A regulamentação do Banco Central não estipula prazo para que seja feita a análise dos riscos que o pagamento por WhatsApp traria ao Sistema de Pagamentos Brasileiros (SPB). Na prática o serviço fica suspenso por tempo indeterminado.
A decisão de suspender o serviço foi anunciada na última terça-feira, 23, com base na circular 3.682, cujo texto foi alterado na mesma data. Embora a mudança regulatória pareça casuística, é importante ressaltar que está ancorada sobre um fundamento que não mudou: a proteção do SPB.
Cabe uma análise detalhada da regulamentação para entender o que foi alterado. Em 2013 o Banco Central modernizou a regulamentação brasileira para viabilizar o surgimento de fintechs, carteiras digitais e diversos novos arranjos de pagamentos que não precisam se integrar ao SPB, ficando portanto dispensados de uma série de obrigações. A resolução 4.282, de 4 de novembro de 2013, que define muitas das regras e limites para a atuação desses novos atores, em seu artigo 6º, estabelece que não integram o SPB os arranjos de pagamento que, a critério do BC, “não ofereçam risco ao normal funcionamento das transações de pagamentos de varejo.” O mesmo artigo determina que o BC considere pelo menos um dentre os seguintes parâmetros para avaliar tal risco: limitação de propósito; valor total das transações de pagamento; saldo dos recursos depositados em conta de pagamento; quantidade de transações realizadas; número de usuários finais; e efeitos do funcionamento do arranjo de pagamento sobre o mercado. Este sexto e último parâmetro, propositalmente marcado em negrito nesta matéria, é aquele que merece atenção do leitor, pois é o que norteia o BC na suspensão do pagamento por WhatsApp.
Também em 4 de novembro de 2013, fazendo par com a resolução 4.282, o BC publicou a circular 3.682. Na versão original dessa circular, a autarquia estipulava que, caso considerasse que determinado arranjo oferecesse risco “ao normal funcionamento das transações de pagamentos de varejo”, conforme descrito naquele parâmetro destacado na resolução 4.282, seu instituidor seria informado da decisão. Além disso, definia um prazo de 180 dias após a notificação para que as normas do SPB e a eventual necessidade de autorização passassem a ser aplicadas ao instituidor do arranjo de pagamentos.
Foi esta a circular alterada nesta semana. Em sua nova redação, se o BC entender que o arranjo põe em risco o setor, “decidirá por sua integração ao SPB e oficiará seu instituidor sobre a decisão”. Além disso, o prazo para a aplicação das normas do SPB foi reduzido de 180 para 30 dias. Mas é feita uma ressalva: se julgar pertinente, o BC pode estipular outro prazo qualquer ou “condicionar o início ou a continuidade das atividades do arranjo à obtenção de autorização.”
Como o BC decidiu que o pagamento por WhatsApp precisa de uma autorização, não há prazo para a liberação do serviço.
Análise
O BC está sendo criticado por ter ordenado a suspensão do pagamento por WhatsApp na mesma data em que alterou a circular. A reclamação é de que isso geraria insegurança jurídica, ou instabilidade regulatória, afastando investidores e prejudicando a inovação no mercado. Porém, também é possível argumentar que o BC fez justo o contrário: a fim de cumprir o que está previsto na resolução 4.282 e proteger o SPB de riscos decorrentes de “efeitos do funcionamento do arranjo de pagamento sobre o mercado”, teria “aprimorado” a circular 3.682. Tudo depende do ponto de vista.
Não há dúvidas de que a chegada do pagamento por WhatsApp mexeria de maneira significativa com o mercado brasileiro de pagamentos. É razoável, portanto, que o BC analise tal impacto previamente. O que talvez não seja razoável é a ausência de um prazo para a conclusão dessa análise.
Outro ponto a ser levado em conta nessa discussão é o lançamento do PIX, o serviço de pagamentos instantâneos criado pelo BC, previsto para novembro. Sua adoção pela população poderia ser prejudicada caso o pagamento por WhatsApp se massificasse antes de o PIX chegar, embora os dois serviços guardem diferenças importantes, há também semelhanças.
Por fim, independentemente do que o BC decidir, o WhatsApp e seus parceiros (Cielo, Visa, Mastercard, Banco do Brasil, Nubank e Sicredi) precisam também demonstrar ao Cade que o novo serviço de pagamentos não constitui uma ameaça à livre concorrência no mercado brasileiro, pois o órgão de defesa da competição também o proibiu para que possa analisar seus impactos.