[Atualizado 10h50 do dia 27/04/2021] Contratado como presidente da Qualcomm na América Latina nos primeiros dias de 2021, Luiz Tonisi chega com a missão de dar prioridade ao 5G e trazer mais relevância para o País. Em conversa com Mobile Time, o executivo falou dos seus primeiros dias na companhia, as expectativas em relação à quinta geração de telefonia móvel e às outras verticais nas quais a Qualcomm apostará nos próximos anos.
Falando direto de Goiânia, onde a companhia fez a primeira transmissão de vídeo em 5G de uma corrida da Stock Car ao lado de Band, Huawei e Claro, Tonisi explicou que a Qualcomm vai priorizar três áreas: CPEs para 5G FWA; Wi-Fi 6 e 6E; a cadeia produtiva de smartphone; e IoT as a Service, HaaS e 5G private network as a service. “Não espere uma posição que não seja de liderança da Qualcomm na América Latina”, afirmou o gestor.
Mobile Time – Como foi em sua carreira migrar da Nokia para a Qualcomm?
Luiz Tonisi – A migração, do ponto de vista de empresa, não gosto de comparar pois cada uma tem sua beleza. A Nokia é muito focada no mundo B2B, infraestrutura e rede. E na Qualcomm o grande charme é ser a habilitadora do 5G no mundo. A Qualcomm está na parte do B2C com smartphones e chipsets, mas agora é uma empresa B2B2C. Estamos atuando nas áreas dos smartphones, com as melhores features, capacidade e experiências no 5G. Também estamos entrando em várias verticais: nos apresentamos como uma empresa para máquinas com IoT, robôs conectados, carros conectados, drones conectados; estamos trabalhando muito forte no desenvolvimento do OpenRAN, tanto para parte de BU como RRU. Estamos entrando forte no B2B2C, a experiência humana será cada vez mais importante, mas a interação com a máquina, os casos de uso e o 5G serão parte do nosso core business. E somos uma power house de “G”. Habilitamos 2G, 3G, 4G e agora com o 5G isso é exponencial, pois o 5G não é só mais um G. A beleza de estar na Qualcomm é fazer parte da cadeia de desenvolvimento do 5G no mundo, independentemente onde está jogando: redes, humanos ou robôs.
Como foi o seu começo na Qualcomm? Por que aceitou assumir esse posto?
Dizendo pelo meu lado, (o que me atraiu) é ficar no centro das discussões no 5G. Não é o 5G simplesmente como tecnologia, mas 5G como negócio. Quais serão os casos de uso? As próximas indústrias a se conectarem? Como se faz a economia? Que tipo de desenvolvimento de ecossistema precisa para que a economia aconteça? O potencial da Qualcomm (para responder essas questões o mercado) é ilimitado com sua capacidade de investimento e desenvolvimento.
O que podemos esperar da sua gestão à frente da Qualcomm?
Queremos o 5G como prioridade. Se ligar para 20 executivos de infraestrutura, terminal, tecnologia, todos eles dirão que a quinta geração é prioridade. Mas dentro do 5G queremos endereçar algumas áreas especificas. Primeiro é o mercado de smartphones: queremos ter certeza de que vamos lançar e que teremos um ecossistema robusto de handsets em standalone (SA), com Releases 15 e 16, esperando a melhor performance dos produtos Snapdragon. O ponto número dois é para trabalhar na parte como business as a service, IoT as a Service, 5G private network as a service, hardware as a service, inclusive computador baseado em Snapdragon. Queremos entrar no setor de educação com esse tipo de computador, IoT com medicina e 5G Private Network para toda a Indústria 4.0 e agronegócios. E a terceira vertical é o setor automotivo. Estamos definindo com as montadoras a próxima experiência com o carro, com relação à telemática, cockpit com entretenimento e a relação do carro com a rede em um futuro com carros autônomos. 5G é o catalisador de tudo. Para isso, precisamos ter um ecossistema poderoso no Brasil. Portanto, vamos fazer smartphones, CPEs para 5G FWA, dispositivos de IoT e o modelo de IoT as a Service e vamos focar na parte de 5G private network – um mercado que será tão grande quanto o segmento do 5G para o consumidor final. Antes, a gente só falava de smartphone. Hoje eu posso falar um dia inteiro sobre tudo que fazemos. E ainda vai faltar tempo.
Quais são suas expectativas para o leilão de 5G?
Acreditamos que o leilão será um habilitador de um ecossistema pujante. Um ponto positivo é o leilão beauty contest, no formato “the more you cover, the less you pay” (‘quanto mais você cobre, menos você paga’, na tradução livre do inglês). Isso é ótimo para o País, para o 5G, para o desenvolvimento da indústria. O 5G será a plataforma de desenvolvimento (do Brasil). O modelo proposto para o Brasil, eu vejo com bons olhos. É difícil às vezes você agradar todos e ter um modelo perfeito. Mas é interessante o modelo brasileiro.
A quantidade de espectro é suficiente para os participantes?
A quantidade de espectro do Brasil no leilão do 5G é uma das maiores do mundo. Pelo menos em um leilão único. Se lembrar no passado, nós tivemos a briga (das operadoras) de 10 MHz em 700 MHz. Agora falamos em 400MHz em quatro blocos de 100 MHz. Tem ondas milimétricas, 700 MHz, 3,5 GHz, 2,3 GHz. A diferença será na estratégia de cada operador em implementar a rede. Ou em como cada um trará a experiência do usuário, os casos de uso, o desenvolvimento do ecossistema. A quantidade de espectro é igual, a cobertura é igual – embora você possa cobrir mais que a obrigação. Mas isso trará uma dinâmica bem interessante para o mercado.
Teremos terminais 5G a tempo do leilão para atender a população no Release 16?
Com relação à SA ou non-standalone (NSA), nós suportamos todos os modelos. Não sou neutro, nem positivo, nem negativo. Estamos em uma cadeia dos lançamentos dos sistemas SA. Fizemos nos EUA e, semana retrasada, com Vodafone e Ericsson na Alemanha. Mas, sim, vamos ter terminais a tempo do leilão. Se considerar o leilão para julho e agosto e as obrigações para junho de 2022, vai ter terminal com Release 16. Teremos um ecossistema com relação a isso. Essa não deve ser a maior, nem a única preocupação. Estamos trabalhando com todos os fornecedores de smartphones nesse desenvolvimento para atender o mercado brasileiro. Por outro lado, nós teremos mais lançamentos no segundo semestre com 4G e 5G. Tudo que lançamos hoje funciona com DSS. Mas todos os próximos lançamentos vão suportar 3,5 GHz.
E a estratégia de 5G private network da Qualcomm?
Sempre fui um grande apoiador de PPPs. Nokia tinha 35% do mercado de FTTH e foi o que mais impulsionou a fibra no Brasil naquele momento. Tem cidade no Brasil que o seu único entretenimento é a Internet (streaming de áudio e vídeo). Estamos conversando com as PPPs para desenvolver esse aparato. Para conectar pessoas que ainda não estão conectadas via 5G. Algo que, talvez com a fibra ótica, não é o melhor TCO (custo total). Mas com o 5G, dada a densidade, em termos de TCO, pode ser mais vantajoso. Estamos conversando para levar banda larga e certa mobilidade.
Como pode ser o business model com as PPPs no 5G?
Os modelos com a PPPs podem ser dois. O primeiro é comprar diretamente a frequência. Daí serão quatro, cinco ou seis players com capacidade de investimento. Ou podem elas operar via empresa maior – como Highline em 3,5 GHz – e montarem várias MVNOs. Várias empresas penduradas em uma companhia maior que não competirá com as grandes, mas venderá capacidade ou conectividade. Isso no aspecto regional. Talvez, inclusive tenha um modelo híbrido.
E quanto às possibilidades com as ondas milimétricas do 5G? Essa é a principal aposta da Qualcomm no exterior. A estratégia será similar para o Brasil?
O diferencial (do 5G) está em como atenderemos o cliente e os novos casos de uso. O mmW é mais que a cereja do bolo na quinta geração. É, no longo prazo, onde tem mais espectro e terá mais diferencial ao cliente. Existem ainda argumentações sobre o TCO em mmW. Acho que o custo dele deriva do potencial e da receita proporcional que pode ter. É uma tecnologia que está amadurecendo. Tem vários casos no mundo. Dado que o Brasil está no começo dessa jornada, ainda não lançou o 5G, o Brasil não pode perder a oportunidade de fazer em paralelo o 3,5 GHz com o mmW. Não é colocar uma ERB mmW para cada 3,5 GHz. Mas nós temos que começar a preparar o que significa e quais as vantagens do mmW. A experiência de baixa latência, alto throughput, XR no varejo, jogos e telemedicina. O mmW trará mais casos de uso. O Brasil começa com SA, o que permite slicing da rede para aplicações essenciais. 5G é muito mais potente, não é só velocidade e troca de smartphone.
Wi-Fi 6 e Wi-Fi 6E: quando podemos aguardar essa evolução? E quando empresas e consumidores começam a sentir a diferença?
Fomos defensores do Wi-Fi 6E na Anatel. Por um simples motivo: já tem tanto espectro no 5G, então precisava resolver o Wi-Fi 6E. Além disso, terá mais espectro para 5G lá na frente. Estamos super em linha com o Wi-Fi 6E. Nós estamos trabalhando com o desenvolvimento de terminais. Vamos trabalhar forte para ter CPEs e roteadores Wi-Fi 6 e 6E no mercado. Estamos trabalhando com a possibilidade de fabricação local, dependendo do volume. Do lado das operadoras, acredito que o começo será no B2B, pois é quem precisa de throughput maior. Junto ao consumidor final será gradual, mas vai começar. A curto prazo, pequenas e grandes empresas devem adotar essa tecnologia.
O que falta para as operadoras adotarem o Wi-Fi 6 e Wi-Fi 6E como padrão?
Tudo é um caso de TCO no final das contas. Hoje, o consumidor paga R$ 100 em média e tem um Wi-Fi de 300 Mbps. Quando vai para uma velocidade maior, a operadora precisa ter um retorno do investimento. É igual ao 5G. Às vezes, as pessoas questionam, ‘por que trocar o 4G pelo 5G’ ou ‘qual é o killer app do 5G?’. Mas hoje temos que falar de customer experience. Tem usuário que quer experiência e serviços diferenciados. As operadoras vão começar a adotar o Wi-Fi 6E quando tiverem uma quantidade de terminais maior, o que vai começar agora. A gamas de dispositivos e preços se ajustarão à demanda. E, assim, as operadoras devem ir para o Wi-Fi 6E. É um efeito dominó, uma operadora faz um investimento e as outras seguem.
Por que recuar com a fábrica do QSiP no começo do ano passado?
Tivemos algumas mudanças de plano com relação ao QSiP. De maneira simples, nós avançamos o QSiP para o chip 7C com design Brasil (DIB). Ou seja, independentemente da localização do produto, se é fabricado no Brasil ou se vem de ODM de fora, ele terá um incentivo do DIB para o nosso chipset 7C (família de PCs). Para a questão do QSiP em si, ou seja, para smartphones 4G, a parte de impostos acabou tendo uma deteriorada com relação à importação. Portanto, nós resolvemos que esse projeto não vai adiante. Queremos focar em trazer desenvolvimento e conhecimento para todas as verticais que vamos trabalhar na chegada do 5G. Não faz sentido ter um produto 4G em um momento de evolução para 5G. Então mudamos essa estratégia. Vamos seguir adiante com 7C que é o DIB. Vamos usar o desenvolvimento do 7C que fizemos no Brasil, qualquer computador que vier de fora terá os incentivos do governo brasileiro. Dito isso, a realidade é que a fábrica não vai para frente.
A entrada do 5G leva a Qualcomm para novas frentes, como automóveis e IoT? Quais as expectativas para o Brasil?
Importante dizer que os fabricantes presentes no Brasil são globais, portanto, não podemos isolar o País da cadeia global. Existem desenvolvimentos no exterior. E há conversas com montadoras no Brasil não só para adaptar, mas para exportar para outros países como África e Índia. Estamos conversando com os fabricantes, baseado nos projetos globais, para trazer os benefícios para o Brasil e sua cadeia. Se pensar que o carro na década de 1960 tinha um manual de três páginas, hoje ele seria do tamanho do Empire State. Cada vez mais tem features, entretenimento, telemetria do carro. Andamos pari passu junto com o desenvolvimento global. Carro autônomo não é para 2023 ou 2024. Falta toda a parte de regulação, lei e custo. Mas posso dizer que cada vez os carros terão tecnologia embarcada e capacidade de processamento. O carro será um smartphone de quatro rodas, com sua própria conectividade. Algo que já vemos na GM, FCA e Hyundai.
E sobre o IoT na Qualcomm?
É o tema que mais gosto. Imagina o agronegócio, a indústria 4.0, as smart cities, tudo conectado. O que podemos coletar de dados em tudo isso? Vamos criar módulos de IoT 5G. E os módulos robotics. Na Bosch, já tem conectividade e processador dentro dele. Porém, nós temos o modelo de IoT as a Service, temos um parceiro da Qualcomm para mostrar tudo que está dentro das conexões. Isso serve para vários casos de uso. Como saber o que acontece dentro de uma fazenda? Estamos considerando trazer esse ecossistema que será um grande data lake. Não é só vender o módulo ou o modem, é vender um serviço na ponta. É um SaaS. E será a mesma coisa para 5G Private Network. É um modelo mundial da Qualcomm e esperamos crescimento no Brasil com ele.
Temos acompanhado um aumento exponencial do tíquete médio dos celulares. E há ainda a chegada do 5G. Neste cenário, o handset fica cada vez mais caro para o consumidor. Como a Qualcomm pode colaborar?
Teve uma alta do dólar significativa. Mas alguns dispositivos até caíram se considerar o preço em dólar. Nós trabalhamos forte em lançamento de chipsets. Com opções e funcionalidade diferentes nas gamas de entrada, intermediária e alta. Como toda tecnologia, você começa de cima para baixo. Começa com os flagships e os early adopters no 5G. À medida que escalar, o custo da tecnologia cai, como qualquer produto. Temos chipsets 5G na família 7, 6 e 5 de Snapdragon. Os primeiros chipsets da série 8 estão vindo para a América Latina, com Xiaomi e Motorola, e teremos lançamentos ainda não públicos para o segundo semestre. Estamos adaptando a Qualcomm para o desenvolvimento do premium, mas sem esquecer o mid-tier. Estamos trabalhando forte com OEMs para o ano que vem. Por exemplo, no mercado de gaming, estamos trabalhando com essa indústria para desenvolver diretamente o jogo no Snapdragon.
Veremos uma estratégia mais agressiva da Qualcomm em marketing no Brasil?
Não basta sabermos que somos o melhor. Os consumidores precisam saber que somos o melhor. E o melhor é entregar aquilo que você quer. Para o gamer, o piloto de carros, o educador, o fazendeiro: qual a vantagem para você? Eles precisam saber, pois são eles que compram na ponta. Pode esperar muito coisa. Temos muita coisa a oferecer para os brasileiros.
Ainda em handsets, nós vimos avanços dos seus rivais neste mercado. Qual a estratégia da Qualcomm para manter-se na dianteira?
Não existe nenhuma vantagem no mundo em ficar sozinho. Não tem nada demais os nossos competidores estarem engajados. Isso estimula o mercado. É algo que vemos no mercado de operadora com a compra da Oi móvel. O que posso garantir é que a Qualcomm busca manter sua liderança tecnológica. Com isso, sempre conseguimos influenciar as tendências, tecnologias e casos de uso. Continuaremos investindo. Um exemplo é que hoje somos o único fornecedor de chipset com mmW. Mas outros vão ter, e não tem problema isso. O mercado de smartphones vai crescer.
A saída da LG balançou o mercado? Como a Qualcomm viu isso e como fica o mercado a partir de agora?
A saída de um fabricante é sempre ruim. Esperamos um ecossistema pujante, crescendo. Mas isso não está no nosso controle. Continuamos trabalhando forte, desenvolvendo os outros atores. Mas o ecossistema se fortalece mais. Temos mais de 800 telefones lançados com 5G globalmente. É um ecossistema que se desenvolve rápido. Esse mercado se adapta, um sai e outro entra. O share é dividido. Entra um novo player. A pergunta é quem pegará esse share, pois depende das OEMs. Mas o mercado de mobile não vai cair com a saída da LG. Alguém pegará essa cota de mercado.