| Publicada originalmente no Teletime | Conforme esperado, o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o arcabouço regulatório brasileiro para as áreas de telecomunicações, políticas digitais e radiodifusão divulgado nesta segunda-feira, 26, trouxe recomendações para um modelo convergente de regulação, com unificação de funções em uma única agência. Para além disso, coloca questões já bem conhecidas no setor, como acabar com restrições de propriedade cruzada na TV por assinatura e redução de tributação e de barreiras regulatórias para compartilhamento de infraestrutura passiva.
Por outro lado, pede atenção à possibilidade de renovação sucessiva de licença de espectro, além de revisão do conceito de poder de mercado significativo (PMS). Para acessar o relatório completo, clique aqui.
Segundo a OCDE, as diferenciações de serviços “criam uma distinção artificial entre serviço de comunicações e radiodifusão, gerando barreiras à entrada no mercado e resultando em arbitragem tributária e regulatória”. E que há falta de consistência e independência orçamentária da Anatel junto com o controle do Tribunal de Contas da União (TCU), o que poderia prejudicar a atuação da reguladora.
Vale lembrar que o Ministério das Comunicações anunciou recentemente a elaboração de uma minuta de projeto de lei para promover a incorporação dos correios pela Anatel, instaurando um novo ente, a Agência Nacional de Comunicações – Anacom.
Por isso, sugere uma série de recomendações. Confira a seguir.
Agência reguladora unificada
Neste caso, diz que “uma única entidade deveria outorgar espectro para os serviços de radiodifusão e de telecomunicações”. Assim, sugere a criação de uma nova agência que unifique as funções regulatórias da Anatel, Ancine e do MCTIC/Minicom (neste caso, por poderes regulatórios de radiodifusão). A justificativa é que o próprio mercado está convergindo para o caminho das redes IP.
“No sentido de fortalecer seu marco institucional, o Brasil poderia criar uma autoridade única, independente, que fosse responsável por supervisionar os mercados de comunicações e radiodifusão (incluindo a TV por assinatura) e por monitorar serviços OTT. Ao mesmo tempo, ela manteria separadas a regulamentação e a formulação de políticas públicas, conforme é sugerido na próxima recomendação.” A OCDE cita exemplos de fusão de reguladoras na Austrália, Hungria e Reino Unido.
A entidade diz que há também uma sobreposição de funções de regulação entre MCTIC, Ancine e Anatel, mas também com outras entidades como o Cade para o cumprimento de leis de competição ex-post. “Ao contrário das boas práticas internacionais, não há uma distinção clara entre a formulação geral de políticas e a expedição de regulamentações ex-ante para lidar com falhas do mercado, promover competição e proteger consumidores (especialmente, quando se trata de serviços OTT).” O relatório também cita sobreposição em questões de defesa do consumidor entre Anatel, Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e os Procons estaduais ou municipais.
O estudo diz também que o licenciamento deveria ser simplificado. “O atual marco institucional reflete a fragmentação na regulamentação de serviços de radiodifusão e de TV por assinatura.” Cita a proibição de propriedade cruzada na Lei do SeAC como um impeditivo para a cadeia de valor, colocando que “avaliação de fusões verticais deveria ser conduzida caso a caso”.
Outra recomendação é a de instituir a um órgão de supervisão independente a revisão de análises de impacto regulatório (AIRs) das diferentes reguladoras, como Anatel e Ancine, ou de uma eventual agência unificada. “No Brasil, a Anatel tem sido a agência reguladora mais ativa na promoção das AIRs. Entretanto, concentrou-se nas avaliações qualitativas e possui pouca experiência com avaliações quantitativas. Além disso, as informações da Anatel relativas à implementação das AIRs são de difícil acesso.”
Reforma tributária
A OCDE coloca que o Brasil precisa harmonizar a tributação entre estados e reduzir “onde for possível”. Para isso, propõe um regime de licenciamento único para minimizar os custos legais, ônus administrativo e potencial para arbitragem tributária. Mas insiste que é necessário uma reforma tributária “profunda” em longo prazo.
Condições de mercado
Em geral, a entidade recomenda reduzir barreiras à entrada de provedores, como acesso não discriminatório à infraestrutura passiva (dutos e postes) e direitos de passagem, bem como adoção de políticas de “dig once” (escavar uma vez). Outro ponto é o de incentivar compartilhamento dessas infraestruturas; “aumentar ainda mais a conectividade” de backhaul; e “promover modelos abertos de acesso a produtos de atacado”. Ao tratar da gestão eficiente de espectro, recomenda um monitoramento dos efeitos da renovação sucessiva possível com o novo modelo (Lei nº 13.879/2019, regulamentada no decreto nº 10.402/2020) para dar abertura à entrada de novos participantes e na competição no mercado móvel. “Particularmente, o Brasil deve planejar com cuidado o futuro leilão de 5G, dadas as suas implicações para as dinâmicas competitivas do mercado”.
Promover a concorrência
A OCDE diz que o Brasil deveria adotar as recomendações da própria entidade, o que inclui “remover da lei de defesa da concorrência o limite de 20% de participação no mercado como indicador de posição dominante”.
Políticas públicas
“Fortalecer as políticas nacionais e a formulação de políticas baseadas em evidências”. Segundo a organização, o Brasil precisa estabelecer metas em políticas públicas, auxiliando entidades em diferentes esferas administrativas para um trabalho conjunto em prol da conectividade. Para tanto, sugerem promover investimento em infraestrutura. “Finalmente, o Brasil deve promover políticas públicas audiovisuais inclusivas e voltadas para o futuro, enquanto também aprimora a coleta de dados para a formulação de políticas baseadas em evidências.”
Barreiras
O aspecto geográfico do País é citado como um desafio, especialmente em áreas remotas como zonas rurais e a região amazônica e fronteiras. Segundo o relatório, apesar de aumento da penetração da Internet e do celular, o Brasil ainda está abaixo da média da OCDE em vários indicadores-chaves.
Segundo o relatório, o País tem fortalecido o marco legal e regulatório com reformas em prol de “concorrência efetiva”. A organização entende que houve avanços para “fortalecer a independência dos reguladores de comunicações”, e que medidas recomendadas foram implantadas, como ações no atacado para promover concorrência no celular. Outro ponto forte, diz a OCDE, é a estrutura institucional do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), citado como exemplo de boas práticas.
Também destaca a legislação para fortalecer o conteúdo nacional de cinema nacional, que promoveu uma intensificação da produção nos últimos dez anos. A entidade nota que a TV de sinal aberto é ainda o meio audiovisual de maior alcance no Brasil.
Porém, o relatório cita “fragilidades importantes” que demandariam reforma regulatória, como a carga tributária sobre os serviços de comunicação. Diz ainda que falta um modelo institucional adaptado a um ambiente mais convergente; “responsabilização pessoal de servidores públicos que pode desmotivar candidatos altamente qualificados a entrarem no serviço público e que leva a regulamentações demasiadamente cautelosas”; e um regime de licenciamento demasiadamente complexo e burocrático.