibilização de laboro". Bruno Lewicki alega que as pessoas que alugam residências ou cômodos pelo AirBnB não têm vínculo profissional. "A renda média para cada anfitrião ativo (com pelo menos um aluguel no ano) é inferior a R$ 7 mil por ano, é característica muito clara como geração de renda complementar, está muito distante de qualquer realidade de trabalho formal", afirma. Ana Pellegrini, do Uber, também ressalta o caráter informal e de "nova oportunidade" para reposicionamento no mercado para os profissionais. Segundo ela, cada motorista impõe seu horário de trabalho. "O modelo de contratação é inverso, o motorista é quem contrata o Uber, ela (a empresa) não controla quantas horas por dia eles dirigem, tem motoristas que ficam dois meses ou um ano sem dirigir", defende-se.