O 5G é a primeira rede móvel a permitir o fatiamento da frequência de banda para dedicar um pedaço a aplicações específicas, o chamado network slicing. Por se tratar de um recurso inédito, ainda há um debate se isso poderia ferir o princípio da neutralidade de rede, sobre o qual versa o Marco Civil da Internet. Ao ser questionado, Sidney Azeredo Nince, superintendente de outorga e recursos à prestação substituto da Anatel, garantiu que o fatiamento não vai contra a lei.
“As nossas decisões e regulamentos são transparentes, por tecnologia e serviço. Não escolhemos serviço A, B ou C, nem tecnologia A, B ou C. Definimos o cenário para que os diversos serviços e tecnologias entrem em campo e joguem. Vemos o network slicing como uma aplicação da tecnologia. É uma funcionalidade”, esclareceu Nince durante painel no Smart City Business, nesta quinta-feira, 25, em São Paulo.
O princípio diz que todos os dados que trafegam na rede devem ser tratados da mesma forma e com a mesma velocidade. Na prática, o fatiamento permite que operadoras criem pedaços de rede para serem usados em casos de uso específico. A mesma rede, em uma empresa, por exemplo, pode ter uma fatia dedicada a aplicações críticas, enquanto a outra pode ser usada para atividades comuns, como enviar e-mails. “Eu entendo que isso não fere a neutralidade”, afirmou.
“Ferir neutralidade é dar prioridade para um serviço de massa crítica e diminuir a vazão de quem quer trocar e-mail. Todo mundo que está acessando o serviço está tendo a mesma disponibilidade de rede. Todos que acessam e-mail têm a mesma qualidade de rede. E os que precisam acessar uma aplicação crítica vão ter a sua aplicação crítica atendida”, exemplificou o superintendente.
Vitor Menezes, diretor de relações institucionais da Ligga Telecom, lembrou que a tecnologia acaba quase sempre vindo muito mais rápido do que a regulação. Ele vê uma boa vontade de adaptação por parte da Anatel. Para ele, talvez seja necessário repensar a legislação para viabilizar a aplicação. Ele sugeriu apenas um pouco mais de celeridade do órgão para resolver esse tipo de questão. “No final das contas, não existe 5G se não tivermos o cliente final na ponta tendo benefício disso. Está todo mundo ávido para poder botar isso em prática”, disse.
O superintendente da Anatel destacou que o regulador tem um papel de um juiz. A agência não deve atrapalhar o mercado, mas estabelecer regras justas para deixar o mercado se desenvolver com a participação de todos os players. É importante que sejam disponibilizadas frequências em diversos segmentos do espectro, permitindo que vários tipos de prestadores de serviço tenham acesso, pois as aplicações têm necessidades diferentes.
“E também [é importante] permitir alguém interessado em implantar e operar sua própria rede privativa a fazer isso por conta própria, contratar uma empresa pequena, média ou grande. Entendemos que a regulação tem que permitir tudo isso. Temos uma realidade muito grande e diversa. Nossa preocupação é manter um arcabouço regulatório que permita todas essas variações. É um setor dinâmico”, constatou.
Rede privativa x fatiamento
O debate surgiu, pois Ariel Dascal, CDO (Chief Digital Officer) da Rede D’Or São Luiz, constatou que para colocar em prática aplicações funcionais do 5G em instituições de saúde, como cirurgia à distância, é necessário ter uma rede privativa, pois na rede pública há competição pelo uso dos dados com outros usuários. Por se tratarem de questões tão sensíveis, como a vida, não há margem para instabilidades na rede.
Francisco Soares, vice-presidente de relações governamentais para América Latina da Qualcomm, mencionou que uma possibilidade seria o fatiamento da rede, mas lembrou que poderia haver uma interpretação conflitante com a neutralidade de rede. “Se tivesse essa interpretação, a regulamentação teria que acompanhar e evoluir, para que isso não seja impeditivo e possa usar essa vantagem também”, defendeu, antes do superintendente esclarecer a questão.
De qualquer forma, o CDO da Rede D’Or São Luiz, argumentou que há a questão da rede privativa não ser viável economicamente. “Ainda não acho que está maduro a ponto de ser no brainer para as instituições”, disse, usando a expressão em inglês que designa algo fácil de ser decidido. “Por exemplo, estamos avaliando migrar algumas das conectividades que nós temos em hospitais para 5G. A parte econômica ainda não é tão óbvia. Mesmo tendo uma conexão 5G, você vai ter sempre que disponibilizar um Wi-Fi.”