A publicação da resolução CD/ANPD no 19/2024 de transferência internacional de dados pela ANPD foi celebrada entre os especialistas ouvidos por Mobile Time. A norma era esperada há cerca de um ano, quando a autoridade lançou consulta pública para ouvir diferentes partes sobre o tema. No fim, o texto é parecido com aquele proposto, com uma ou outra diferença.

Entre os pontos ressaltados por Luis Fernando Prado, sócio do escritório Prado Vidigal Advogados, está o prazo maior – de 12 meses – para a adaptação dos contratos relacionados à cláusula padrão pelas empresas que forem adotá-la.

transferência internacional de dados

Luis Fernando Prado. Foto: divulgação

Outro ponto eram as exigências contratuais de assinatura por uma terceira parte, que foi eliminado. “No caso de um operador, precisaria da assinatura de um controlador, o que não fazia muito sentido”, exemplifica.

Prado, no entanto, ressalta que o documento não é perfeito – apesar do importante avanço. Entre os pontos sujeitos a críticas estão as novas obrigações – como a do titular da empresa ter que abrir o conteúdo das cláusulas para os titulares de dados – algo que não era previsto pela LGPD.

“Mas, no fim, é de se comemorar porque houve alguma escuta das críticas. Está longe da perfeição, mas regulação perfeita não existe. O fato é que vale mencionar que a ANPD finalmente começa a endereçar temas mais espinhosos da regulamentação da LGPD. Era muito aguardado”, comenta.

Corrida das empresas para adequação

Patrícia Peck, sócia e CEO do Peck Advogados, aponta que, com relação às cláusulas padrão contratuais, foi desenvolvido um modelo pela ANPD. Porém, se a empresa já utiliza um documento próprio, ela poderá submeter à autoridade o seu modelo. “Ou é um caminho ou outro. Muitas entidades, porque este tema não estava regulamentado no Brasil, usavam o padrão da União Europeia, até porque precisavam realizar transferências internacionais de dados”, explica. Ou seja, a companhia poderá submeter seu documento à autoridade brasileira e a ANPD poderá permitir o seu uso ou exigir a adequação ao seu memorando.

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Patricia Peck. Foto: divulgação

Peck também comenta que os DPOs terão trabalho a fazer para compatibilizar as empresas às novas normas da LGPD rapidamente. “Eles terão que fazer o dever de casa porque chega o fim de ano e as vendas de Black Friday, Natal e isso impacta muito os e-commerces, nas importações e exportações. Então, é uma legislação atualizada que entra em vigor de imediato e que é importante fazer a atualização”.

Cláusulas padrão contratuais na transferência internacional de dados

Cláusulas padrão contratuais servem para que as empresas que enviam dados para outros países tenham segurança jurídica de que essas informações serão tratadas de forma adequada e em conformidade com as leis brasileiras ao serem armazenadas em um outro país.

Pedro Gueiros, professor de direito civil e novas tecnologias da UFRJ e do Ibmec-Rio, salienta que as cláusulas padrão contratuais são fundamentais para a transferência internacional de dados, sobretudo entre países com diferentes “ordenamentos jurídicos” no tratamento do tema. É um texto que vai dar maior nível de segurança e conformidade ao tratamento de dados feito fora do País.

“É muito evidente que os diferentes países do globo lidam de maneira desigual com o tratamento de dados. Existem países com legislação forte, outros com lei fraca. Não existe um mecanismo seguro quando a gente fala de um envio de dados pessoais de cidadãos brasileiros que estão sendo enviados para outros países que não sabemos se serão tratados de forma adequada. As cláusulas servem para criar uma maior proteção frente ao fluxo intenso para outros locais sem compatibilidade de proteção, onde não é possível identificar uma autoridade nacional para exigir algum esclarecimento, por exemplo”, explica Gueiros.

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Pedro Gueiros: professor de direito civil e novas tecnologias na UFRJ e Ibmec-Rio. Foto: divulgação

“O modelo proposto pela autoridade facilita muito o processo de construção dessas cláusulas. Isso é algo que vai trazer muitas vantagens. Estamos num caminhar muito bom e positivo e essa evolução é algo que a prática, a experiência, vão tornar ainda mais relevante e seguro esse ambiente ao qual estamos nos inserindo, com uma maior conformidade no tratamento de dados agora nesta perspectiva internacional”.

Gueiros também explicou sobre as cláusulas contratuais globais. Estas são dedicadas aos grandes conglomerados econômicos. “Eles criam normas voltadas a essa circulação muito evidente de dados. A lógica é parecida com a da União Europeia em que eles vão aprovando conforme essas empresas estão se organizando em termos de envio de dados entre suas sedes e subsidiárias. E a ANPD publiciza conforme o tempo e as solicitações que de fato as empresas estão em conformidade em termos de transferências”, explica.

No momento em que a ANPD reconhece um país em conformidade com suas leis para a transferência de dados, este processo será feito com mais facilidade por terem padrões adequados e por oferecerem mecanismos de proteção de segurança e tratamento de dados pessoais tal como o Brasil.