O celular virou professor de redação. Mesclando processamento de linguagem natural em português, redes neurais e deep learning, a startup brasileira Corrijaê está desenvolvendo um app homônimo que corrige em poucos minutos uma redação e aponta onde o estudante precisa melhorar. O público-alvo são principalmente candidatos do Enem que queiram praticar com mais frequência suas habilidades em redação. Uma versão beta está em testes e o lançamento nas lojas de aplicativos acontecerá em breve.
O app sugere os temas para as redações. Na versão em testes estão disponíveis aqueles que fizeram parte das provas do Enem de 2018 e 2019: manipulação do comportamento do usuário através do controle de seus dados na Internet; e democratização do acesso ao cinema no Brasil, respectivamente. O estudante deve escolher um e escrever sua redação à mão, em um papel. O passo seguinte é fotografá-la e enviar pelo app. Um software de OCR procura identificar o que está escrito e devolve a redação digitalizada para o usuário revisá-la e corrigir possíveis erros. Em seguida, o texto é submetido para correção pelo software do Corrijaê. Em poucos minutos o usuário recebe de volta sua nota.
“Enquanto a correção humana leva dias, a nossa é feita em minutos”, compara André Paraense, um dos cofundadores do Corrijaê.
Para calcular a nota, o aplicativo analisa diversos aspectos, como erros ortográficos e gramaticais; nível de vocabulário; relação com o tema; coesão entre as frases; clareza das sentenças; e ausência de termos depreciativos. Aspectos mais subjetivos, como a concatenação de ideias, a qualidade argumentativa e a proposta de solução na conclusão não são considerados por enquanto. “Se tivermos boas características gramaticais e coerência, conseguimos uma acurácia boa na nota final, pois em uma redação com muitos erros outras competências ficam comprometidas”, explica Evelin Amorim, outra cofundadora da startup.
Como base de dados para o treinamento do algoritmo, o Corrijaê utilizou mais de 10 mil redações do UOL e do portal Brasil Escola. Além disso, são coletadas pela Internet redações postadas por estudantes.
Amorim argumenta que a correção automática pode ser mais justa e precisa que a humana. “A correção humana no Enem é bem heterogênea. Na edição de 2017, 40% das redações tiveram discrepância grande na nota”, relata. Nos casos em que o Corrijaê deu uma nota muito diferente daquela do UOL para a mesma redação, Amorim pediu que uma amiga de Letras fizesse uma terceira correção. Resultado: a avaliação da amiga ficou mais próxima daquela feita automaticamente pelo Corrijaê que a do UOL, que é calculada por humanos.
O modelo de negócios para monetização do Corrijaê ainda não foi definido. Uma das possibilidades em análise seria cobrar uma assinatura para a correção de um determinado número de redações.
Academia e mercado
Os sócios do Corrijaê combinam talentos de negócios e acadêmicos. Enquanto Paraense tem experiência em startups de tecnologia e educação, Amorim é doutora em ciência da computação pela UFMG. Sua tese de doutorado foi sobre modelos para correção automática de redações em português e para detecção automática de viés humano na correção de textos. A tese serviu de base para a construção do Corrijaê.
“A academia é criticada por não dar resultado prático, e esse é um exemplo legal de como uma pesquisa de qualidade pode gerar um produto inovador e com potencial para ser global”, avalia Paraense. Amorim complementa: “Como acadêmica, estou acostumada a produzir artigos. É legal ver alguém usando na prática a sua pesquisa, ainda mais hoje em dia, em que se cortou muito da verba para as universidades públicas. Encaro como um exemplo de como a pesquisa pode ter impacto direto e prático na sociedade.”