Na semana passada, a prefeitura do Recife anunciou uma parceria com a startup pernambucana In Loco para conseguir dados sobre deslocamento de pessoas na cidade, de forma a auxiliá-la no combate ao novo coronavírus. Mobile Time conversou com o fundador e CEO da In Loco, André Ferraz, para entender melhor como vai funcionar essa iniciativa.

Mobile Time – Soubemos da parceria da In Loco com a prefeitura do Recife para o fornecimento de dados sobre o deslocamento das pessoas pela cidade. Poderia explicar melhor como isso vai funcionar?

André Ferraz – Durante o fim de semana, repentinamente, começamos a receber um monte de ligações de secretarias e políticos desesperados querendo ajuda com dados. Temos uma tecnologia de localização e nunca imaginamos que ela poderia ser usada em um cenário desses. O grande diferencial que temos em relação a outras tecnologias de localização, seja por GPS ou telefonia celular, é a precisão. Conseguimos ter visibilidade de certos comportamentos que não dariam para ser capturados por outras tecnologias. Por exemplo: se uma pessoa sair de casa, conseguimos detectar quase em tempo real, em poucos segundos. E com base nisso podemos gerar métricas por bairros, como um índice de quantas pessoas estão saindo de casa em um certo dia, em determinado bairro. Estamos basicamente medindo duas coisas: 1) um ranking de isolamento por bairro, ou seja, como as pessoas estão se movendo e se elas estão ou não saindo do bairro; 2) dentro do bairro, entregamos um ranking de isolamento no nível residencial, com um percentual de pessoas que saíram ou não de suas casas. Essas duas métricas já estão sendo entregues para alguns governos, tanto prefeituras quanto governos estaduais.

Mobile Time – Com quantas cidades e estados a In Loco está conversando para firmar essa parceria?

Já perdi a conta… Fomos contactados por todo mundo, praticamente todos os estados e boa parte das grandes cidades do Brasil. Por conta disso estamos correndo para ver se conseguimos lançar ainda nesta semana ou na próxima algo que cubra todo o território nacional. Dá bastante trabalho e estamos dando o sangue para fazer acontecer.

Há outras métricas em construção?

Para frente estamos construindo uma métrica para fazer a melhor alocação de pacientes e profissionais de saúde. A forma como faremos é medindo a lotação, quase em tempo real, de cada unidade de saúde. Aí as autoridades conseguirão fazer uma alocação melhor de pessoal.

Outra ferramenta que estamos construindo é um monitoramento em tempo real de aglomerações. Conseguimos identificar um grande grupo de pessoas reunido em uma determinada localização em tempo real. Essa informação poderia ajudar as autoridades de segurança pública a ir ao local e dispersar as pessoas.

Quando essas novas ferramentas ficarão prontas?

A maioria das ferramentas deve sair nas próximas quatro semanas. Estamos realizando entregas diárias. Só a questão da aglomeração, que é um pouco mais complexa porque é em tempo real, talvez demore um pouco mais. Estamos correndo. É difícil dar uma estimativa porque tudo começou a ser feito no sábado.

Enquanto isso, em comunicação, estamos integrando nosso SDK nos aplicativos dos estados de forma que consigam utilizar nossa ferramenta de notificação push por localização para mandar alertas direcionados às pessoas. Se alguém sair de casa, a gente pode mandar um alerta de que só deveria sair se for para uma unidade de saúde, supermercado ou farmácia. E poderíamos indicar quais as farmácias ou supermercados próximos com a menor lotação naquele momento, para que a pessoa não vá a um lugar onde enfrentará fila e risco de transmissão mais alto. Essa ferramenta de comunicação, que vinha sendo vendida para a iniciativa privada, principalmente varejo e m-payment, agora é aplicada para essa situação. Este é um produto que já estava pronto.

Tudo isso está sendo oferecido de graça para prefeituras e governos estaduais?

Estamos fazendo isso pro bono. Mas algumas ferramentas e métricas têm um custo maior por conta do processamento em nuvem. O volume de dados que chega para a gente é muito grande. Processar qualquer coisa na nuvem é bastante custoso. Não estamos cobrando nada dos estados. Em vez disso, estamos tentando arrecadar fundos da iniciativa privada e de alguns editais para ajudar a financiar esse custo. Além disso estamos buscando parcerias. O propósito aqui é ajudar. Estados e prefeituras não precisarão fazer nenhum desembolso.

Como fica a privacidade dos cidadãos?

Tenho uma opinião muito forte em relação a privacidade. Entendo que esse momento não deveria ser utilizado para afrouxar qualquer questão de privacidade. Não deveria ser usado para adiar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), por exemplo. Do nosso lado, todas as análises são feitas puramente em cima dos dados de localização. Não temos nenhum identificador desses usuários: não sabemos quem eles são e não precisaríamos disso para prestar esse serviço. Os dados não são compartilhados com nenhum governo. Ninguém está tendo acesso à localização das pessoas, mas puramente à estatísticas e relatórios. Fazemos todo o trabalho de anonimização e agregação: só depois repassamos informações, mas nunca o dado bruto. E, finalmente, isso tudo é possível porque temos o opt-in dos usuários para coletar sua localização. O uso desse dado é autorizado e é do interesse da população. Fazemos isso para proteger a saúde das pessoas e consequentemente a nossa economia. Apesar de ser um tema polêmico, seguimos as regulamentações, inclusive uma que nem está em validade ainda (LGPD). O resultado até agora tem sido muito positivo para os governos que começaram a utilizar nossa solução, em particular a prefeitura do Recife, que foi a primeira. É uma tecnologia com potencial de contribuir para uma redução drástica nos efeitos dessa doença.

 

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