O futuro do SIMcard ainda não passará por um caminho totalmente virtualizado. A indústria está trabalhando em um novo modelo, o eSIM, que promete simplificar boa parte da operação de ativação do aparelho, permitindo inclusive a escolha da operadora com facilidade e rapidez. Mas, ainda assim, exige um chip, que passará a vir embutido e soldado no dispositivo. A justificativa para tanto é que o cartão físico é uma camada de segurança necessária, segundo o consórcio da indústria móvel que promove a padronização e que é liderado pela associação global GSMA e envolve, além das teles, fabricantes de SIMs e de soluções para chips. "Nossa posição tem sido sempre que a parte física tem a segurança maior por ser um elemento físico", declarou a este noticiário a vice-presidente de programação para as Américas da GMSA, Ana Lattibeaudiere, durante a Mobile World Congress, em Barcelona.
A executiva justifica que o princípio do eSIM para o futuro se baseia na autenticação, que poderá acontecer com informações da pessoa em vez de ser um processo atrelado ao número do SIM. "Esse é o primeiro passo, e a especificação da GSMA é nesse sentido: estamos trabalhando para ir da autenticação para autorização e no futuro poder ter ofertas muito mais complexas", disse Ana Lattibeaudiere. Para funcionar com interoperabilidade, as teles terão de atualizar o banco de dados para usar o padrão defendido pela organização, o que poderá acabar demandando investimento. "Pode começar a ter custo se tiver muita adesão."
Para ela, ainda é cedo para definir se o novo padrão mudará o modelo de negócios de fornecedores como Gemalto e G&D, que continuarão fornecendo parte da solução, como o módulo (que virá instalado de fábrica nos aparelhos) e o gateway de autenticação. "Esse é um serviço um pouco novo, não sei se muda (o modelo)", comentou. A ideia é que a autenticação possa ser aproveitada também para outros serviços, como os bancários, pois permitirá o compartilhamento de informações definidas pelo usuário (ao contrário do Facebook Login, que apenas pede para aceitar ou rejeitar um conjunto de permissões de acordo com o serviço).
Na visão do vice-presidente global de marketing e vendas da fornecedora Giesecke & Devrient, Carsten Ahrens, o uso de um "softSIM" (de software SIM) não está no horizonte. "Realmente acreditamos que ter um pedaço de hardware dedicado é uma boa coisa para a segurança", disse ele durante debate no primeiro dia da Mobile World Congress 2016, em Barcelona. "O SIM está por aí há 25 ou 30 anos, muitos testes tem sido feitos, e eu acho que se a gente realmente conectará bilhões de dispositivos, então a segurança é fundamental", justificou.
Intermediário
Mesmo precisando ainda do chip físico, a ideia é promover o eSIM como um dos elementos-chave para a conexão do próximo bilhão de dispositivos. Na visão da indústria, por permitir a ativação mais rápida, ele poderia ser uma opção mais simples para o consumidor e mais efetiva para a operadora. Na comparação feita pelo vice-presidente sênior de padronização e desenvolvimento de ecossistema da Orange, Philippe Lucas, o novo produto é como "digitalizar a distribuição do SIMcard", uma vez que o fabricante pode inserir o cartão "vazio" e o usuário o ativa remotamente.
Na visão da CEO da operadora suecta Tele2, Allison Kirkby, alguns serviços já poderiam se valer de um SIMcard totalmente virtualizado. "O softSIM seria ótimo para IoT (Internet das Coisas), mas isso será um desafio para nós operadores", afirma. "Acho que virá, e acho que (as teles) têm que olhar, e não impedir que isso aconteça, porque para o consumidor vai melhorar", completou. "Eu concordo que vamos chegar lá, mas a questão é: como? Quem vai deter a credencial? O diabo está nos detalhes", contrabalançou o CEO e presidente da AT&T Mobility, Glenn Lurie.
Certificação
Mas no caso de o algoritmo de segurança e criptografia do eSIM for comprometido, há um dilema. Quando perguntado sobre isso, nenhum dos debatedores quis responder, alegando não ter conhecimento técnico. Mas a expectativa é que o hardware mantido sirva como elemento de segurança de forma semelhante ao chip nos cartões de crédito. Os próprios módulos do eSIM são fabricados nas mesmas linhas de produção e com o mesmo cuidado que os cartões da bandeira Visa, segundo o diretor global de estratégia e inovação OS da unidade de dispositivos da Telefónica, Pedro Gil Morales.
O padrão ainda está sendo definido, e a expectativa é que isso ocorra até junho. Uma vez acertado, haverá um período de certificação da plataforma, que deverá ser concluído em dezembro, de acordo com Morales. Mesmo sem uma aprovação definitiva de interoperabilidade, já há modelos no mercado com o padrão, e a Samsung planeja lançar o primeiro dispositivo vestível com o eSIM já em abril, com o relógio inteligente Gear S2 Classic.
No caso de dispositivos vestíveis, a ativação é feita com um voucher de papel com o QR code impresso. Por meio do aplicativo de gerenciamento do smartwatch em um smartphone (não necessariamente Android), o usuário escaneia o código, que baixa um pequeno arquivo com o identificador digital do SIM que então é enviado ao wearable. No relógio, escolhe-se entre as operadoras disponíveis, para finalmente ativa-la após um reinício no aparelho. Toda a operação dura cerca de 2 minutos.
O vice-presidente sênior de tecnologia IMS da Samsung, Yunsang Park, afirma que o eSIM não estará disponível apenas em wearables da companhia. "O smartphone é diferente, pois tem um ecossistema grande, mas sim, em breve vamos introduzir um dispositivo (com a tecnologia)", declarou. O executivo ressalta que, com o eSIM, o Gear S2 Classic será comercializado inicialmente em abril com a operadora Vodafone, na Alemanha, mas em breve terá também Orange, Telefónica e "todos os canais necessários". Além dos wearables, o eSIM deve ser adotado em equipamentos de Internet das Coisas.
Um dos parceiros do desenvolvimento do eSIM é a Apple, que já tem feito estratégia semelhante nos Estados Unidos com um SIM "white label" no iPad.
* O jornalista viajou a convite da FS.