Completando cinco anos de atuação neste ano, o Lift, laboratório de inovação para o sistema financeiro do Banco Central e da Fenasbac, contabilizou mais de 90 projetos entre 250 inscritos. Na última edição de 2022, o programa avançou em temas voltados ao real digital, Pix e descentralização financeira, com participantes como Itaú, Santander e Mercado Bitcoin.

Apresentados nesta terça-feira, 25, os projetos estão em um ambiente de criação e controlado, ou seja, ainda não são produtos das instituições envolvidas. Ainda assim, os bancos, fintechs e fornecedores de tecnologia compartilharam, resultados, mas também desafios, como interoperabilidade, custos e papéis dos players na evolução da economia tokenizada e a mudança do ecossistema financeiro centralizado para o descentralizado.

Instituições financeiras

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Bianca Oliveira, coordenadora de estratégia e regulatório Pix no banco (reprodução de vídeo: Banco Central/YouTube)

O Itaú apresentou dois projetos desenvolvidos dentro do laboratório. O primeiro é uma solução tap on phone para alavancar o uso do Pix através de pagamento offline com QR code e NFC. A ideia deste caso de uso é endereçar o problema de falta de conectividade, além de trazer mais agilidade na hora de pagar. Segundo Bianca Oliveira, coordenadora de estratégia e regulatório do Pix no banco, o foco para o caso do Lift era para trazer acesso “a todos os participantes”, recebedor ou pagador via celular.

O outro caso do banco era voltado ao arcabouço do Real Digital com remessas internacionais entre Brasil e Colômbia, em um projeto que contou com a B3, rede Corda e apoio dos reguladores brasileiros e colombianos. Nesse caso, o Itaú criou uma rede de negócios do Real Digital no Itaú Brasil, outra do peso colombiano na operação da Colômbia, e uma rede entre os dois para transacionar as moedas. Entre as camadas que garantem a proteção estão os reguladores, operador (B3) e os bancos comerciais. Por meio de site, o projeto permitia remessa de pagamento em moeda digital, com uma média de sete segundos por transação, e pôde funcionar 24 horas nos sete dias da semana.

Um projeto com um primeiro esboço de aplicativo móvel foi o Pix Crédito, da cooperativa Ailos, que atua no sul do País. Segundo Juliano Onofre, coordenador de inovação na empresa, a solução foi feita em duas partes, uma para o consumidor pessoa física (PF) e outra para o cliente pessoa jurídica: “Para o PF apresentamos um novo meio de pagamento, diferente do cartão de crédito, com cashback. Para PJ, a taxa de administração seria mais barata que o cartão, e o cashback traz a fidelização”, disse.

“O cliente PF precisa ter um limite pré-aprovado. O uso será em carteira digital, mas pode ser usado dentro do Pix, no app do banco, e o primeiro pagamento precisa ser à vista e depois entram as parcelas. No PJ, o correntista adere à modalidade, mas tem taxas e tarifas mais baratas que a adquirência e a administração fica em um único local”, detalhou Onofre.

No Santander, Evandro Camilo, head de tecnologia e operações do banco, explicou o projeto de venda de ativos físico (automóveis tokenizados): “A nossa preocupação era olhar para a jornada e ver como conseguiríamos transformar essa jornada com o Real Digital, de varejo, e a tokenização de imóveis e veículos. Visualizamos o acesso ao app Santander, com criação e armazenamento de tokens em carteira digital, consulta de próprio saldo de real digital e tokens de veículos. E a transferência de titularidade (do veículo) seria automática em compra e venda de veículos”, disse Camilo.

Larissa Santos, representante da Febraban, apresentou uma entrega contra pagamento (DvP) de uma versão tokenizada de debênture, emitida por uma representação experimental de moeda digital emitida pelo Banco Central (CBDC) com foco em atacado e no ambiente de pós-negociação. A proposta da Federação dos Bancos era prezar pela convivência com plataformas de negociação existentes, focar nos investidores institucionais, rede simulada de liquidação de moeda fiduciária atual e foco no mercado secundário. Por meio de uma rede blockchain em Corda, o grande ganho da prova foram as informações das transações eram visualizadas apenas pelos participantes.

“Tivemos ganhos de liquidação interbancária, automatização, resiliência de atividades e uma comunicação direta entre os participantes. Abrimos um leque de oportunidades. Todo esse trabalho é uma maneira para explorar outros ativos financeiros. Todo o nosso trabalho pode ser usado na tokenização de títulos públicos do Real Digital. E tem um framework para o regulatório”, completou Santos.

Descentralizadores

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Licio de Castro Carvalho, sócio na Delend (Imagem extraída de vídeo: Banco Central/YouTube)

Já Licio de Castro Carvalho, sócio na Delend, explicou que o seu projeto focou em reduzir o custo e aumentar o acesso ao crédito em pequenas empresas, pequeno empresário comprador e pequeno distribuidor desse PME consumidor: “Queremos ajudar pequenos estabelecimentos que vendem para outros pequenos. Observamos que 50% das operações de venda e pagamento são feitos via boleto, isso compromete o caixa do pequeno distribuidor. E o pequeno estabelecimento que compra precisa de prazo para produzir, honrar o pagamento e fazer o próximo ciclo”.

A proposta da Delend é emitir um pix pré-datado, um produto digital facilmente negociado no mercado e uma facilidade muito grande de fazer uma renegociação. O open finance entra como motor de avaliação do pagador e o Pix é o instrumento de liquidação de recebível. Um smart contract e emitirá nota do recebível que dura até o dia da liquidação do valor. Assim como acontece com FIDC de crédito, esse ativo financeiro digital poderá ser negociável no mercado de ativos descentralizados e assim gerar antecipação de recebíveis aos lojistas que não têm liquidez.

“Queremos construir esse fundo antecipador, um pool de liquidez. Uma cota desse fundo pode ser negociada no mercado secundário de crédito”, disse Carvalho. “A parte da operação pelo cliente é feita toda pelo WhatsApp, que direciona para a liberação do open finance no app do banco. Toda essa operação é baseada em blockchain, inclusive a conversa. Do outro lado, o vendedor acessa todas as informações via um dashboard no PC”, complementou.

Por sua vez, Fulvio Xavier, arquiteto e consultor de projetos especiais do Mercado Bitcoin, mostrou um projeto similar àquele que o Banco Central fará no real digital com a tokenização de ativos públicos. Feito em parceria com ClearSale, Stellar Foundation, Cheesecake Labs e CPQD, esta ação criou uma rede descentralizada, com uma representação de um real digital emitida por uma instituição regulada. Com segurança, privacidade e usabilidade para o usuário final.

E a Tecban testou um caso combinando Real Digital e Internet das Coisas (IoT). Em parceria com Capitual, a rede de caixas eletrônicos instalou dois armários inteligentes em Brasília e São Paulo para fazer teste de compra com Real Digital e retirada de produto nestes lockers.

“A ideia é servir com essa solução as comunidades com difícil acesso para entrega e logística; criar a garantia de compra e venda; e ter transparência nos processos”, explicou Luís Gustavo Nugnes, especialista em inovação, open finance e digital assets da Tecban.

Aprendizados e desafios

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Evolução do projeto da Tecban (reprodução de vídeo: Banco Central/YouTube)

Nugnes, da Tecban, afirmou que o projeto mostrou que os operadores logísticos, seguradores e marketplaces estão “maduros” para a descentralização financeira (DeFi). Mas há áreas que estão “bem centralizadas” e não estão prontas para o DeFi, como os vendedores dos armários, a equipe de manutenção e instalação dos lockers, os comércios parceiros para instalar os equipamentos e a própria parte de segurança dos dispositivos conectados: “Chegamos à conclusão que o processo não está maduro, mas o primeiro passo foi dado. Fizemos integração com transportadoras, começamos testes no Rio de Janeiro e alteramos o Ethereum privado para Hyperledger Besu (padrão do Real Digital). Integração com marketplace e segurança são os próximos passos”, completou.

Xavier, do Mercado Bitcoin, disse que o teste permitiu à sua plataforma melhorar a liquidação de ativos. A empresa emitiu uma stablecoin em Real (BRLL) que depois virará o Real Tokenizada: “Esse caso de uso foi bem interessante e bem complexo. Stellar entrou com uma plataforma simples e fluida. ClearSale e CPQD avançam como validadores da plataforma, com credenciais externas, inclusive“. O arquiteto de soluções da plataforma de câmbio, afirmou ainda que os projetos devem avançar para evitar “a dolarização do token e do dinheiro”, ao manter a percepção de valor do Real. Também disse que o grande desafio do setor financeiro não é tecnológico, mas como entender os novos meios e as novas tecnologias: “Precisamos redirecionar os papéis de todos os participantes em um modelo descentralizado. E perguntar para desenvolver o futuro: como podemos construir essas pontes seguras, privadas e descentralizadas? Como transpor as barreiras do modelo centralizado para o descentralizado?” questionou Xavier.

Francielli Borges, product manager do Itaú, relatou que um dos desafios no projeto de remessa internacional é a “adaptação dos serviços e tesouraria” para as moedas digitais. Ou seja, os bancos precisarão assumir riscos e ter reservas de moedas não conversíveis. Oliveira, sua colega de banco, apontou que para avançar com a solução de tap on phone offline precisa de “evolução regulatória e da padronização da criptografia de segurança” em todo o setor. Onofre, da Ailos, explicou que a próxima etapa do projeto de Pix Crédito é “estudar internamente os custo de operação e infraestrutura”, como segurança e fraude, de modo que fique “mais barato” que a adquirência tradicional. Santos, da Febraban, afirmou que o desafio do pós-projeto é “tentar balancear a descentralização dos smart contracts com risco” em relação à privacidade.

Achados

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Painel do Lift Challenge (YouTube/Banco Central)

Vale dizer que os testes da Delend avançaram mais que a própria regulação. “De fato, nós estamos propondo algo novo que a descentralização financeira permite”, disse o sócio da empresa. “Por isso que trouxemos essa rede de PMEs ao Lift, para amadurecer os pontos que não são claros pela regulação. Mas o próprio regulador evoluiu com o Real Digital. Hoje, o nosso próprio pitch, se aplica com base no Real Digital. Agora, a gente começa a construir o DeFi, mas mais interessado na capacidade do centro do capital de empréstimo do que propriamente usar redes públicas e abertas”, prevê Carvalho.

Rodrigo Henriques, diretor de inovação da Fenasbac, afirmou que “não importa se a regulação não existe”, pois o papel do Lift não é fazer uma proposta de um “sandbox regulatório” com flexibilização da regulação para que exista uma operação, por exemplo. O que tem importância é o impacto positivo para sociedade. Ana Fusco, head da Cielo, disse que o Lift ajuda a dar uma abrangência e ver novas soluções que mercado e o ecossistema estão olhando. A executiva ressaltou que isso foi algo bem importante nos últimos quatro anos, em especial com o avanço do open finance e a evolução do Pix: “O Lift nos dá essa abertura desse contato próximo com o BC e com projetos que estão pensando na frente”, afirmou.

Wagner Arnaut, CTO da IBM Cloud no Brasil, afirmou que os projetos apresentados nesta terça-feira, 25, dão margem à ideia de criar plataformas que sirvam à população. Um formato que a companhia tem atuado junto ao governo da Índia, por exemplo: “Temos trabalhado com vários bancos dentro e fora do Brasil para criar plataformas por determinado problema de negócio. Um projeto em que a gente trabalha muito forte do banco do Estado da Índia chamado You Only Need One. Ou seja, o usuário precisa de apenas um aplicativo. Ali a pessoa vê o seu crédito, faz a logística, acessa e-commerce e os serviços básicos para a população. Eu fico pensando: Será que o projeto da Deland poderia expandir nesse sentido? Ailos conectando com o que o Itaú apresentou? Ou seja, essa troca de experiências, ela é muito rica como um todo”, concluiu.

 

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